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Repercussões do estatuto das microempresas e das empresas de pequeno porte em licitação pública

08/09/2007 às 00:00
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Sob a escusa de favorecer as microempresas e as empresas de pequeno porte, subverteram-se valores fundamentais do capitalismo moderno, instaurando quase uma reserva de mercado nas licitações públicas e nos contratos administrativos.

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Lei Complementar nº 123/06 versa sobre o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Como se depreende do seu art. 1º, ela estabelece normas gerais que instauram tratamento privilegiado às microempresas e às empresas de pequeno porte no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, sobretudo de ordem fiscal. Sem embargo, afora a questão tributária, o legislador resolveu imiscuir-se na seara da licitação pública, prescrevendo normas abertamente estranhas ao regime jurídico que lhes é próprio, já bastante complicado, diga-se de passagem, o que causa espécie e dificuldades de toda a sorte.

A Lei Complementar prescreve normas que afetam as licitações públicas nos seus arts. 42 a 49. Os arts. 42 e 43 enunciam normas sobre a comprovação da regularidade fiscal por parte das microempresas e das empresas de pequeno porte. Os arts. 44 e 45 estatuem em favor delas "direito de preferência". O art. 46 autoriza-as a emitir cédula de crédito microempresarial, na forma de regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. E, enfim, os arts. 47, 48 e 49 dispõem sobre "tratamento privilegiado e simplificado para as microempresas e as empresas de pequeno porte", desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.

Percebe-se, de início, que há dispositivos na Lei Complementar nº 123/06 tocantes às licitações que são auto-aplicáveis e outros que dependem de regulamentação ou de lei ordinária.

Pois bem, os arts. 42 e 43, que tratam da regularidade fiscal das microempresas e das empresas de pequeno porte, são auto-aplicáveis, haja vista que o legislador não os condicionou à qualquer regulamentação. O mesmo ocorre com os arts. 44 e 45, que versam sobre o direito de preferência. Por outro lado, a cédula de crédito microempresarial a que alude o art. 46 é condicionada à regulação do Executivo, na forma do que determina o parágrafo único do referido artigo. Ademais, o "tratamento privilegiado e simplificado para as microempresas e as empresas de pequeno porte", disciplinado pelos arts. 47, 48 e 49, deve ser "previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente" Dessa forma, o disposto nos arts. 47, 48 e 49 demanda, inclusive, lei ordinária para ser aplicado, não bastando mero regulamento do Executivo.

O presente estudo propõe-se a delinear alguns pontos sobre as repercussões imediatas da Lei Complementar nº 123/06 no regime da licitação pública. Portanto, tratar-se-á apenas dos dispositivos auto-aplicáveis, que são, repita-se, os arts. 42 e 43, cujos teores versam sobre a regularidade fiscal das microempresas e das empresas de pequeno porte, e os arts. 44 e 45, que enunciam regras sobre direito de preferência concedido a elas.

Cumpre esclarecer, já a essa altura, com arrimo no inc. I do art. 3º da Lei Complementar nº 123/06, que microempresa é o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada que aufira receita bruta anual igual ou inferior a R$ 240.000,00. Por sua vez, empresa de pequeno porte, na forma do inc. II do mesmo artigo, é o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada que aufira receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 e inferior a R$ 2.400.000,00.


2. A LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06 E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A igualdade é dos valores mais prestigiados pelas sociedades ocidentais, especialmente após o advento da modernidade. Ela é expressão concreta da idéia de justiça, pois o tratamento discriminatório retrata uma das formas mais odiosas de arbitrariedade. Sobremodo, a igualdade é um dos baluartes do ordenamento jurídico nacional, tendo sido encartada no altiplano dos direitos fundamentais prestigiados na Constituição Federal, mais precisamente no caput do art. 5º, por meio do princípio da isonomia, que é a sua expressão jurídica.

