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Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.

Manifestações doutrinárias

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03/09/2007 às 00:00
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3. As conclusões apresentadas por outros doutrinadores que têm estudado a coisa julgada em sua visão contemporânea

Continuamos a apresentar as manifestações de outros autores sobre a coisa julgada inconstitucional e a decorrente de sentenças arbitrárias, inexistentes ou nulas.

Com o intuito de que os registros alcancem o maior número possível de doutrinadores, limitamo-nos, apenas, a mencionar as suas conclusões:

a) Flávia Sapucahy, Advogada Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela ESA São Sebastião - SP, em seu artigo "Relativização da Coisa Julgada12", após exposição das suas idéias, conclui com as seguintes afirmações: "As nulidades se perpetuam na sentença com o advento da coisa julgada em seu bojo. No entanto, existem nulidades tão graves que não podem ser admitidas pelo ordenamento jurídico, não podem ser sanadas quanto menos perpetrada no mundo dos fatos. A qualquer tempo devem ser alegadas. Impugnar-se-á decisão incompatível com a Constituição Federal. Este é o pensamento principal do concluído em nosso estudo. Tem-se como linha mestra de raciocínio que devem ser seguidas a risca as regras constitucionais, sempre em busca da verdade real, do direito justo sobre as formas processuais e preclusões".

Extrai-se, deste pensamento, que a sociedade atual exige um regramento no sentido de alterar o dogma da coisa julgada, e ampliá-lo excepcionalmente, em casos específicos cuidadosamente analisados pelo magistrado evitando o uso dos Recursos Extraordinário e especial. Devendo haver tolerância e compreensão do magistrado de primeiro grau no sentido de examinar a ação de querella nulitatis, em ações de sua competência. Para que haja apenas uma decisão sobre o assunto, e não intermináveis recursos, pois a mentalidade dos Tribunais tem sido, acertadamente, no sentido da excepcional relativização da coisa julgada.

O que se propõe é a mudança de mentalidade, é que a comunidade jurídica abra seu leque de possibilidades e faça valer os direitos inerentes aos cidadãos. Propõe-se resolver o problema, muitas vezes criado pela própria administração pública em prejuízo da sociedade. É um antídoto contra injustiças, contra ingerências, e a favor da família como entidade familiar e relativo ao estado de pessoas. É o zap, guardado na manga que deve ser utilizado apenas em casos de extrema necessidade, e o Estado, através da jurisdição, deve sucumbir a ele.

Contudo, se a nulidade for argüida no momento oportuno, nada teríamos que discutir acerca da relativização da coisa julgada. Se o poder judiciário trabalhasse de tal forma que as nulidades não ocorressem, seria o ideal. Se os advogados e o ministério público atentassem corretamente aos vícios processuais, o processo seria incólume. Se as partes não jogassem "sujo", nada disso aconteceria. Mas são só utopias. E infelizmente, como são só utopias, teremos que conviver com todos estes problemas jurídicos por muitos e muitos anos".

b) Fausto França Júnior em artigo denominado "A coisa julgada inconstitucional e seu controle por meio de ADPF13", ao defender a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental para atacar coisa julgada inconstitucional, firma as conclusões a seguir enumeradas:


Conclusões

"Restaria apenas afastar um argumento que certamente se apresentará contra a tese aqui defendida do cabimento da ADPF como meio de controle de coisa julgada inconstitucional violadora de preceito fundamental, qual seja, o de que tal uso configuraria violação ao princípio da segurança jurídica decorrente da coisa julgada e do papel de pacificação social que a mesma em tese exerce.

Na verdade, a problemática não seria contra a tese do presente trabalho, mas sim contra a própria tese da coisa julgada inconstitucional, porque a alegação pura e simples de segurança jurídica acima de qualquer outro valor acabaria por inviabilizar a tese da invalidade da coisa julgada formada com vício de constitucionalidade.

O fato é que a coisa julgada formada em contrariedade à Carta Política não cumpre sua função. Não gera pacificação social porque a pecha da inconstitucionalidade lhe atinge em ponto fundamental, gerando, muitas vezes sim, revolta e desprestígio ao Poder Judiciário.

