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Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.

Manifestações doutrinárias

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03/09/2007 às 00:00
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Nenhum órgão do Estado, situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo, está imune, sob qualquer pretexto, à força da Constituição.

Sumário: 1. Introdução. 2. As manifestações doutrinárias mais recentes sobre o tema. 2.1 Carlos Valder do Nascimento. 2.2 Ivo Dantas. 2.3 Francisco Barros Dias. 2.4 José Maria Tesheiner. 2.5 Eduardo Talamini. 2.6 Genaro R. Carrió e Alejandro D. Carrió. 2.7 Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina. 3. As conclusões apresentadas por outros doutrinadores que têm estudado a coisa julgada em sua visão contemporânea. 4. Enunciados sobre a coisa julgada inconstitucional, arbitrária, decorrente de sentença nula e inexistente. 5. Conclusões. Bibliografia. ANEXO.


1. Introdução

O tema vinculado aos aspectos envolvendo a relativização, a flexibilização e a revisão da coisa julgada, na doutrina e na jurisprudência contemporânea (maio de 2006) está a exigir, em face das correntes que a respeito têm se formado, reflexões que retratem os posicionamentos assumidos.

Os debates que a respeito estão sendo desenvolvidos acompanham o processo de transformação vivenciado pelas instituições que compõem a Ciência do Direito, em razão da necessidade de revisão de muitos dos seus conceitos para que configure-se harmonia entre a realidade vivenciada pelos anseios da sociedade atual e a concretude dos efeitos produzidos pela legislação quando aplicada na solução de casos concretos.

O estudioso e aplicador do Direito não pode conviver afastado da evolução do querer plasmado na Constituição que rege os destinos da cidadania, especialmente, quando o comando nela contido expressa postulados que valorizam o Estado Democrático de Direito, com diretivas fortalecendo os valores da cidadania, da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho, da moralidade, da legalidade, da eficiência, da impessoalidade, da sociabilidade, entre tantos outros.

Consagrado está no ordenamento jurídico brasileiro que os atos e decisões praticados pelos Poderes Públicos devem guardar respeito absoluto aos ditames da Constituição. Esta, na feliz expressão de José Souto Borges Maior, por si só, imprime segurança. Ela é a segurança jurídica determinadora de que os ditames maiores do Estado Democrático de Direito instituído por vontade soberana dos constituintes, delegados da vontade popular, sejam absolutamente respeitados.

O Poder Executivo quando pratica atos administrativos ou decide conflitos nos limites da sua competência, se exercer tais atribuições de modo contrário ao ditado pelos postulados, princípios e regias explícitos e implícitos da Constituição Federal, recebe os efeitos do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Este afasta o ato ou a decisão do mundo jurídico, se a tanto provocado for.

O Poder Legislativo não está, como é plenamente sabido, isento desse controle no exercício da sua missão de legislar. As emendas constitucionais aprovadas por esse Poder quando promulgadas são passíveis de controle de constitucionalidade; as leis complementares e as leis ordinárias sancionadas ou promulgadas são, também, sujeitas ao controle de constitucionalidade. As medidas provisórias emitidas pelo Poder Executivo não estão imunes ao controle da constitucionalidade. Do mesmo modo as leis delegadas, os decretos legislativos e as resoluções.

O Poder Judiciário quando emite decisões que vão de encontro à Constituição Federal, quer violando qualquer um dos seus postulados, quer descumprindo os seus princípios, quer diretamente obscurecendo as suas regras, está, também, submetido, ao controle da constitucionalidade. Não há nenhum dispositivo na Lei Maior que o isenta desse controle, nem esse privilégio pode ser concebido no círculo formativo de um regime democrático. O controle de constitucionalidade dos atos administrativos, das leis e das decisões judiciais, por quaisquer meios processuais permitidos pela formatação legal instituída, não infringe o Princípio da Separação dos Poderes. Ele é necessário para fortalecer o Princípio Democrático Representativo por ser via de garantia da vontade soberana do povo manifestada no texto da Carta Maior, fazendo com que haja integral respeito aos seus ditames. A respeito é a lição de Thomas Cooley:

"O Poder Judiciário, tendo de decidir qual a lei que deve ser aplicada em determinada controvérsia, pode encontrar a vontade do poder legislativo, conforme é expresso em lei, em conflito com a vontade do povo em conformidade do expresso na Constituição, e as duas se não poderem conciliar.