Sob esse contexto, pode-se afirmar que o Estado e, como parte dele, a Administração Pública, devem tratar todas as pessoas sujeitas as suas jurisdições com igualdade. Isto é, sempre que o Estado pretender praticar ato que gere benefício a alguém, todos os interessados no referido benefício devem e têm o direito de ser tratados com igualdade por ele.

Seguindo essa linha, a própria idéia de licitação pública decorre do direito das pessoas de serem tratadas com igualdade pelo Estado. Explicando melhor, a Administração pretende contratar alguém. O contratado receberá remuneração em razão da execução do contrato, o que lhe produz espécie de benefício de ordem econômica. Em vista disso, todos os interessados em colher tal benefício têm o direito de ser tratados com igualdade pela Administração. Logo, para tratar todos com igualdade, a Administração deve realizar procedimento que seja equânime, transparente, dando oportunidade para que todos os interessados disputem o contrato que ela irá firmar. Esse procedimento é o que se conhece por "licitação pública", que, no final das contas, como dito, decorre do direito das pessoas a serem tratadas com igualdade.

Entretanto, é sabido que a isonomia não impõe que todos sejam tratados com absoluta igualdade. Ao contrário, as leis nada mais fazem do que discriminar situações em detrimentos de outras, classificando grupos e setores.(Nota 1) A questão em torno da isonomia redunda em precisar quais são as diferenças toleráveis, haja vista que, como preceitua Llorente, "é próprio do Direito estabelecer diferenças".1

A esse respeito, Aristóteles havia advertido que o princípio isonômico implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.(Nota 2) Entretanto, a fórmula aristotélica não está pronta, pois não indica quem são os iguais e quem são os desiguais, bem como qual a medida aceitável da desigualdade a ser instaurada pelo Direito.(Nota 3) Essas questões devem ser respondidas pelo legislador e pelos demais aplicadores do Direito, sempre tomando como norte o princípio da razoabilidade, que veda discriminações arbitrárias.(Nota 4)

Sob essas luzes, convém sublinhar que o fato de o legislador ter estabelecido tratamento privilegiado às microempresas e às empresas de pequeno porte não implica, por si só, ofensa ao princípio da isonomia, isto é, ao direito das demais empresas, que não sejam micro ou de pequeno porte, de serem tratadas com igualdade. Isto porque não há igualdade absoluta. Insista-se que os desiguais devem ser tratados com desigualdade.

E o ponto é que a própria Constituição Federal prescreve, no inc. IX do seu art. 170, que se deve instituir "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País". Ou seja, a própria Constituição Federal obriga o legislador a criar lei para favorecer as empresas de pequeno porte, partindo do pressuposto de que elas são diferentes das demais empresas e que, portanto, merecem tratamento privilegiado. Trocando-se em miúdos, o legislador, ao privilegiar as microempresas e as empresas de pequeno porte, não ofende, por si só, a isonomia, o direito das demais empresas e pessoas à igualdade. O legislador, ao contrário, atende ao princípio da isonomia, porquanto ele privilegia quem a própria Constituição Federal estabeleceu que merece ser privilegiado.

Entretanto, ao legislador não é permitido criar qualquer tipo de norma, estabelecer privilégios que não sejam razoáveis. O ponto nuclear da questão reside na existência de liame lógico entre o tratamento que favorece às micro empresas e às empresas de pequeno porte e a razoabilidade. Ao legislador não foi dada espécie de "carta-branca", não lhe é dado incorrer no absurdo.

Logo, muito embora os privilégios criados pelo legislador às microempresas e às empresas de pequeno porte em tese não sejam de antemão inconstitucionais, por suposta afronta ao princípio da isonomia, é imperativo analisar as respectivas normas, avaliar, caso a caso, em que medida o legislador desigualou, tudo sob a mira da razoabilidade.