Na prática, só tomando com exemplo a Administração Pública, o que se tem visto é que aquele detentor de um título inconstitucional é visto como um privilegiado, como alguém que espertamente conseguiu algo que outros não conseguiram, ou seja, alguém que fez valer a ''lei de Gerson'' e atingiu o seu fim e que fruto ou não da imaginação popular possui ''um padrinho forte'' por trás, como se diz usualmente.

Por vezes, dentro de uma mesma repartição pública, lado a lado executando o mesmo trabalho, têm-se servidores públicos com salários totalmente diferentes, em face de um ter conseguido um benefício por meio de sentença transitada em julgado.

Um exemplo é a questão do ''teto remuneratório'', na qual são incontáveis as injustiças e absurdos causados por sentenças, especialmente aquelas que asseguram ''incorporações'' ou que na prática acabam ocasionam um vedado ''efeito repicão''.

Data venia, o valor segurança jurídica e a conseqüente força de encerrara o litígio, não podem servir de pretexto para eternizarem-se injustiças e ferir-se o princípio da isonomia, entre outros.

Mais uma vez, valemo-nos do magistério dos mestres que primeiro enfrentaram a problemática da coisa julgada inconstitucional e refutaram a invocação da segurança jurídica, entre eles, destacam-se os argumentos de José Augusto Delgado (24), quando leciona que "a injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado, Os valores absolutos da: legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto este é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual."

Calha o registro, todavia, mais uma vez, de que não se quer aqui defender o uso indiscriminado de ADPFs contra sentenças transitadas em julgado, como se fora a argüição uma última tentativa de modificação do acórdão, um recurso a mais. Não.

É preciso ficar claro que a coisa julgada com o vício da inconstitucionalidade não é a regra, muito pelo contrário, são situações pontuais.

Esse caráter extraordinário da desconstituição de coisa julgada marcada pela inconstitucionalidade é citado por doutrinadores como Cândido Rangel Dinamarco (25), com o qual encerramos o nosso trabalho:

Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição — com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a garantia da coisa julgada passasse a operar em casos raros e a sua infringência se tornasse regra geral.

Enfim, a nosso juízo, mostra-se plenamente compatível como objeto e com os fins do §1° do art. 102 da CF a utilização da argüição de preceito fundamental como meio para desconstituição de coisa julgada violadora de preceito fundamental.

c) Na internet, o trabalho está publicado no site <http://www.pge.ac.gov.br/biblioteca/revista/revista3/Coisa%20Julgada.pdf>, sem autor registrado, que apresenta as seguintes conclusões sobre a coisa julgada inconstitucional:

"É imprescindível uma posição da doutrina e, especialmente, da jurisprudência, sobre o instituto da coisa julgada, quando violadora da Constituição, em face da perplexidade que provoca a diversidade de julgados contraditórios, especialmente quando há, entre eles, um que afronta a Constituição.

Da forma como a jurisprudência vem tratando a ação rescisória, tal remédio jurídico não é suficiente para corrigir uma decisão tida como inconstitucional, depois do trânsito em julgado.

O nosso sistema jurídico está embasado em diversos princípios que dão sustentação ao ordenamento, como os da hierarquia das normas, o democrático, os da legalidade, isonomia e separação de Poderes, os quais deverão ser observados pelo julgador ao aplicar a norma.

Destarte, a sentença que afronta um princípio constitucional deve ser tida como inexistente, por sua incoerência com o ordenamento jurídico vigente.

Há de ser entendida como de perplexidade a situação de um jurisdicionado que vai ao Judiciário e se depara com uma decisão contrária a Constituição e não tem como remediar esse erro, o que leva o órgão estatal a sofrer pesadas críticas e ser, logicamente, incompreendido em sua real função. Como forma de se corrigir, o quanto antes, mesmo sem necessidade de reforma da lei ou da Constituição, essa suposta omissão instrumental, seria a jurisprudência aceitar a ação rescisória com fundamento da inconstitucionalidade do julgado e sem prazo de decadência, ou a forma mais prática e eficaz da ação declaratória de inexistência da coisa julgada inconstitucional, e poderia ser proposta em primeiro grau, ressalvando apenas os casos de competência originária dos Tribunais, a qual não encontraria qualquer óbice em nosso ordenamento jurídico. Ao contrário, com o mesmo se compatibiliza e harmoniza.

Essa hipótese levaria a se restringir a discussão ao campo exclusivo de uma razoável interpretação jurisprudencial e não encontraria qualquer óbice no ordenamento jurídico nacional, além de ser prática e eficaz.

