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Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.

Manifestações doutrinárias

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03/09/2007 às 00:00
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4. Enunciados sobre a coisa julgada inconstitucional, arbitrária, decorrente de sentença nula e inexistente

Concluímos este trabalho que tem como objetivo único de demonstrar a intensidade com que a doutrina tem focado, na época contemporânea, a coisa, apresentando alguns enunciados (síntese de pensamentos doutrinários, influência do pensamento de Ovídio Baptista e outros) sobre o assunto.

Ei-los:

a) O momento em que vivemos caracteriza-se pela incerteza. O princípio da segurança jurídica há de afastar a incerteza, porém, de acordo com os postulados, princípios e regras postos na Constituição Federal.

b) Nossa era notabiliza-se por uma ampla e compulsiva revisão, em razão de nova configuração das relações jurídicas, do que fora, no passado, acolhido com entusiasmo.

c) É célebre a frase de Karl Marx: "a modernidade faz com que tudo o que seja sólido desmanche no ar".

d) No quadro cultural de mudanças da época contemporânea, não há surpresa de se verificar que a instituição da coisa julgada, tida como sagrada na primeira modernidade, entre em declínio — é fenômeno que preside o mundo moderno — para se adequar aos propósitos da constitucionalidade, da moralidade, da justiça, da dignidade da pessoa humana e da valorização da cidadania.

e) O dogma da coisa julgada substancial foi exigência primordial para impor segurança jurídica e âncora que possibilitou a construção do mundo industrial.

f) O mundo moderno, contudo, constitui-se a partir da crença na eterna mudança (Immanuel Allerstein, in The end of woords as we know it), praticada sob o império do racionalismo.

g) Deve se insistir na busca de explicação para a contradição entre a exigência de segurança jurídica e sua respectiva eliminação pela redução do alcance da coisa julgada.

h) É perigoso, na tentativa de relativiza!" a coisa julgada, a perigosa indeterminação do pressuposto de ter a sentença cometido grave injustiça ou séria injustiça. Esse posicionamento acabaria com a res judicata.

i) Pretender que a coisa julgada seja desconsiderada quando a sentença seja injusta não é, seguramente, um ideal de modernidade.

j) A injustiça da sentença nunca foi e, a meu ver, jamais poderá ser fundamento para afastar o império da coisa julgada.

k) Exigir que a coisa julgada seja eficaz somente quando não se confrontar com algum princípio constitucional ou com princípios normativos de grau inferior é submetê-la a uma premissa impossível de ser observada.

l) O pensamento dominante na doutrina européia considera que a coisa julgada é o efeito — ou, como quer Liebman, a qualidade — que se agrega à declaração contida na sentença, libertando os demais efeitos da imutabilidade que ele pretendera atribuir-lhes, o que permite, por exemplo, se aceitar a modificação da decisão que homologue a atualização do cálculo, na fase de execução da sentença, por não se ter ofensa a coisa julgada — não ofenderá a coisa julgada.

m) há necessidade, portanto, de ser ampliado o debate para revisar o sistema de proteção à estabilidade dos julgados, como uma contingência determinada pela crise paradigmática.

n) extratos de pensamento de Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria:

n.1) "Em regra, as nulidades dos atos processuais, como bem observa Liebman ''podem suprir-se ou sanar-se no decorrer do processo (...) ainda que não supridas ou sanadas, normalmente não podem mais ser argüidas depois que a sentença passou em julgado. A coisa julgada funciona como sanatória geral dos vícios do processo''".

n.2) Adverte, outrossim, o notável processualista que "há, contudo, vícios maiores, vícios essenciais que sobrevivem à coisa julgada", afetando a eficácia de seus efeitos. Assim, contemplando vício grave — como verdadeiramente o é a inconstitucionalidade —, a res iudícata é. ''coisa vã, mera aparência e carece de efeitos no mundo jurídico''. Nestas hipóteses, dá-se o que a doutrina denomina nulidade ipso iure, "tal que impede à sentença passar em julgado". E por isso que "em todo tempo se pode opor contra ela".