O subscritor do presente texto, muito embora não considere em tese inconstitucional o privilégio concedido às microempresas e às empresas de pequeno porte, aproveita o ensejo para expressar a discordância com a opção do legislador de fazê-lo por meio de licitação pública. O privilégio deveria ser apenas de ordem fiscal e relacionada a outros elementos burocráticos. Ele não deveria tocar a licitação, criando embaraços procedimentais quase invencíveis e, de modo geral, desencorajando a participação de outras empresas, o que não se afaz ao princípio da competitividade.


3. REGULARIDADE FISCAL

O art. 42 da Lei Complementar nº 123/06 prescreve que, nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente deve ser exigida para efeito de assinatura do contrato. Ou seja, as microempresas e as empresas de pequeno porte, diferentemente das demais, não devem ser inabilitadas, na fase própria de habilitação, se deixarem de apresentar alguma certidão de regularidade fiscal ou se alguma delas apresentar defeito.

A rigor, na forma do caput do art. 43 da Lei Complementar nº 123/06, as microempresas e as empresas de pequeno porte devem apresentar as certidões de regularidade fiscal normalmente, durante a licitação, tal qual os demais licitantes, dentro do envelope destinado aos documentos de habilitação. Entretanto, se houver problema com algumas das certidões pertinentes à regularidade fiscal delas, a Administração não deve inabilitá-las. A rigor, o juízo sobre a habilitação das microempresas e das empresas de pequeno porte cujas certidões apresentaram defeitos é suspenso, é postergado.

Trocando-se em miúdos, ao final da fase de habilitação, as microempresas ou as empresas de pequeno porte cujas certidões de regularidade fiscal apresentaram defeitos, não devem ser habilitadas nem inabilitadas. Elas, em que pese apresentarem certidões de regularidade fiscal defeituosas, passam à próxima fase do certame, não são excluídas dele.

Pois bem, se a microempresa ou a empresa de pequeno porte cujas certidões de regularidade fiscal apresentarem defeito for declarada vencedora da licitação, a Administração deve conceder a ela, a partir do momento em que é declarada vencedora, o prazo de dois dias úteis para regularizar a sua situação, para que apresente novas certidões, escoimadas dos defeitos constatados inicialmente.

Esse privilégio concedido em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte causa controvérsias de natureza procedimental. Ocorre que a elas deve-se oportunizar a apresentação de certidões de regularidade fiscal depois de serem declaradas vencedoras. O ponto é: em que momento os licitantes são declarados vencedores?

Na modalidade pregão, a resposta é relativamente tranqüila. Ocorre que o inc. XV do art. 4º da Lei nº 10.520/02 enuncia que, "verificado o atendimento das exigências fixadas no instrumento convocatório, o licitante será declarado vencedor". Ou seja, no pregão o licitante é declarado vencedor após a habilitação e antes da etapa recursal. Então, a microempresa ou a empresa de pequeno porte terá o direito de reapresentar as certidões de regularidade fiscal logo após a fase de habilitação. Nesse caso, com fundamento no § 1º do art. 43 da Lei Complementar nº 123/06, o pregoeiro deve suspender a sessão e conceder à microempresa ou à empresa de pequeno porte declarada vencedora o prazo de dois dias úteis, prorrogáveis por igual período, a critério do pregoeiro, para a regularização das certidões.

Nas modalidades tradicionais a resposta é mais complicada, porque não há referência expressa na Lei nº 8.666/93 ao momento em que o licitante é declarado vencedor. Para não tumultuar ainda mais o procedimento, deve-se considerar que o licitante é declarado vencedor quando a comissão de licitação conclui o julgamento das propostas, procedendo-se à espécie de interpretação analógica da Lei nº 10.520/02. Daí, antes mesmo de oportunizar a interposição de recurso, a comissão de licitação, com amparo no § 1º do art. 43 da Lei nº 8.666/93, deve suspender a sessão e conferir à microempresa ou à empresa de pequeno porte declarada vencedora o prazo de dois dias úteis, prorrogáveis por igual período, a critério da comissão de licitação, para a regularização das certidões.