Nesse caso, como o poder legislativo é o conferido pela Constituição, é claro e o poder delegado foi o que se excedeu; que o mandatário não se manteve dentro da órbita do mandato. O excesso, por conseguinte, é nulo e é dever do tribunal reconhecer e fazer efetiva a Constituição como o direito primordial, recusar-se a dar execução ao ato legislativo, e assim o anular na prática1."

Ora, nada mais claro e preciso de que, para o fortalecimento da democracia e do crescimento da confiança nos Poderes, a prática de seus atos e decisões apresentem conformidade com os ditames da Constituição Federal.

Inconcebível, em face dessas idéias hoje vigorantes no Estado Democrático de Direito, a continuidade do pensamento de que a coisa julgada é intangível, mesmo quando constituída em evidente confronto com postulados, princípios e regras da Constituição Federal.

O que todo cidadão espera do Poder Judiciário é a defesa integral da supremacia constitucional. Nunca a sua violação ao emitir decisões judiciais. A atividade judiciária, pela nobreza contida no seu exercício, deve imprimir o máximo de segurança jurídica. Esse patamar só será alcançado se ela configurar de modo explícito a harmonia dos seus efeitos com as linhas mestras materializadas no texto da Constituição Federal.

O intérprete e aplicador do direito não pode deixar de ter como bússola nas práticas de suas atividades, quer doutrinárias quer jurisdicionais, que a força da Constituição tem origem no Poder do Povo, pelo que nenhum Poder está acima dela. Em conseqüência, em um Estado Democrático de Direito não há realização plena dos ideais concebidos quando o Poder Judiciário, ao proferir suas decisões judiciais, pretende ficar acima dos limites determinados pela Carta Magna do País.

A missão dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, especialmente deste, é fazer prevalecer a força da Constituição. Esta, sozinha, por si, nenhum efeito produz. A eficácia e efetividade dos seus postulados, dos seus princípios e das suas regras dependem da atuação de todos os Poderes, com destaque, do Poder Judiciário. Em assim sendo, não é concebível, sob o simples argumento da intangibilidade da coisa julgada, aceitar-se descumprimento da Constituição Federal.

Em conclusão, afirmamos juntamente com outros autores que nenhum órgão do Estado, situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo, está imune, sob qualquer pretexto, à força da Constituição.


2. As manifestações doutrinárias mais recentes sobre o tema

Passamos a demonstrar, do modo mais objetivo possível, as conclusões de doutrinadores sobre o assunto. A nossa intenção não é outra de incentivar, do modo mais profundo e científico possível, o debate, a fim de que a Ciência do Direito solidifique as suas teorias sobre a coisa julgada inconstitucional, atentatória aos desígnios da natureza, afrontosa à moralidade privada e pública, injusta em seus efeitos.

Insistimos nesse campo de desenvolvimento de reflexões sobre o assunto pelo temor de que os equívocos do passado no fixar a imutabilidade da coisa julgada com as características acima apontadas tornem-se verdade, gerando insegurança nas relações jurídicas e descrença na força da Constituição de um Estado Democrático de Direito.

Entre os inúmeros estudiosos do assunto em questão, destacamos as conclusões e pensamentos de:

2.1. Carlos Valder do Nascimento

Em sua obra Por uma teoria da coisa julgada inconstitucional. Editora Lumen júris, 2005, para chegar às conclusões que serão anunciadas, examinou, com intensidade, de modo prioritário, os assuntos seguintes:

a) "Considerações Propedêuticas Acerca da Coisa Julgada Inconstitucional";

b) "Coisa julgada inconstitucional";

c) "Insubsfanciabilidade da Coisa Julgada";

d) "Panorama Pós-moderno da Legitimação Normativa: Valor Justiça e Controle dos Atos Públicos";

e) "Escola Clássica do Positivismo Jurídico";

f) "Crise da Teoria Constitucional e a Contribuição de John Rawals e Jürgen Habermas";

g) "O Direito na Ótica do Pós-Positivismo";

h) "Pressupostos Constitucionais e Processual da Coisa Julgada";