n.3) Qualquer que seja o sistema processual contemporâneo e por maior que seja o prestígio que se pretende conferir à coisa julgada, impossível será recusar a possibilidade de superveniência de sentenças substancialmente nulas, mesmo depois de esgotada a viabilidade recursal ordinária e extraordinária. A parte prejudicada pela nulidade absoluta, ipso iure, não poderá a Justiça negar o acesso à respectiva declaração de invalidade do julgado. Destaca, a propósito, Calamandrei: "La verdad es que ninguna legislación, ni siquiera las dominadas por el principio germánico de la validez formal de la sentencia, ni tampoco las modernamente inspiradas en la aceleración del término de las litis y en al alacanzar con mayor rapidez la certeza sobre el fallo, pueden sustraerse a las leves de la razón y de a lógica; y en obediencia a êstas, debe la ciencia admitir, aunque se en la medida más restringida, que aun después de la preclusión de los medios de impugnación, subsistan sentencias afectadas por la nulidad insanable."

n.4) "É diante dessa inevitável realidade da nulidade ipso iure, que às vezes atinge o ato judicial revestido da autoridade da res iudicata, que não se pode. em tempo algum, deixar de reconhecer a sobrevivência, no direito processual moderno, da antiga querela nullitatis, fora e além das hipóteses de rescisão expressamente contemplados peio Código de Processo Civil. Para Calamandrei, há sem dúvida uma série de casos que a lei não menciona e que nem mesmo é possível prefixá los todos num elenco fechado e restrito, nos quais, em verdade, "la sentenza é inidonea materialmente, si direbbe quasi fisicamente, a passare in giudicato". Diante desse tipo de julgado visceralmente nulo — para Calamandrei — "il decorso del termine per esperimentare i mezzi di impugnazione non puó avere l''effetto di sanare la nullità e di precludere l''esercizio delia ordinaria azione dichiarativa delia nullità insanabile".

n.5) Por força de igual raciocínio, Ovídio A. Baptista da Silva é levado a concluir que a virtude sanatória dos recursos e da coisa julgada "não poderia, por exemplo, tornar uma sentença contendo dispositivo impossível ou incerto, isenta de uma tal mulidade", de tal modo a tomar-se indispensável o cabimento de uma ulterior ação ordinária de natureza declaratória. E essa nova ação, como é lógico, "não estará sujeita a nenhum prazo preclusivo", e, mesmo que a parte não tenha ventilado o tema no recurso, a omissão não impedirá o exercício da ação de nulidade, em qualquer tempo. Pouco importa, portanto, que o prazo de aforamento da ação rescisória (CPC, art. 495) tenha se exaurido antes de o interessado resolver ingressar em juízo com a argüição de nulidade ipso iure da sentença que, como no caso sub examine, esteja contaminada de insuperável inconstitucionalidade.

n.6) Com efeito, segundo pacífica orientação em sede doutrinária, "a parte prejudicada pela sentença nula ipso iure ou inexistente, para se furtar aos seus devidos efeitos, não precisa usar a via especial da ação rescisória". 86 Para tanto, poderá:

- opor embargos quando a parte vencedora intentar execução da sentença; ou

- propor qualquer ação comum tendente a reexaminar a mesma relação jurídica litigiosa, inclusive uma ação declaratória ordinária, como sobrevivência da antiga querella nullitalis.

n.7) Muito embora não haja necessidade de se valer da ação rescisória para obter o reconhecimento do vício sério (nulidade) que contamina a decisão judicial, força é lembrar que "não será corre to omitir-se o tribunal de apreciar a questão, se a parte lançar mão da ação do art. 485 do Código de Processo Civil". É que as nulidades ipso iure devem ser conhecidas e declaradas independentemente de procedimento especial para esse fim, e podem sê-lo até mesmo incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, até mesmo de oficio segundo o princípio contido no art. 146 e seu parágrafo único do Código Civil.

n.8) Em semelhante conjuntura, a ação rescisória deverá ser conhecida para declarar-lhe a nulidade absoluta e insanável, eis que, na lição de Pontes de Miranda ''''é o ensejo que se lhe oferece, segundo os princípios". 89, 1

n.9) Em suma, a respeito da coisa julgada inconstitucional podem ser extraídas as seguintes conclusões:

1. O vício da inconstitucionalidade gera a invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário.

2. A coisa julgada não pode servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença proferida em contrariedade à Constituição Federal.

3. Em se tratando de sentença nula de pleno direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável. O vício toma, assim, o título inexigível, nos exatos termos do parágrafo único do art. 741 do CPC. introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001.