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Depois disso, tendo apreciado as certidões, a comissão de licitação oportuniza a interposição de recursos, na forma do art. 109 da Lei nº 8.666/93, permitindo que seja objeto dele tanto questões referentes ao julgamento das propostas quanto questões concernentes à regularidade fiscal das microempresas e das empresas de pequeno porte.

Por derradeiro, consoante o § 2º do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06, se a microempresa ou a empresa de pequeno porte, declarada vencedora, não regularizar as certidões fiscais, ela perde o direito à contratação e deve ser penalizada, recorrendo-se ao art. 81 da Lei nº 8.666/93. Além disso, a Administração deve convocar os demais licitantes, na ordem de classificação para assinar o contrato, ou revogar a licitação.


4. DIREITO DE PREFERÊNCIA

O caput do art. 44 da Lei Complementar nº 123/06 confere às microempresas e às empresas de pequeno porte direito de preferência nas situações em que ocorre empate em licitação pública. No entanto, o empate que dá ensejo ao direito de preferência não pressupõe que as propostas apresentadas por microempresas ou empresas de pequeno porte contenham exatamente o mesmo valor nominal ofertado por outras empresas. Ocorre que os §§ 1º e 2º do referido art. 44 prescreve que há empate nos casos em que a proposta apresentada pela microempresa ou empresa de pequeno porte não seja superior a 10% da proposta mais bem classificada e, no caso de licitação promovida sob a modalidade pregão, que não seja superior a 5% da proposta com o menor preço.

De todo modo, ocorrendo o empate a que alude os parágrafos do art. 44 da Lei Complementar nº 123/06, a microempresa ou a empresa de pequeno porte não é automaticamente declarada vencedora, na medida em que o preço dela é de fato superior ao menor preço ofertado no certame, o que importaria, se fosse o caso, desvantagem à Administração Pública e vulneração aberta ao princípio da eficiência, encartado no caput do art. 37 da Constituição Federal.

A rigor, reconhecendo-se o empate, na forma dos parágrafos do art. 44 da Lei Complementar nº 123/06, a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada faz jus à oportunidade de oferecer proposta de preço inferior à proposta até então considerada vencedora do certame, conforme dispõe o inc. I do art. 45 da mesma Lei Complementar. Enfatiza-se que não basta à microempresa ou à empresa de pequeno porte igualar o menor preço até então ofertado. A microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada deve cobrir o menor preço até então ofertado, reduzí-lo. Se o fizer, prescreve o referido inc. I do art. 45 da Lei Complementar, o objeto da licitação deve ser adjudicado a ela.

A propósito, nem todas as microempresas e as empresas de pequeno porte que cotarem preços considerados empatados com o menor preço então ofertado, nos termos dos parágrafos do art. 44 da Lei Complementar nº 123/06, terão o direito de cobrí-lo, oferecendo nova proposta. Somente a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada fará jus ao direito.

O inc. II do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06 prescreve que, se a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada não exercer o direito de preferência, as demais microempresas e empresas de pequeno porte participantes da licitação, desde que tenham ofertado preços dentro dos parâmetros estabelecidos pelos parágrafos do art. 44 da Lei Complementar nº 123/06, terão também o direito de cobrir o menor valor então proposto, de acordo com a ordem de classificação delas.

Demais disso, se, eventualmente, houver efetivo empate entre preços de diferentes microempresas e/ou empresas de pequeno porte, o inc. III do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06 determina que se deve proceder a sorteio, para definir a ordem de classificação delas e, por conseqüência, qual delas poderá exercer o direito de preferência estatuído na Lei Complementar nº 123/06 em primeiro lugar.

4.1. O direito de preferência não se aplica em relação às licitações do tipo melhor técnica

O direito de preferência concedido em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte ora em comento não se aplica sobre as licitações que adotam o tipo melhor técnica.

Bem se vê, sobretudo em face do inc. I do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06, que o direito de preferência outorgado em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte é exercido estritamente sob a perspectiva do preço. Tanto o é que o referido dispositivo alude ao direito de "apresentar proposta com preço inferior àquela considera vencedora do certame".