í) "A Função Jurisdicional, e Inconstitucionalidade dos Atos Públicos";

j) "A Decisão Judicial e Seus Fundamentos no Plano da Validade";

k) "Contribuições ao Estudo da Coisa Julgada Inconstitucional: Estudos Doutrinários";

l) "Dogmatismo da Não Relativização e da Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional: Um Contraponto;

m) "Segurança Jurídica, Justiça da Sentença e Sentença Inconstitucional";

n) "Hermenêutica Constitucional: Ponderação de Interesses, os Princípios da Razoabilidade, da Proporcionalidade e do Fenômeno Jurídico";

o) "Instrumentos Processuais de Controle da Decisão Inconstitucional".

Carlos Valder do Nascimento, op. cit., fls. 188, com base no que expôs seguindo o esquema acima apontado, conclui o que passamos a registrar, com destaque, apenas, a alguns pontos centrais do afirmado:

a) "Pode-se colher da ordem jurídica os elementos imprescindíveis à análise do controle das atividades típicas dos Poderes do Estado: administrativas, legislativas e judiciárias, todas sujeitas ao controle da sociedade";

b) "As regras atinentes à coisa julgada são regras no plano da legislação ordinária que, inclusive, por expressa previsão constitucional, não podem contrariar ou promover modificações no referido instituto que tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas, nos termos do Código de Processo Civil";

c) "Não existe nenhum choque entre o princípio da segurança jurídica e a aplicação de outros princípios que estão acima daquele, sendo presente que o caráter absoluto atribuído à coisa julgada não resiste aos primados da moralidade e da legalidade";

d) "O princípio da segurança jurídica deve ceder diante de princípios fundantes do ordenamento constitucional, quando se sabe que o processo não realiza o direito de modo perfeito, em toda a sua plenitude";

e) "Há de prevalecer em qualquer situação a supremacia da Constituição, afastando resistências conservadoras, aferradas ao legalismo comprometedor da justa aplicação do direito";

f) "Nas sentenças nulas, os vícios inerentes ao conteúdo de inconstitucionalidade por eles veiculados podem ser atacados, sem necessidade de observância de tempo ou de procedimento específico, já que decretam a inexigibilidade do título executivo sentenciai, por força do parágrafo único do art. 741, do Código de Processo Civil, acrescentado com a redação dada pelo art. 10, da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001";

g) "Mesmo que não houvesse a recente regra introduzida no Código de Processo Civil expressa em seu art. 741, parágrafo único, nada impediria que, por ocasião dos embargos, o juiz examinasse a questão da inconstitucionalidade da sentença considerada nula, independentemente de qualquer pronunciamento prévio do Supremo Tribunal Federal, nos aspectos difuso ou concentrado";

h) "Se há ressalvas no que pertine à autoridade da coisa julgada, tanto no âmbito criminal quanto civil, que autorizam a revisão criminal e a rescisão da sentença, lícito é admitir que a coisa julgada inconstitucional pode ser objeto de ação declaratória em busca de sua desconstituição, por não se compatibilizar com o ordenamento constitucional positivo";

i) "A res judicata tem força de lei entre as partes, de maneira que não pode ser modificada por lei ordinária, cuja sentença enfrentou o mérito, assim transitando em julgado";

j) "A tese da relativização da coisa julgada ganha corpo, captando a simpatia dos juristas europeus e brasileiros, a partir da percepção de que não se pode acolher um entendimento que não seja consentâneo com a realidade dos fatos. Daí, ser intolerável que a decisão jurisdicional, de carga lesiva, não possa ser revertida, mesmo em situação extraordinária, a pretexto do seu caráter de absolutividade";

l) "Não resta dúvida a respeito da subsistência da denominada querela nullitatis no direito brasileiro, de natureza autônoma, que busca a impugnação da sentença inquinada de nulidade, independentemente de manejo do procedimento recursal, como bem lembrado linhas antes por José Cretella Neto. Pode ser acionada contra vícios insanáveis que se sobreponham à formação da coisa julgada, nem se resolvem com a preclusão temporal";

m) "A argüição de inexigibilidade do título sentenciai pode ser processada em sede exceção de pré-executividade, mesmo que a decisão já tenha sido transitada em julgado. Havendo petição de nulidade relativa aos requisitos da execução, seu processamento, independentemente de formalidade, deve verificar-se em qualquer grau de jurisdição. Tem natureza suspensiva já que afeta o processo de execução"