Diante do panorama aqui descrito, há necessidade de uma tomada de posição, quer no campo jurisprudencial, quer no campo legal.

A visão que se deve ter da coisa julgada inconstitucional deve ser outra. Jamais se poderá dispensar o mesmo tratamento a um caso julgado que se coaduna com a Constituição, com a outra coisa julgada que afronta a Carta Magna.

Não se pode alegar a inexistência do instrumento no ordenamento jurídico e põe-se fim a qualquer argumento que diga respeito à necessidade da criação de um meio jurídico indispensável ao atendimento da discrepância aqui apontada.

Conclui-se, portanto, que os procedimentos são construídos a partir da combinação das diversas técnicas de cognição e que a coisa julgada material possui, como requisitos fundamentais para a sua ocorrência: natureza jurisdicional do provimento, cognição exauriente, análise de mérito e preclusão máxima (coisa julgada formal).

A coisa julgada comum caracteriza-se pela limitação inter partes de seus efeitos, pela inevitabilidade e por ser pro et contra. As demandas coletivas possuem regime de produção da coisa julgada material próprio, sendo pro et contra, secundum eventum probationis, erga omnes e com possibilidade de extensão, in ulilibus e secundum eventum litis, pela ampliação ope legis do objeto do processo, dos efeitos da decisão, nas demandas coletivas em ações civis públicas, para as causas individuais.

O regime da coisa julgada material nas demandas de paternidade é o comum, a despeito da existência de exame genético de DNA. É possível, entretanto, a rescisão de julgado, em demanda investigatória ou negatória, que se não tenha valido do exame genético pericial, com fundamento em violação a literal disposição de lei, ou por prova falsa. Não é possível a rescisão com base em documento novo.

É indispensável, de lege ferenda, que se imponha às demandas investigatórias o regime da coisa julgada secundum eventum probationis, como homenagem ao princípio da adequação.

O devido processo legal e a sua instrumentalidade não podem ser vistos em si mesmos.

Seria incabível a interpretação do instrumento processual, tão importante na consecução do estado democrático de direito, a fim de aniquilar os anseios por um processo de feição humana, na qual o intérprete, como operador do direito a quem compete uma visão crítica e sistêmica, é constantemente chamado a exercer a sua sensibilidade ao valor do justo, do constitucional e do socialmente legítimo.

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No dizer de Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Nova era do processo civil "Os princípios devem conviver harmoniosamente na ordem constitucional e processual na busca de soluções equilibradas."

d) Mei Lin Lopes Wu Bandeira aborda o tema sob o ângulo da Relativização da coisa julgada pela inconstitucionalidade superveniente, artigo publicado via Internet14. As conclusões apresentadas ditam que:

"Ex post factum, podemos extrair as seguintes idéias básicas a respeito do tema:

1. A coisa julgada é princípio e não regra constitucional;

2. Como princípio, pode ser relativizada quando em confronto com outro princípio constitucionalmente tutelado de maior ou igual valor no caso concreto apresentado;

3. O conceito constante do art. 467 do CPC corresponde ao de coisa julgada formal;

4. O conceito de coisa julgada material é dado pela doutrina;

5. O legislador infraconstitucional não conta com um "cheque em branco" conferido pelo Poder Constituinte no sentido de definir com ampla e irrestrita liberdade o conteúdo da coisa julgada e conseqüentemente, os modos de sua desconstituição sem que seja adequadamente preservado o núcleo constitucional mínimo do instituto;

6. Os relativistas entendem que o valor Justiça deve sempre prevalecer, mesmo em prejuízo do valor segurança;

7. Parte da doutrina reage a referido entendimento ao argumento de que o mesmo não passa de um falso silogismo e que, aquilo que se pretende ser a exceção inevitavelmente se tornará a regra, tornando ainda mais ineficaz a tutela jurisdicional prestada,

8. Não há que se admitir ação rescisória fora do prazo legal de 02 anos, ainda que fundada na inconstitucionalidade superveniente do julgado;

9. A ação rescisória fundada na inconstitucionalidade superveniente do julgado deverá ter como um de seus fundamentos a alegação de inaplicabilidade da Súmula 343 do STF em matéria constitucional;

10. Após o prazo da ação rescisória, serão cabíveis embargos à execução (art. 741, parágrafo único, CPC), bem como ação declaratória de ineficácia (não é invalidade!) do título judicial.