Ocorre que, nas licitações do tipo melhor técnica, o preço não é o fator determinante ou preponderante para a Administração Pública. Nelas, o fator técnico é o fundamental. Por isso, a redução do preço por parte da microempresa ou da empresa de pequeno porte mais bem classificada, prescrita no inc. I do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06, não é o bastante para declarar a proposta dela vencedora. Ele somente o seria se a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada oferecesse também vantagens de ordem técnica, que fossem bastante para tornar a sua proposta técnica superior à da licitante mais bem classificada. No entanto, a Lei Complementar nº 123/06 não previu a possibilidade de melhora da proposta técnica, o que, diga-se de passagem, na maior parte dos casos, seria mesmo impossível de ser feito.

Insista-se que o inc. I do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06 determina que o direito de preferência deve ser exercido por meio do oferecimento, por parte da microempresa ou da empresa de pequeno porte mais bem classificada, de proposta de preço inferior ao ofertado na proposta até então considerada vencedora do certame. Assim o sendo, por força do princípio da legalidade, como a Lei Complementar em comento não previu a melhora da proposta técnica, é de concluir que o direito de preferência preceituado nela restringe-se às licitações cujo preço seja fator preponderante para a definição do vencedor, excluindo aquelas do tipo melhor técnica.

Convém ressalvar que é possível aplicar o direito de preferência estatuído na Lei Complementar nº 123/06 nas licitações do tipo técnica e preço. Ocorre que nelas há uma nota técnica e uma nota de preço, que são ponderadas para a obtenção do resultado final. Nesse sentido, apesar das dificuldades procedimentais, comentadas adiante, a microempresa ou a empresa de pequeno porte poderia reduzir o seu preço e, em vista disso, ainda que com a mesma técnica, passar a oferecer a proposta mais vantajosa à Administração.

4.2. Procedimento para o direito de preferência nas licitações do tipo menor preço promovidas de acordo com a Lei nº 8.666/93

Pois bem, nas licitações do tipo menor preço que seguem a sistemática da Lei nº 8.666/93, a comissão de licitação deve conduzir o certame normalmente, procedendo à habilitação e, depois dela, à abertura dos envelopes com as propostas.

Aberto os envelopes com as propostas, a comissão de licitação deve analisar a aceitabilidade delas, desclassificando aquelas que apresentarem objetos que não atendem às especificações do edital, às formalidades neles previstas, bem como as que consignarem preços excessivos ou inexeqüíveis.

Em seguida, a comissão de licitação deve classificar as propostas de acordo com os preços expressos nela.

Se microempresa ou empresa de pequeno porte tiver ofertado o menor preço, o certame deve seguir normalmente. A comissão de licitação então deve declarar que a microempresa ou a empresa de pequeno porte em referência foi a primeira classificada, publicando tal decisão ou intimando diretamente os demais licitantes, se todos eles estiverem presentes à sessão, para que, se quiserem, interponham recurso.

No entanto, se o menor preço tiver sido oferecido por empresa não qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte, a comissão de licitação deve verificar se alguma microempresa ou empresa de pequeno porte ofertou proposta não superior a 10% em relação ao menor preço.

Se a resposta for positiva, isto é, se alguma microempresa ou empresa de pequeno porte ofertou preço não superior a 10% em relação ao menor preço, a comissão de licitação deve intimar a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada para que ela exerça o direito de preferência.

Se a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada estiver representada na sessão, a comissão de licitação deve intimá-la diretamente, na própria sessão, em caso contrário, se ela não estiver representada, a comissão de licitação deve intimá-la por meio de carta-registrada ou outro instrumento, concedendo a ela o prazo para que exerça o direito de preferência e cubra o menor preço até então ofertado.