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2.2. Ivo Dantas

No artigo "Coisa julgada inconstitucional: declaração judicial de inexistência2", após dedicada e aprofundada análise sobre o assunto, afirma, no final, o que passamos a citar:

Diante deste raciocínio, podemos chegar às seguintes conclusões, a partir das quais novos aspectos poderiam ser analisados, desde que aceita a trilogia da Tese, Antítese e Síntese. São elas:

a) se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, não se poderá falar em Coisa Julgada por encontrar-se esta fundamentada em algo que não existe. A expressão Coisa Julgada Inconstitucional, neste caso, a rigor, seria utilizada mesmo reconhecendo-se a contradição intrínseca que representa. Teria, possivelmente, um sentido mais retórico, que científico;

b) sendo a Coisa Julgada calcada em norma inconstitucional, não se há de falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional, razão pela qual, os meios processuais utilizáveis para a sua impugnação apenas irão reconhecer, através de novo pronunciamento, que a decisão rescindenda, juridicamente, nunca existiu, por estar calcada em Inconstitucionalidade. Na prática, contudo, sem a rescisão, e como foi dito com base em Pontes de Miranda, ''a eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível'';

c) como a Argüição de Inconstitucionalidade poderá ser feita a qualquer tempo, em qualquer instância ou Tribunal, neste caso não se aplicaria o elemento tempo, ou seja, não se há de falar em Decadência, Preclusão e/ou ainda Prescrição;

d) se, por qualquer motivo, a Ação Rescisória for apontada como ilegítima em razão do tempo, a saída seria o uso do Mandado de Segurança ou da Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença, em razão da inconstitucionalidade em que se encontra fundamentada.

Vale lembrar que esta última hipótese já foi aceita pelo STF3;

e) não se há de falar neste caso (e a repetição é didaticamente necessária) em atentado à segurança jurídica, vez que esta não se poderá assentar no nada, no inexistente;

f) dizendo de forma objetiva: lei ou ato eivados de inconstitucionalidade, não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada, da mesma forma que não faz ato jurídico perfeito ou direito adquirido".

2.3. Francisco Barros Dias

Em trabalho de sua autoria intitulado "Breve Análise Sobre a Coisa Julgada Inconstitucional", após registrar as suas investigações sobre o assunto, conclui, afirmando:

a) "é imprescindível uma posição da doutrina e, especialmente, da jurisprudência, sobre o instituto da coisa julgada, quando violadora da Constituição, em face da perplexidade que provoca a diversidade de julgados contraditórios, especialmente quando há, entre eles, um que afronta a Constituição";

b) "da forma como a jurisprudência vem tratando a ação rescisória, tal remédio jurídico não é suficiente para corrigir uma decisão tida como inconstitucional, depois do trânsito em julgado";

c) "o nosso sistema jurídico está embasado em diversos princípios que dão sustentação ao ordenamento, como os da hierarquia das normas, o democrático, os da legalidade, isonomia e separação de Poderes, os quais deverão ser observados pelo julgador ao aplicar a norma";

d) "a sentença que afronta um princípio constitucional, deve ser tida como inexistente, por sua incoerência com o ordenamento jurídico vigente";

e) "há de ser entendida como de perplexidade, a situação de um jurisdicionado que vai ao Judiciário e se depara com uma decisão contrária a Constituição e não tem como remediar esse erro, o que leva o órgão estatal a sofrer pesadas críticas e ser, logicamente, incompreendido em sua real função";

f) "como forma de se corrigir, o quanto antes, mesmo sem necessidade de reforma da lei ou da Constituição, essa suposta omissão instrumental, seria a jurisprudência aceitar a ação rescisória com fundamento da inconstitucionalidade do julgado e sem prazo de decadência, ou a forma mais prática e eficaz da ação declaratória de inexistência da coisa julgada inconstitucional, a qual não encontraria qualquer óbice em nosso ordenamento jurídico. Ao contrário, com o mesmo se compatibiliza e harmoniza".