4. Não se há de objetar que a dispensa dos prazos decadenciais e prescricionais na espécie poderia comprometer o princípio da segurança das relações jurídicas. Para contornar o inconveniente em questão, nos casos em que se manifeste relevante interesse na preservação da segurança, bastará recorrer-se ao salutar princípio constitucional da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade do ato judicial, poderá fazê-lo com eficácia ex nunc, preservando os efeitos já produzidos como, aliás, é comum no direito europeu em relação às declarações de inconstitucionalidade. É o que se acha anualmente previsto, também no direito brasileiro, para a declaração de inconstitucionalidade, seja no processo de "argüição de descumprimento de preceito fundamental" (Lei nº 9.882/99, art. 11), seja na ação direta de inconstitucionalidade (Lei nº 9.868/99, art. 27).

Obs. Muitas frases foram copiadas, integralmente, do pensamento dos autores acima referidos. Outras contêm pequenas alterações. Representa, contudo, o que os autores escreveram.

o) O tema "coisa julgada" tem motivado profundas reflexões na época contemporânea vivenciada pelo Direito, em face da necessidade de se buscar um sentimento de equilíbrio entre os princípios postos nas Constituições e nas legislações infraconstitucionais e os limites conceituais de Justiça, em face de fenômenos da realidade imposta pela natureza das coisas e pelos valores de moralidade, legalidade e verdade cultivados pela sociedade.

p) A "coisa julgada" tem sido analisada pela doutrina dentro de padrões que se inclinam por tê-la como inspiradora de segurança jurídica e de ser forma de estabelecimento de paz entre cidadãos em conflitos com seus semelhantes ou contra o Estado quer envolvendo órgãos da administração direta, quer da administração indireta.

q) Uma análise das concepções doutrinárias sobre coisa julgada nos mostra os seguintes posicionamentos:

- A coisa julgada tem por efeito principal "esgotar o ofício do juiz, é acabar a função jurisdicional", afirma Ada Pellegrini (Direito processual civil, ed. 1974, p. 81).

- "Apresenta-se a res iudicata, assim, como urna qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela ''imutabilidade'' do julgado e de seus efeitos", registrou Humberto Theodoro Júnior (Coisa julgada, verbete no Digesto do Processo, Forense, v. 2, p. 111).

- "Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário" (Art. 467 do Código de Processo Civil).

- "A coisa julgada é qualidade dos efeitos da prestação jurisdicional entregue com o julgamento da res in judiciam deducta, em virtude da qual esses efeitos se tornam imutáveis" (José Frederico Marques, Elementos de direito processual penal, III/78).

- "A sentença final de mérito, tornada inatacável pela coisa julgada, exaure a obrigação jurisdicional e, concomitantemente, o direito de exigirem as partes novo julgamento sobre o mesmo objeto" (Hugo Rocco, Trattado di diritto processualle civile, II/307).

- "Debe existir un momento en que se considere la decisión de un litigio como verdadera" (Belling, citado por Tourinho Filho, Proceso Penal, 4/250, 5. ed.).

- "A autoridade da coisa julgada, é um elemento indispensável de ordem pública e tem o mesmo fundamento que a autoridade das leis" (Paula Batista. Teoria e prática do processo. §121, nota 2).

- "Considerando o exame anteriormente feito, a respeito da função da verdade no processo, e partindo-se das premissas já lançadas, tem-se como razoável considerar que o instituto da coisa julgada representa critério de justiça para o processo civil. Eternizar-se a solução do conflito, na busca de uma verdade que, em sua essência jamais será possível dizer estar atingida, constitui certamente algo inaceitável, mormente em se considerando o perfil das relações sociais e econômicas da sociedade moderna. E, por isso, realmente indispensável colocar, em determinado momento, um fim ao litígio submetido à apreciação jurisdicional, recrudescendo a decisão judicial adotada. A este momento corresponde a coisa julgada" (MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. RT, São Paulo, p. 612-613).

- "A coisa julgada tem força de lei. Nesse sentido o art. 468: A sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas''. Por ter força de lei, a coisa julgada material tem força obrigatória, não só entre as partes como também em relação a todos os juizes, que deverão respeitá-la. Preciso, parece-nos, assim, o conceito de coisa julgada material formulado por Betti: ''força obrigatória e vinculante do acertamento de urna relação jurídica''." (SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, Forense, v. 4, p. 460-461).