Destaca-se que esse procedimento é necessário porquanto na sistemática da Lei nº 8.666/93 os licitantes não precisam estar presentes nas sessões. Por isso, se a microempresa ou a empresa de pequeno porte que faz jus ao direito de preferência não estiver presente na sessão, ela deve ser intimada por meio de carta-registrada ou outro meio hábil para exercer o direito de preferência.

De todo modo, a Lei Complementar nº 123/06 não define o prazo que dispõe a microempresa ou a empresa de pequeno porte que faz jus ao direito de preferência para exercê-lo. Logo, é recomendável que o edital verse sobre o assunto. Se o edital for omisso, a comissão de licitação deve fixar o prazo.

Se a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada exercer o direito de preferência, cobrindo o menor preço até então ofertado, a comissão de licitação deve declará-la primeira classificada e publicar tal decisão na imprensa oficial ou intimar diretamente os licitantes, se todos estiverem presentes na sessão, abrindo prazo para a interposição de recurso.

Se a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada não exercer o direito de preferência, não cobrindo o menor preço até então ofertado, a comissão de licitação deve verificar se alguma outra microempresa ou empresa de pequeno porte ofertou preço não superior a 10% do menor preço. Se houver outra ou outras microempresas ou empresas de pequeno porte nessa situação, a comissão de licitação deve repetir o mesmo procedimento, conferindo a elas, de acordo com a ordem de classificação, oportunidade para exercer o direito de preferência.

Em qualquer das hipóteses, se não houver recurso ou uma vez decididos os eventuais recursos, a comissão de licitação deve adjudicar o objeto da licitação e remeter o processo para a autoridade competente para que ela homologue ou não a licitação.

4.3. Procedimento para o direito de preferência nas licitações do tipo técnica e preço promovidas de acordo com a Lei nº 8.666/93

Nas licitações do tipo técnica e preço, a comissão de licitação deve realizar o julgamento normalmente, abrindo o envelope com a proposta técnica e o envelope com a proposta de preço, apurando-se a nota final de cada licitante, que é resultante da ponderação dos dois fatores, técnica e preço.

O direito de preferência preconizado no art. 44 da Lei Complementar nº 123/06 somente deve ser exercido se houver empate na nota final, repita-se, resultante da ponderação entre os fatores técnica e preço. Veja-se que o § 1º do art. 44 da referida Lei Complementar prescreve que se entende "por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada". Ou seja, o parâmetro para identificar o empate é a proposta como um todo. E, nas licitações do tipo técnica e preço, a proposta como um todo resulta da conjunção da técnica e do preço. Quer dizer que isoladamente o preço não é o parâmetro para identificar o pretenso empate nas licitações do tipo técnica e preço.

Pois bem, se houver microempresas ou empresas de pequeno porte cujas notas finais, resultantes da técnica e do preço, não sejam superiores a 10% da melhor nota final, a que tiver oferecido a melhor proposta fará jus ao direito de preferência.

Nesse sentido, a comissão de licitação deve intimar a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada para exercer o direito de preferência. Essa intimação pode ser realizada diretamente, se a microempresa ou a empresa de pequeno porte que fizer jus ao direito de preferência estiver presente na sessão. Em caso contrário, se ela não estiver presente, a comissão de licitação deve intimá-la por meio de carta-registrada ou outro instrumento, concedendo a ela o prazo para que exerça o direito de preferência. Repita-se que a Lei Complementar nº 123/06 não define o prazo que dispõe a microempresa ou a empresa de pequeno porte que faz jus ao direito de preferência para exercê-lo. Logo, é recomendável que o edital verse sobre o assunto. Se o edital for omisso, a comissão de licitação deve fixar o prazo.

Cumpre salientar que o direito de preferência outorgado à microempresa ou empresa de pequeno porte enseja a ela a melhora apenas da parte da proposta relativa ao preço; ela não poderá alterar a parte da proposta relativa à técnica. Nesse sentido, o inc. I do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06 é claro e peremptório ao enunciar que o direito de preferência é exercido com a apresentação de proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame.