2.4 José Maria Tesheiner

Em sua obra4 sobre coisa julgada merece ser destacado, em parte, ao comentar os limites da proteção constitucional da coisa julgada. Escreveu que:

a) "A Constituição estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5°, XXXVI). Em essência, o que aí se veda é a lei retroativa, isto é, lei posterior para reger fatos passados. A revisão da sentença, por fato superveniente, em relação jurídica continuativa não ofende a Constituição."

b) "Também não ofende a Constituição a ação rescisória, pois não há retroatividade quando se rescinde a sentença, proferindo-se novo julgamento, com base na mesma legislação existente no tempo da rescisão rescindida. Nem se precisa lançar mão do argumento de que a própria Constituição contém referência à ação rescisória."

c) "A ação rescisória poderia ser perpétua, sem com isso violar-se a Constituição. Se se entendesse essencial a existência de prazo, estar-se-ia a interpretar a Constituição como se ela apenas protegesse a chamada coisa soberanamente julgada, isto é, as sentenças de mérito que não apenas transitaram em julgado como se tornaram irrescindíveis pelo decurso do tempo. Mas a proteção constitucional a coisa julgada é mais ampla. Não se limita a proteger as sentenças irrescindíveis, mas toda e qualquer sentença que haja produzido coisa julgada material."

2.5. Eduardo Talamini

Escrevendo a respeito do tema5, dedica todo um capítulo ao exame das sentenças inexistentes e ineficazes. Defende o autor que o reconhecimento da sentença inexistente pode ser buscado pela actio nullitalis. São seus os registros seguintes:

A actio nullitalis destina-se à constatação da inexistência da sentença. É exercitável ''a qualquer tempo'', pois, sendo precipuamente declaratória, não está sujeita a prazos de prescrição ou decadência. Estão legitimados a formulá-la tanto o vencido quanto o vencedor, cujo interesse pode residir na eliminação da incerteza criada pela aparência de sentença. É de competência do juiz de primeiro grau (rectius: do juiz com competência originária para a causa objeto da sentença inexistente).

O mencionado autor, no capítulo onde analisa "as sentenças inexistentes e ineficazes (em confronto com as sentenças nulas e injustas)", tece "críticas à noção de inexistência jurídica como categoria autônoma e relevante", analisa as "razões para aceitação da categoria" e a sua "eficácia e ineficácia". A seguir, aborda, de modo sistemático, os assuntos seguintes:

a) "sentenças justas e injustas";

b) "as razões da especial relevância da inexistência jurídica no processo civil";

c) "sentenças inexistentes: configuração lógico-jurídica, importância prática e tutela constitucional";

d) "sentença sem dispositivo";

e) "ato proferido em procedimento em que falta pressuposto de existência processual";

f) "regime jurídico de averiguação da sentença juridicamente inexistente";

g) "sentenças inexistentes e relativização da coisa julgada".

Eduardo Talamini arremata o capítulo acima mencionado, afirmando:

Considerando-se o panorama aqui exposto, evidencia-se que há muitos defeitos de forma e conteúdo que, apesar de gravíssimos, não implicam a inexistência da sentença. Em tais casos, não será aplicável o regime delineado nos itens anteriores. Vale dizer: tratando-se de sentença de cognição exauriente "de mérito", estará presente a autoridade da coisa julgada material, a qual em princípio apenas poderia ser derrubada mediante a ação rescisória (observados seus rigorosos pressupostos de cabimento e prazo de propositura) ou algum outro instrumento típico (ex. art. 741, parágrafo único). É nesse terreno — alheio às sentenças inexistentes — que se põe o problema da "relativização da coisa julgada6".

Em certo sentido, os doutrinadores que sustentam um rol significativamente mais amplo de sentenças inexistentes (atribuindo tal condição a situações que a rigor se enquadram no núcleo conceituai mínimo desse tipo de ato) desenvolvem, por esse caminho, uma teoria de ''relativização da coisa julgada''. Ou, em outra perspectiva: mediante a própria negação de que haja a coisa julgada, tais doutrinadores eliminam o problema da quebra da coisa julgada".