Por derradeiro, é possível concluir ainda que a relativização da coisa julgada evidencia uma tendência irreversível de aproximar o direito processual do direito material, numa visível revisitação dos institutos processuais, movimento integrante das chamadas "ondas renovatórias do direito processual".

De lege ferenda, constata-se que o tema merece ser abordado de forma mais científica, objetiva e explícita no ordenamento, urgindo, ademais, seja repensado o art. 485 do CPC de modo a harmonizá-lo com os novos paradigmas processuais, caracterizados, notadamente, pela economia, celeridade e efetividade da tutela jurídica processual jurisdicional a ser prestada pelo Estado-Juiz".

e) Virgínia Prenholatto Pereira ao escrever sobre "A Flexibilização da Coisa Julgada15" analisa a concepção de Paulo Otero e de Cândido Rangel Dinamarco. Afirma:

A concepção de Paulo Otero

Este autor português, em sua obra Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, faz distinção entre inexistência e inconstitucionalidade das decisões judiciais, centrando no ponto de vista do alargamento do princípio a toda atividade do Poder Público, estabelecendo tipologias dos casos e da espécie, tipificando dentre as situações elencadas as principais modalidades de inconstitucionalidade do caso julgado, dando destaque "a decisão judicial cujo conteúdo viola direta e imediatamente um preceito ou um princípio inconstitucional". Destacando a possibilidade da impugnação do caso julgado, como se vê:

''A idéia da defesa da segurança e certeza da ordem jurídica constitui princípios fundamentadores de uma solução tendente a limitar ou mesmo excluir a relevância da inconstitucionalidade como factor autônomo de destruição do caso julgado. No entanto, se o princípio da constitucionalidade determina a insusceptibilidade de qualquer acto normativo inconstitucional se consolidar na ordem jurídica, tal facto poderá fundamentar a possibilidade, se não mesmo a exigência, de destruição do caso julgado desconforme com a Constituição.''

Mesmo colocando em relevo o princípio da segurança jurídica, sua concepção teórica é no sentido da possibilidade da desconstituição do caso julgado desconforme a Constituição, de sorte a atingir os atos jurisdicionais que "reunam um mínimo de identificabilidade das características de um acto judicial, isto é, que seja praticado por um juiz no exercício de suas funções, obedecendo os requisitos formais e processuais mínimos". A regra é, pois, o caráter relativo da coisa julgada, não se podendo desfigurar a segurança e a certeza de ordem jurídica que encarna, porém permitindo sua destruição em ação autônoma.

A concepção de Cândido Rangel Dinamarco

O ilustre jurista, em seu estudo intitulado "Relativizar a Coisa Julgada Material" desenvolve uma visão sistemática, utilizando-se de critérios objetivos, ao apontar a prevalência de certos valores garantidos constitucionalmente "tanto quanto a coisa julgada, os quais devem prevalecer mesmo com algum prejuízo para a segurança das relações jurídicas". Mencionando no seu estudo a coisa julgada delinqüente, citando Eduardo Couture, que se preocupava com a repercussão da fraude nas situações jurídicas das pessoas, ainda mais quando os resultados da conduta fraudulenta estivessem reforçados pela autoridade da coisa julgada, dizendo "que a consagração da fraude é o desprestígio máximo e a negação do direito, fonte incessante de descontentamento do povo e burla a lei". E ainda, "se fecharmos os caminhos para desconstituição das sentenças passadas em julgado, acabaremos por outorgar uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às formas delituosas do processo".

Traz a luz diversas situações, enfatizando os precedentes jurisprudenciais dos nossos Excelsos Tribunais, ressaltando que se tratavam exclusivamente de casos em que se questionavam indenizacões a serem pagas pelo Estado, "notando-se até uma preocupação unilateral pela integridade dos cofres públicos, mas o tema proposto é muito mais amplo, porque a fragilização da coisa julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressão a valores que não comportam transgressão, é susceptível de ocorrer em qualquer área das relações humanas que são trazidas à apreciação do Poder Judiciário. Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material — porque, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico constitucional".