Dessa forma, a licitante microempresa ou empresa de pequeno porte, que faz jus ao direito de preferência, tem a oportunidade apenas de reduzir o seu preço. No entanto, para que ela seja a vencedora, é necessário, com base no novo preço apresentado por ela, refazer o cálculo do fator preço de todos os demais licitantes e, depois disso, a ponderação entre os fatores preço e técnica novamente. A licitante microempresa ou empresa de pequeno porte somente é a vencedora se, com o novo preço apresentado por ela, a nota final dela for superior à da empresa inicialmente apontada como vencedora.

Se isso não ocorrer, a comissão de licitação deve verificar se há outras microempresas ou empresas de pequeno porte que também tenham oferecido propostas não superiores a 10% da proposta mais bem classificada apresentada por licitante que não seja microempresa ou empresa de pequeno porte. Se houver, a comissão de licitação deve garantir a elas, de acordo com a ordem inicial de classificação, o direito de preferência, que se exerce da mesma forma.

Ao final, exercido ou não o direito de preferência, a comissão de licitação deve intimar diretamente os licitantes, se todos estiverem presentes à sessão, ou por meio de publicação na Imprensa Oficial, oportunizando a eles a interposição de recursos.

4.4. O procedimento para o exercício do direito de preferência nas licitações promovidas por meio da modalidade pregão

O pregoeiro deve realizar o procedimento normal pertinente à modalidade pregão até o final da etapa de lances.

Se o vencedor da etapa de lances for microempresa ou empresa de pequeno porte, o pregoeiro deve dar continuidade à sessão normalmente, por efeito do que deve proceder à negociação, analisar a aceitabilidade da proposta e, em seguida, os documentos de habilitação dele.

Se o vencedor não for microempresa ou empresa de pequeno porte, o pregoeiro deve verificar se alguma microempresa ou empresa de pequeno porte ofertou preço não superior a 5% do menor preço apurado na etapa de lances.

Em caso de resposta positiva, isto é, se alguma microempresa ou empresa de pequeno porte ofertou preço não superior a 5% do menor preço apurado na etapa de lances, o pregoeiro deve conferir cinco minutos, na forma do § 3º do art. 45 da Lei Complementar nº 123/06, para que a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada exerça o direito de preferência, propondo preço que seja inferior ao menor preço apurado na etapa de lances.

Se ela, a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem classificada, não exercer o direito de preferência, o pregoeiro deve dar oportunidade a outras microempresas ou empresas de pequeno porte cujos preços também não sejam superiores a 5% do menor preço para também exercerem o direito de preferência, de acordo com a ordem de classificação.

Convém anotar que a microempresa ou a empresa de pequeno porte que faz jus ao direito de preferência deve manter representante presente à sessão do pregão, devidamente credenciado. Na modalidade pregão, o licitante que não mantém representante credenciado durante a sessão arca com o ônus de não poder manifestar-se e, por conseqüência, não conseguirá exercer o direito de preferência. No pregão, diferentemente do que ocorre nas modalidades tradicionais previstas na Lei nº 8.666/93, a microempresa ou empresa de pequeno porte que faz jus ao direito de preferência não é intimada por carta registrada ou outro instrumento para exercê-lo. Repita-se, o direito deve ser exercido por ela na própria sessão, dentro do prazo de cinco minutos, sob pena de preclusão.

Se o direito de preferência for exercido por alguma das microempresas ou empresas de pequeno porte, então o pregoeiro deve dar seqüência à sessão, por efeito do que deve negociar com ela, tratar da aceitabilidade da proposta dela e, depois, dos documentos de habilitação.