Eduardo Talamini apresenta as suas conclusões sobre a análise minuciosa que faz sobre a doutrina da relativização da coisa julgada. Ei-las:

Confirma-se a necessidade, já antes destacada, de definir o exato sentido e alcance dos conceitos e categorias pertinentes ao tema (coisa julgada e seus limites, existência jurídica e nulidade da sentença, etc). Uma indevida "elativização dos conceitos" estará ocultando a verdadeira "elativização" dos institutos, sem que os critérios então empregados necessariamente se revistam de legitimidade constitucional. Portanto, convém descartar soluções que, diante de situações em que rigorosamente há coisa julgada mas não parece razoável mantê-la, em vez de enfrentar a questão da quebra da coisa julgada, optam pela ampliação ou adaptação de outros conceitos, mediante formulações destinadas a sustentar que não haveria coisa julgada.

É indispensável que o exame do tema se faça à luz da Constituição.

No entanto, não é possível a adoção de critérios meramente "struturais" O problema da sentença inconstitucional não tem como ser reduzido a uma simples questão de compatibilidade hierárquica, nos moldes usualmente adotados para a lei e o ato administrativo.

É necessária a consideração dos valores constitucionais envolvidos. Mas é também preciso identificar critérios para tanto. A proporcionalidade não é um fundamento adicional, um argumento de reforço, em favor da relativização da coisa julgada.

Antes, é o único caminho para o legítimo exame da questão.

Por outro lado, cumpre também investigar se o balanceamento dos valores fundamentais para a "relativização" da coisa julgada é tarefa exclusiva do legislador ou também atribuída ao órgão jurisdicional.

Sendo também tarefa do julgador, tão importante quanto definir a possibilidade de quebra da coisa julgada é a identificação do instrumento processual pelo qual isso deve ser feito7.

2.6. Genaro R. Carrió e Alejandro D. Carrió

Estes doutrinadores argentinos escreveram, em 1983, a obra intitulada El Recurso Extraordinário por Sentencia arbitraria — En La Jurisprudência de La Corte Suprema, terceira edição atualizada, editada por Abeledo Perrot — Buenos Aires, Argentina, em dois volumes8.

Da doutrinação exposta pelos autores acima enfocados, destacamos algumas afirmações, no intuito de bem demonstrar a necessidade de ser quebrado, com base em teorias científicas, o mito do absolutismo da sentença transitada em julgado, quando diretamente oposta aos postulados, princípios e regras constitucionais, ou, na afirmação contida na obra citada ''sentença arbitrária''.

Eis os trechos que apresentamos para meditação do leitor:

a) "En el Capítulo II tratamos de distinguir entre el ''ámbito de aplicación excepcional'' de el. Este último gira en torno de la noción de sentencia arbitraria. En ese mismo capítulo procuramos dar un cierto encuadre normativo aL recurso extraordinário por sentencia arbitraria. Esto es, al remedio federal de la ley 48 art. 14, cuando opera en su ámbito de aplicación excepcional. El encuadre normativo más plausible, según la formulación de la Corte, es la garantia de la defensa en juicio (debido proceso legal adjetivo). Una sentencia arbitraria no satisface los requisitos del debido proceso adjetivo porque no es en verdad una sentencia en los términos de la Constitución. Esto nos permitió ver (capítulo III) que lo que realmente hace la Corte cuando utiliza como herramienta la noción de sentencia arbitraria y, valendose de ella, opera con el recurso extraordinario dentro del ámbito excepcional de éste, es descalificar pronunciamientos o decisiones que vienen rotulados como sentencias. Los descalifica en cuanto tales porque, a juicio de la Corte, no llegan a ser sentencias en términos que satisfagan los reclamos de la Constitución Nacional9."

b) "Así, hay sentencias que han sido descalificadas por arbitrarias en razón de que:

(I) omiten considerar y resolver ciertas cuestiones oportunamente propuestas; ou (2) resuenven cuestiones no planteadas.

(II) A los Fundamentos de La decisión, y dentro de ellos:

A) Al establecimiento del fundamento normativo. Así, hay sentencias que han sido descalificadas por arbitrarias en razón de que:

(3) fueron dictadas por jueces que, al dictar-las, se arrogaron en papel de legisladores y no se sintieron limitados por el orden jurídico; o

(4) prescinden del texto legal sin dar razón plausible alguna; o

(5) aplican preceptos derogados ou aún no vigentes; o

(6) dan como fundamento pautas de excesiva amplitud, en substitución de normas positivas directamente aplicables.

