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Porte de arma de fogo: seu controle pelas Nações Unidas e Brasil

23/12/1998 às 00:00
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As Nações Unidas têm se preocupado com o problema do controle de armas de fogo. O assunto foi amplamente debatido no 9º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo, Egito, no período de 29 de abril a 8 de maio de 1995, tendo a Comissão de Prevenção do Crime se manifestado nos parágrafos 7 a 10 da Resolução n. 9, com o título "Controle das armas de fogo para fins de prevenir a delinqüência e garantir a segurança pública" (Nações Unidas, doc. E/CN.15/1996/1, de 4 de março de 1996; doc. n. E/CN.15/1996/14, de 16 de abril de 1996; DAMÁSIO E. DE JESUS, Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, São Paulo, Editora Saraiva, 4a. ed., 1997, ps. 17 e ss.).

No doc. EC.15/1996/14, de 16 de abril de 1996, o Conselho Econômico e Social, pela Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, agendando os assuntos do Quinto Período de Sessões, já dava mostras de seu interesse de que o tema fosse amplamente debatido (Measures to Regulate Firearms, Viena, Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, 16 de abril de 1996). E no referido Quinto Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal, realizado em Viena (maio de 1996), ficou consignada a recomendação de que os Estados-membros deveriam fortalecer as suas legislações internas, tornando rígido o controle da aquisição, posse e porte de armas de fogo (Nações Unidas, Conselho Econômico e Social, E/CN 15/1996/L.1/Add. 5, Viena, 30 de maio de 1996, p. 2, ns. III.8, III.9 e III.10).

De lembrar-se o Convênio Europeu sobre o Controle da Aquisição e Posse de Armas de Fogo por Particulares ("European Convention on the Control of the Acquisition and Possession of Firearms by Individuals", European Treaty Series, n. 101, Estrasburgo, Conselho da Europa, 1978). E o Conselho das Comunidades Européias, por intermédio da Orientação 91/477EEC, de 18 de junho de 1991, também regulamentou a matéria (Official Journal of the European Communities, n. L 256/51, de 13 de setembro de 1991). Não se olvidando da Reunião do Grupo de Peritos sobre o controle de armas e explosivos convocada pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Organização dos Estados Americanos (Caracas, maio de 1996).

No Quinto Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas, de que participamos como representante do Brasil, cerca de 160 representantes dos Estados-membros, em depoimentos e relatórios, demonstraram que uma cifra relevante da criminalidade tem origem na falta de regulamentação e controle do porte de armas de fogo (Measures cit.).

No Brasil, segundo a OEA, o aumento da criminalidade se deve, em parte, à tolerância do porte de arma ("OEA diz que a violência está fora de controle na AL", Folha de São Paulo, 3 de março de 1997).

Oportunamente, o Presidente da República e o Ministro da Justiça iniciaram movimento no sentido de sensibilizar o Congresso Nacional a modernizar a legislação criminal, atendendo a recomendações das Nações Unidas. Em 1995, o Brasil compareceu ao IX Congresso da ONU sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo. Estivemos na 4a. Sessão da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal, em Viena, em maio-junho de 1995. A delegação brasileira compareceu ao 5º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas, em Viena, em maio-junho de 1996. Desses encontros, trouxemos princípios que, bem aplicados, estão revolucionando o sistema criminal do mundo inteiro e começando a dar bons resultados.

Verifica-se, pois, a grande preocupação do Governo brasileiro no sentido de atualizar e modernizar a nossa legislação penal, adequando-a às aspirações de segurança pública e humanização do sistema criminal. Realmente, o Ministério da Justiça, noticiando a reforma "pontual" da legislação criminal brasileira, na Mensagem n. 785, de 19 de julho de 1995, encaminhando Projeto de Lei ao Congresso Nacional, revelava seu interesse "na punição de fatos que comprometem bens e valores individuais e sociais, sem prejuízo da garantia constitucional de todos os recursos essenciais à plenitude da defesa".