- "As palavras coisa julgada indicam uma decisão que não pende mais cios recursos ordinários, ou porque a lei não os concede (segundo lei das alçadas), ou porque a parte não usou deles nos termos fatais e peremptórios, ou porque já foram esgotados. O eleito de urna tal decisão é ser tida por verdade; assim, todas as nulidades e injustiças relativas, que porventura se cometessem contra o direito das partes, já não são susceptíveis de revogação". (MIRANDA. Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense. t. 5. p. 172)16

- "Coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito. Que se trate de sentença meramente declaratória, constitutiva ou condenatória, ou mesmo quando a demanda é julgada improcedente, no momento em que já não cabe recurso algum institui-se entre as partes e em relação ao litígio que foi julgado, uma situação de absoluta firmeza quanto aos direitos e obrigações que os envolvem, ou que não os envolvem. Esse status, que transcende a vida do processo e atinge a das pessoas, consiste na rigorosa intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que foi decidido (Liebman): a garantia constitucional da coisa julgada consiste na imunização geral dos efeitos da sentença. A Constituição Federal estabelece que a lei não prejudicará a coisa julgada (art. 5°, inc. XXXVI) e o Código de Processo Civil manda que o juiz se abstenha de decidir a mesma causa, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, quando existir a coisa julgada material (art. 267, inc. Vê §3°).

Com essa função e esse efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional17."

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r) A ciência do direito é formada por proposições verdadeiras oriundas de investigações desenvolvidas pela via de um sistema lógico. Ela é a soma de conhecimentos práticos e humanos considerados de forma conjuntural e que visam regular as relações do homem com o seu semelhante e com entidades grupais estatais ou não.

s) A sua função é a de estudar normas jurídicas elaboradas ou a serem lançadas no ordenamento legal em uma determinada época ou lugar.

t) O êxito da aplicação dos seus princípios e regras depende da interpretação que a eles forem dadas pelos homens que irão aplicá-los e que o fazem, de modo filtrado, porém, subordinados à sua consciência e aos seus conhecimentos.

u) A ciência jurídica enfrenta, muitas vezes, o perigo de ser adotada, na conduta hermenêutica seguida para as suas normas por determinada maioria, ou por unanimidade de intérpretes, uma postura com condicionamentos não verdadeiros, o que cria uma falsa aparência de sua efetividade. Esse panorama, contudo, quando examinado em face de determinadas situações concretas, revela-se instável e passa a exigir novas reflexões e, conseqüentemente, aperfeiçoamento para o funcionamento das entidades jurídicas.

v) A ciência do direito é essencialmente normativa. Há, portanto, de ser vinculada à realidade do mundo que recebe a sua aplicação e ao estado das coisas.

x) A sua concretização não pode ser feita de modo que sejam transformados fatos não verdadeiros em reais, provocando, assim, choque com o racional e com a organização natural e material dos casos vivenciados pelo ser humano e pela sociedade.

z) Na época contemporânea não há lugar para imposição de idéias como as pregadas por Ernest Roguin, em 1923, em sua obra intitulada Ciência jurídica pura (Lausanne: F. Rouge, 3 v.), de que o estudo das relações jurídicas deve ser feito com isenção total de qualquer consideração do justo ou do injusto, sem se considerar os aspectos objetivos e subjetivos dos fatos e das verdades que se vinculam ao âmbito desses fenômenos.

aa) Na atualidade, a função da ciência jurídica é, além de impor regras ao comportamento individual e social do homem e do Estado, de garantir o fortalecimento das instituições responsáveis pelo desenvolvimento da pessoa humana e zelar pela valorização de entidades guardiãs de valores específicos, como são os que defendem a obediência rigorosa aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficácia, da publicidade, da impessoalidade e da justiça.

bb) Se outro rumo for dado à ciência jurídica, que não o de buscai'' o justo, ela assumirá características de uma ciência triste, igualando-se ao que Carlyle, historiador inglês do século passado, considerou com referência à economia pública, por colocar o cientista diante de insolúveis e graves problemas sociais.

cc) A ciência jurídica há de evidenciar, ao regular situações concretas existentes no mundo onde ela atua, a ocorrência de decisões justas e legais, revelando a expressão total do direito que ela encerra.

dd) Um dos patamares a ser explorado, a fim de que essa situação apresente-se consolidada, é a vinculação absoluta que deve ter aos princípios da legalidade e da moralidade. Ambos com destinações diversas, porém, interligados de modo absoluto.

ee) Concebe-se a obediência ao princípio da moralidade na aplicação e interpretação do direito como sendo a mais relevante ação para determinar a estabilização das relações jurídicas.