Finalmente, o referido autor assegura, baseado na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que a ação autônoma por este articulada é a mesma proposta por Piero Calamandrei, que o instrumento "adequado contra sentença nula", aquela que ofende os princípios constitucionais, "(...) será a ação declaratória negativa de certeza, mediante a qual, sem aportar modificação alguma ao mundo jurídico, far-se-á o caráter negativo que o conteúdo da sentença trouxe consigo desde o momento de sua concepção".

A autora citada conclui:

"O princípio da imutabilidade da sentença soberanamente julgada deve ser repensado, sob pena de em nome dele eternizar-se injustiças. O ponto central olvidado por estes doutos juristas é a ofensa à Constituição pelo decisum desconforme às normas e aos princípios expressos na Carta Maior.

A coisa julgada está calcada na segurança, estabilidade e certeza jurídicas, quando existe apenas uma infração à norma infraconstitucional, não se podendo dizer daquela que viola diretamente norma constitucional. Os princípios que fundamentam a coisa julgada não são suficientes para mantê-la com caráter de imutabilidade, pois foi a lei maior que restou violada. Se fosse possível conceber esse anacronismo, comprometer-se-ia todo o sistema jurídico.

A sentença passada em julgado é relevante e deve ser prestigiada, porém é vulnerável à própria atividade do Poder Judiciário e não guarda, por conseguinte, o caráter de intangibilidade que se lhe quer emprestar. Assim, para que se fale na tutela da intangibilidade da coisa julgada e, por conseguinte, na sua sujeição a um regime excepcional de impugnação, é necessário que se investigue sua adequação à Constituição.

Na lição de Paulo Otero, ''o princípio da imodificabilidade. do caso julgado foi pensado para decisões judiciais conformes com o Direito ou, quando muito, decisões meramente injustas ou ilegais em relação à legalidade ordinária. A imodificabilidade do caso julgado apenas pode concorrer em pé de igualdade com o princípio da constitucionalidade dos actos jurídico-públicos quando essa imodificabilidade ou insindicabilidade seja consagrada constitucionalmente (...)''.

''Em todas as restantes situações, o princípio da imodificabilidade do caso julgado não tem força suficiente para limitar ou condicionar o princípio da constitucionalidade das decisões judiciais''.

Há, no campo doutrinário, muitos outros autores estudando as novas configurações jurídicas da coisa julgada inconstitucional ou quando proveniente de sentenças arbitrárias, nulas ou inexistentes. Não obstante o crescimento dessa corrente, há de ser examinado o posicionamento daqueles que insistem em, por aplicação do princípio da segurança jurídica, defender a imutabilidade, em qualquer situação, da coisa julgada absoluta, isto é, a que não mais pode ser atacada pela via da ação rescisória.

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Sobre o autor
José Augusto Delgado

Advogado. Parecerista. Professor. Consultor Jurídico. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, após ter exercido a magistratura por mais de 43 anos. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Ex-Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral. Ex-Presidente da Escola da Magistratura Nacional Eleitoral. Ex-Desembargador Federal no TRF da 5ª Região, de 30 de março de 1989 a 13 de dezembro de 1995, onde foi Presidente, Vice-Presidente e Corregedor Regional. Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (RJ). Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Direito Tributário (SP). Membro titular, como acadêmico, da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Membro titular, como Conselheiro Honorífico Titular, da Academia de Direito Tributário das Américas. Membro Acadêmico da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte; Doutor Honoris Causa pela Universidade Potiguar do Rio Grande do Norte. Professor de Direito Tributário, Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Civil. Ex-Juiz Federal. Ex-Juiz Estadual. Ex-Corregedor Regional da Justiça Eleitoral – RN. Integrante do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Autor de 4 livros. Co-autor em obras coletivas em mais de 25 publicações. Autor de mais de 300 artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, José Augusto. Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.: Manifestações doutrinárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1524, 3 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10349. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

<b>Texto originalmente publicado na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) do Superior Tribunal de Justiça (<a href="http://bdjur.stj.gov.br">http://bdjur.stj.gov.br</a>).</b><br>Distribuído sob <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/deed.pt">Licença 2.5 Brasil Creative Commons</a>. Reproduzido mediante permissão.<br> Publicado também na coletânea “Coisa julgada inconstitucional”. Org. Carlos Valder do Nascimento e José Augusto Delgado. Belo Horizonte: Fórum, 2006. pp. 105-159.

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