Nesse campo, no sentido de reduzir a delinqüência urbana, a chamada "criminalidade de massa", o Governo Federal merece aplausos pela entrada em vigor, no terreno da incriminação, da Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro 1997, criando o Sistema Nacional de Armas de Fogo, transformando a contravenção de porte ilegal de arma de fogo em crime, regulando sua aquisição e posse e dando outras providências, medida que reclamávamos em 1995 (Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, São Paulo, Editora Saraiva, 3a. ed., 1996, p. 11, n. 7). Eis o texto do art. 10 da nova lei incriminadora:

"Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção de um a dois anos e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito anos ou deficiente mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade, exceto para a prática do desporto quando o menor estiver acompanhado do responsável ou instrutor;

II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes;

III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave.

§ 2º A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito.

§ 3º Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem:

I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II - modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito;

III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou incendiário sem autorização;

IV - possui condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público".

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A nova lei, entretanto, precisa de auxílio. Não se deve iludir com o milagre da lei solitária. Ela é o instrumento de que se vale o Estado para impor as suas determinações. Isolada, porém, não produz a eficácia desejada. Nesse campo, não adianta ter boas idéias. Nem boas leis. É preciso concretizá-las com o auxílio de outros fatores. Como diz OSCAR VILHENA VIEIRA, "o controle da criminalidade exige que se invista em educação" e "trabalho" (Domesticando dragões, O Estado de S. Paulo, 28.2.97). No trabalho, incluem-se campanhas no sentido do desarmamento moral e bélico que vêm ocorrendo no Brasil.

Realmente, as Nações Unidas têm insistido nas "campanhas de sensibilização pública sobre o controle de armas de fogo" ("Public awareness campaigns on firearms regulations"), conforme se verificou no Quinto Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, realizado em Viena, em maio de 1996 (Nações Unidas, doc. E/CN.15/1996/14, 16 de abril de 1996; Report on the Fifth Session, United Nations, Comission on Crime Prevention and Criminal Justice, Nova York, 1996, Suplemento n. 10, ps. 26 e 58). E no Sexto Período de Sessões, realizado em Viena, em abril-maio de 1997, a ONU voltou a insistir no valor das campanhas de desarmamento e controle do uso de armas de fogo.

Daí a conveniência das campanhas que vêm promovendo o Poder Público e a comunidade brasileira no sentido do esclarecimento e sensibilização pública. Dando suporte à Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, as campanhas visam ao desarmamento popular, sob os aspectos moral e bélico. Essa atuação do Poder Público vem sendo preconizada pela ONU. No 9º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo, em 1995, recomendou-se que o Poder Público, por intermédio do Ministério da Justiça e da Presidência da República, como vem acontecendo no Japão, informe a população a respeito dos "métodos de prevenção da criminalidade" (DAMÁSIO E. DE JESUS, Diagnóstico da legislação criminal brasileira: crítica e sugestões, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1995, n. 12, p. 114, n. 9). A mídia não pode ser esquecida, observando-se que vem aplaudindo as medidas de prevenção da criminalidade ("SP pode usar método de NY contra o crime", Folha de São Paulo, ed. de 2 de março de 1997). A atuação dos órgãos de comunicação social é imprescindível, conforme vem entendendo a ONU (Princípios Orientadores Relativos à Prevenção do Crime no Contexto do Desenvolvimento, Compilação das Normas e Princípios das Nações Unidas em Matéria de Prevenção do Crime e da Justiça Penal, Procuradoria-Geral da República, Lisboa, 1995, p. 41, n. 29).

O Governo brasileiro merece, pois, aplausos, não só sob o aspecto legislativo, com o advento da Lei n. 9.437/97, como também no terreno prático, onde as campanhas de desarmamento bélico vêm alcançando grande sucesso.

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Sobre o autor
Damásio E. de Jesus

advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio .. Porte de arma de fogo: seu controle pelas Nações Unidas e Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1035. Acesso em: 19 mar. 2024.

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