B) Al establecimiento del fundamento no normativo (o de hecho). Así, hay sentencias que han sido descalificadas por arbitrarias en razón de que:

(7) prescinden de prueba decisiva; o

(8) invocan prueba inexistente; o

(9) contradicen abiertamente otras constancias de los autos.

C) Al establecimiento del fundamento normativo, del fundamento de hecho, o al tránsito de ellos a la conclusión. Así, hay sentencias que han sido descalificadas por arbitrarias en razón de que:

(10) hacen afirmaciones dogmáticas que sólo constituyen un fundamento aparente; o

(11) incurren em excesos formalistas o rituales; o

(12) son antocontradictorias.

(III) A los efectos de la decisión. Así, hay sentencias que han sido descalificadas por arbitrarias en razón de que:

(13) pretenden dejar sin efecto decisiones anteriores firmes10."

2.7. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina

Na magnífica obra11 sobre o Dogma da coisa julgada, analisam o assunto desdobrando-o nos capítulos seguintes:

"Sobre a Coisa Julgada".

"Sobre as Sentenças que não Transitam em Julgado".

"Sobre os Pronunciamentos Judiciais que, em Virtude de sua Natureza, Não Transitam em Julgado".

"Uma Interpretação mais Abrangente das Hipóteses de Cabimento da Ação Rescisória".

"Sobre o Termo Inicial da Contagem do Prazo para Ação Rescisória".

"Mecanismos Processuais de Supressão ou Correção das Decisões Judiciais Inexistentes ou Nulas, Transitadas em Julgado".

A obra referida mereceu prefácio de Humberto Theodoro Júnior. Este eminente professor e doutrinador, no mencionado prefácio, enfatiza o que entendemos ser necessário destacar:

Em passado recente a intangibilidade da coisa julgada se revestia de uma mística auréola de santidade, como, entre muitos, registrava José Luiz Vazquez Sotelo. Escassos, por isso, eram, aqui e alhures, ensaios que se voltavam, por exemplo, para o problema da desconformidade de uma sentença transitada em julgado e a Constituição. E o que prevalecia, mesmo no transcendente domínio da ordem constitucional, era o critério de somente contemporizar com o rompimento da res iudicata nos acanhados limites da ação rescisória. Dessa maneira, até mesmo às ofensas à Lei Maior, quando cometidas pela sentença contra a qual não se pudesse manejar a rescisória, tornar-se-iam perene e irrecorríveis, mercê da intransponibilidade da barreira criada pela coisa julgada.

Ergueram-se, no entanto, vozes de inconformismo no seio da doutrina constitucional contra esse exagero de ''santificação de um fenômeno que haveria de conduzir a sentença a um nível de autoridade superior ao da própria Constituição. Carlos Valder do Nascimento, por exemplo, escreveu sobre o tema e coordenou uma coletânea de estudos recentes sobre a ''coisa julgada inconstitucional'', onde se penetrou não só no direito pátrio, mas também em obras especializadas do direito constitucional europeu.

A tese que vem ganhando corpo é a de que o fenômeno da inconstitucionalidade se reduz a uma relação de validade: se o ato de poder — qualquer que seja ele — é conforme à Constituição, vale; se não o é, não vale. É pelo mecanismo da nulidade, portanto, que se resolve o problema do ato inconciliável com a ordem constitucional".

Destacamos, ainda, o que Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina afirmam na apresentação da obra:

Trata-se, isto sim, de uma certa desmistificação da coisa julgada. Ao que parece o instituto da coisa julgada, tal qual vinha sendo concebido pela doutrina tradicional, já não corresponde mais às expectativas da sociedade, pois a segurança que, indubitavelmente, é o valor que está por detrás da construção do conceito da coisa julgada, já não mais se consubstancia em valor que deva ser preservado a todo custo, à luz da mentalidade que vem prevalecendo.

Os autores referidos analisam, p. 39 et seq. da obra citada, o fenômeno da "Coisa julgada e violação à Constituição Federal".

Afirmam a respeito:

Em princípio nos parece que, em linhas gerais, o regime jurídico a que se submete a sentença que ofende a Constituição Federal é o da rescindibilidade, idêntico àquele ao qual se submete a sentença que ofende a lei (art. 485, inc. V, do CPCO).