ff) A ele (princípio da moralidade) subordina-se qualquer conduta estatal ou privada. A ele submete-se a própria supremacia da lei. Esta, como pregou Montesquieu e os autores da Revolução Francesa, "é o primado da razão, conseqüentemente da justiça. O direito, para eles, não é criação arbitrária, fruto de qualquer volanté monentanée et capricieuse18. E a descoberta do justo pela razão dos representantes, pelo que, conseqüentemente, "a lei não tem o direito de vedar senão as ações prejudiciais à sociedade" (Declaração de 1789, art. 5o, primeira parte (cf. nosso ''Do processo legislativo''. nº 32)19.

gg) Surge, em razão do acima afirmado, a concepção de que as leis, ao serem aplicadas pelo Poder judiciário, estão diretamente vinculadas aos princípios da moralidade e da legalidade. O aluar desse Poder só desenvolver-se-á validamente, isso é, existindo com validade, eficácia e efetividade, quando não expressarem abusos e não ultrapassarem os limites por eles impostos.

hh) Exige-se, assim, que o Poder judiciário, instituição responsável pela aplicação coercitiva do direito, esteja mais assujeitado ao cumprimento da moralidade do que o Executivo e o Legislativo, por lhe caber defender, como Poder Estatal, o rigorismo ético nos padrões de sua própria conduta e dos seus jurisdicionados.

ii) O decisum emitido pelo Poder judiciário eleve exprimir confiança, prática da lealdade, da boa-fé e, especialmente, configuração de moralidade.

jj) Essa expressão de moralidade é reflexo dos sonhos democráticos que o povo deposita no exercício do poder e na legitimidade da atividade jurisdicional

jj. 1) Esse último pensamento foi inspirado na lição de Diva Malerbi20. Esta acrescenta, no que estou de pleno acordo, que "Em conseqüência, a moralidade no contexto dos princípios erigidos à administração pública, guarda primazia, pois toda atuação estatal deve partir e buscar a dimensão ética. No Estado Democrático de Direito, a legalidade legítima da conduta administrativa é, simplesmente, legalidade moral. A moralidade do direito é, assim, o aperfeiçoamento das atividades da administração pública.''''

kk) Essas idéias são aplicáveis, de modo direto, á atuação do Poder judiciário na função de dizer o direito em caso concreto e com reflexos nos fenômenos gerados peia coisa julgada.

ll) A supremacia do princípio da moralidade exige que o Estado, por qualquer um dos seus três poderes, atue de modo subordinado às suas regras e seja condutor dos valores a serem cumpridos pela organização social.

mm) No particular, a decisão judicial, expressão maior de atuação do Poder Judiciário, deve expressar compatibilidade com a realidade das coisas e dos fatos naturais, harmonizando-se com os ditames constitucionais e ser escrava obediente da moralidade e da legalidade.

nn) Nenhuma prerrogativa excepcional pode ser outorgada à sentença judicial que provoque choque com o sistema constitucional adotado pela Nação e que vá além dos comandos emitidos pelos princípios acima mencionados.

oo) O decisum judiciai não pode ter carga de vontade da pessoa que o emitiu. Ele deve representar a finalidade determinada pela lei. por ser essa configuração uma exigência da opção pelo redime democrático que tez a Nação.

pp) O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que bata de encontro à realidade dos fatos.

qq) A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com torça maior e de cunho imperativo, reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade e da essência do direito. A sua violação, quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de modo contrário à moralidade.

rr) Faço coro ao dizer de Carmem Lúcia Antunes Rocha que "a exigência da moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado", sendo "não apenas Direito mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto21".

ss) Interpreto a lição de Carmem Lúcia como adequada e aplicada ao fenômeno sentenciai e da coisa julgada. Estas entidades processuais só se afirmam como verdadeiras e os seus atos só têm capacidade de produção de efeitos, quando suas posturas são desenvolvidas dentro do círculo da legalidade e da moralidade. Além desses limites, elas inexistem porque recebem configurações que ultrapassam as perspectivas democráticas perseguidas pela Constituição Federal.

tt) O Poder judiciário, ao entregar a sentença ao mundo jurídico e ao reconhecer, por decurso de tempo, a sua força de coisa julgada, está atuando como Estado. Este "não é fonte de uma moral segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio.

O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer Moral prevalecendo, pois o que em seu nome se pratica não pode ser assim considerado pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do Poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade22".

uu) No âmbito dos pensamentos expostos e defendidos, ganha relevo a compreensão de que "o princípio da moralidade anteceda a todos os outros, já que, além de uma função sistêmica em nítida relação com uma função inibidora, tem uma função desconstitutiva que sustenta o fundamento mesmo do ordenamento jurídico brasileiro, como plasmado na Carta Constitucional de 1988. Daqui decorre que a participação jurisprudencial na manutenção do Estado de Justiça tem de ser particularmente ativa, no exato equacionamento na ordem jurídica integrada, sob a ótica da ordem jurídica positiva aferida em função da legalidade e da ordem jurídica moral, aferida em função da licitude, já que a sanção à imoralidade é a nulidade do ato do Poder Público23".

vv) Incorporo a tudo quanto foi exposto, a expressiva mensagem de Jacy de Souza Mendonça, no sentido de que ''''uma das características da nossa época é a preocupação com a correção do comportamento humano. Ela começou com uma tomada de consciência da extensão e gravidade de corrupção, na área política, nos meios policiais, no mundo dos negócios, nas atividades escusas como jogo, drogas e prostituição. Esse fenômeno faz renascer o interesse pelas regras morais de conduta, a ponto de elas serem colocadas acima das regras jurídicas. Tudo leva a crer que a ética será a disciplina estudada de nossa época24".

xx) Complemento as afirmações alinhadas com o registro do posicionamento de Celso Bastos no sentido de que "não mais se admite reduzir moral jurídica a uma questão de legalidade (Doutrina do Desvio de Finalidade)", pois "o princípio insculpido na atual Carta Magna, em seu art. 37, não deixa dúvidas quanto à autonomia da moralidade enquanto realidade jurídica", conforme consta em artigo de sua autoria e que está no livro O princípio da moralidade no Direito Tributário, obra coletiva já referida.

yy) A seguir, adverte Celso Bastos "Mas outras considerações devem ser feitas (...) Primeiramente, observe-se que o direito abarca regras que são indiferentes à moral. É o caso, bem elucidativo, de regras processuais temporais. E a parcela do direito indiferente à moral25."

zz) Esclarece Celso Bastos que "o exemplo dessa norma, que não tem qualquer fundamento na moral, é de Miguel Reale apud Maria Sylvia Zanella di Prieto26. -"Há portanto, com a influência dessas novas idéias, que se meditar sobre o alcance da coisa julgada quando atua em atrito com os princípios da moralidade, da legalidade e da realidade impostas pela natureza das coisas e das relações humanas e com outros princípios postos na Constituição Federal".

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Sobre o autor
José Augusto Delgado

Advogado. Parecerista. Professor. Consultor Jurídico. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, após ter exercido a magistratura por mais de 43 anos. Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Ex-Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral. Ex-Presidente da Escola da Magistratura Nacional Eleitoral. Ex-Desembargador Federal no TRF da 5ª Região, de 30 de março de 1989 a 13 de dezembro de 1995, onde foi Presidente, Vice-Presidente e Corregedor Regional. Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (RJ). Membro titular, como acadêmico, da Academia Brasileira de Direito Tributário (SP). Membro titular, como acadêmico, da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Membro titular, como Conselheiro Honorífico Titular, da Academia de Direito Tributário das Américas. Membro Acadêmico da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte; Doutor Honoris Causa pela Universidade Potiguar do Rio Grande do Norte. Professor de Direito Tributário, Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Civil. Ex-Juiz Federal. Ex-Juiz Estadual. Ex-Corregedor Regional da Justiça Eleitoral – RN. Integrante do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Autor de 4 livros. Co-autor em obras coletivas em mais de 25 publicações. Autor de mais de 300 artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, José Augusto. Reflexões contemporâneas sobre a flexibilização, revisão e relativização da coisa julgada quando a sentença fere postulados e princípios da CF.: Manifestações doutrinárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1524, 3 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10349. Acesso em: 15 nov. 2024.

Mais informações

<b>Texto originalmente publicado na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) do Superior Tribunal de Justiça (<a href="http://bdjur.stj.gov.br">http://bdjur.stj.gov.br</a>).</b><br>Distribuído sob <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/deed.pt">Licença 2.5 Brasil Creative Commons</a>. Reproduzido mediante permissão.<br> Publicado também na coletânea “Coisa julgada inconstitucional”. Org. Carlos Valder do Nascimento e José Augusto Delgado. Belo Horizonte: Fórum, 2006. pp. 105-159.

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