Pensamos também, conforme constou do item 2.1, que as sentenças que são inconstitucionais porque acolhem pedidos inconstitucionais, são sentenças (estas sim!) que não transitam em julgado porque foram proferidas em processos instaurados por meio de mero exercício de direito de petição e não de direito de ação já que não havia possibilidade jurídica do pedido".

A seguir, os mencionados autores examinam "a sentença proferida com base em lei e posterior ação declaratória de inconstitucionalidade julgada procedente", a "sentença baseada na não-incidência de determinada norma, porque considerada inconstitucional incidenter tantum, e sentença, posterior, de procedência de ação declaratória de constitucionalidade" e os "embargos à execução com base na inconstitucionalidade da lei em que se baseia a sentença exeqüenda".

Destacamos, ainda, da referida obra o trecho, p. 237-238, onde está afirmado:

É impossível fechar-se os olhos à realidade de que o Código de Processo Civil hoje não pode mais ser pressuposto como algo que se assemelhe a um sistema, no sentido mais rigoroso da expressão. Trata-se de lei que vem passando por um profundo processo de reforma e cujas feições definitivas ainda não se completaram, até porque não houve tempo para que a doutrina e a jurisprudência amadurecessem certos aspectos das novidades e problemas por estas criados.

Portanto, as zonas de penumbra são incontáveis e tendem a multiplicar-se na exata proporção da quantidade e da velocidade das alterações que se vão introduzindo no texto da lei.

Em face desse quando penamos que pode ser absolutamente desastrosa a insistência em manter o raciocínio orientado exclusivamente pelo método clássico de pensar.

Um dos autores deste ensaio fez minucioso estudo, com vivo entusiasmo e interesse, e o correlato empenho em classificar os vícios de que podem padecer o processo e a decisão neste proferida.

Uma das conclusões a que chegou foi a de que há um grupo de sentenças que seriam juridicamente inexistentes, ou porque padecem de um grave defeito intrínseco, que as desfigura como sentença, que compromete sua natureza de ato sentenciai (com p. ex., a falta de decisum) ou porque teriam herdado certos vícios do processo em que foram prolatadas (como, p. ex., a ausência de citação do réu ou de um dos réus, caso de litisconsórcio necessário).

Na esteira do que entende a doutrina mais qualificada e felizmente boa parte da jurisprudência, estas sentenças não têm aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem se objeto de ação rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento daquela ação: sentença de mérito transitada em julgado. Em nosso entender, pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de rito ordinário, cuja propositura não se sujeita a limitação temporal".

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Sobre o autor
José Augusto Delgado

Advogado. Parecerista. Professor. Consultor Jurídico. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, após ter exercido a magistratura por mais de 43 anos. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Ex-Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral. Ex-Presidente da Escola da Magistratura Nacional Eleitoral. Ex-Desembargador Federal no TRF da 5ª Região, de 30 de março de 1989 a 13 de dezembro de 1995, onde foi Presidente, Vice-Presidente e Corregedor Regional. Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (RJ). Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Direito Tributário (SP). Membro titular, como acadêmico, da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Membro titular, como Conselheiro Honorífico Titular, da Academia de Direito Tributário das Américas. Membro Acadêmico da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte; Doutor Honoris Causa pela Universidade Potiguar do Rio Grande do Norte. Professor de Direito Tributário, Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Civil. Ex-Juiz Federal. Ex-Juiz Estadual. Ex-Corregedor Regional da Justiça Eleitoral – RN. Integrante do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Autor de 4 livros. Co-autor em obras coletivas em mais de 25 publicações. Autor de mais de 300 artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, José Augusto. Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.: Manifestações doutrinárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1524, 3 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10349. Acesso em: 15 nov. 2024.

Mais informações

<b>Texto originalmente publicado na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) do Superior Tribunal de Justiça (<a href="http://bdjur.stj.gov.br">http://bdjur.stj.gov.br</a>).</b><br>Distribuído sob <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/deed.pt">Licença 2.5 Brasil Creative Commons</a>. Reproduzido mediante permissão.<br> Publicado também na coletânea “Coisa julgada inconstitucional”. Org. Carlos Valder do Nascimento e José Augusto Delgado. Belo Horizonte: Fórum, 2006. pp. 105-159.

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