O mesmo procedimento deve ser realizado em relação ao pregão presencial e ao pregão eletrônico. Sublinha-se, apenas, que os sistemas eletrônicos atualmente vigentes precisam ser adaptados imediatamente, para que os pregoeiros possam realizar o procedimento ora descrito, previsto na Lei Complementar nº 123/06.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concessão de privilégios às microempresas e às empresas de pequeno porte não é por si inconstitucional e, logo, não pode ser tachada, em tese, de anti-jurídica. A questão é como isso é feito, o modo e a medida de tais privilégios. Nesse sentido, a Lei Complementar nº 123/06 é em tudo e por tudo infeliz, sobremodo ao prescrever normas sobre licitação pública.

A bem da verdade, o legislador, por meio da Lei Complementar nº 123/06, resolveu bulir com o regime jurídico da licitação pública, colocando-o de pernas para o ar. Essa aventura legislativa causará prejuízos de monta à Administração Pública, já que as licitações públicas tornar-se-ão mais lentas, mais formais, mais burocráticas, postergando o atendimento às demandas de interesse público. Aliado a isso, o intérprete, em face da Lei Complementar nº 123/06, terá que forçosamente recorrer a métodos de hermenêutica complexos, sobretudo de ordem sistêmica, para tentar costurar e minimizar as contradições, bem como encaixar as disposições da nova Lei no regime jurídico procedimental atualmente vigente. Isso não é tarefa fácil. Haverá desacordo, recursos, demandas judiciais e, enfim, todo um clima de insegurança jurídica, cujos efeitos são nefastos para o interesse público.

De mais a mais, a Lei Complementar nº 123/06, sob a escusa de favorecer as microempresas e as empresas de pequeno porte, acaba subvertendo valores fundamentais do capitalismo moderno, adotando medidas excessivas, que instauram quase que reserva de mercado nas licitações públicas e nos contratos administrativos. Mais uma vez o legislador confundiu o incentivo com o protecionismo. O paternalismo estatal, historicamente, não estimula; em sentido oposto, incute idéia contrária ao crescimento. No Brasil, parece que é melhor ser pequeno, permanecer pequeno ou tornar-se pequeno.


REFERÊNCIAS

1 LLORENTE, Francisco Rubio. La forma del poder. Estúdios sobre la constitución. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 611 (tradução do autor).

(Nota 1) Nesse sentido, Siqueira de Castro pondera: "É errôneo supor que a regra constitucional da isonomia impede que se estabeleçam desigualdades jurídicas entre os sujeitos de direito. Isto porque o fenômeno da criação legislativa importa inevitavelmente em classificar pessoas, bens e valores segundo toda a sorte de critérios fáticos". (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 44.) E adiante: "Aliás, se tudo e todos fossem iguais perante a lei, de modo absoluto chegar-se-ia à conclusão absurda de que a lei não poderia classificar, portanto estabelecer valorações fático-jurídicas, tendo de tratar a tudo e a todos da mesma maneira, o que importaria num tremendo cerceamento do exercício do poder normativo do Estado". (Ibid. p. 47-48)

(Nota 2) Conforme afirma Aristóteles: "Pensa-se, por exemplo, que justiça é igualdade - e de fato é, embora não o seja para todos, mas somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles que são desiguais entre si; os defensores dos dois princípios omitem a qualificação das pessoas às quais eles se aplicam, e por isso julgam mal". (ARISTÓTELES. A política. Trad. Mário da Gama Cury. 3. ed. Brasília: UnB, 1997. p. 92.)

(Nota 3) Celso Antônio Bandeira de Mello é quem questiona: "A dizer: o que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica de desiguais? Em suma; qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia". (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.)

(Nota 4) Llorente observa: "Os termos com os quais se intenta explicar qual é este critério são mais ou menos coincidentes em todas as doutrinas ocidentais. Os americanos falam de reasonableness, os italianos, de raggionevolezza, e nós, no Tribunal Constitucional, temos falado mui freqüentemente de razoabilidade, de que as diferenças devem ser razoadas e razoáveis; os alemães falam, sobretudo, da interdição da arbitrariedade". (LLORENTE, Francisco Rubio. La forma del poder. Estúdios sobre la constitución. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 646.)

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Sobre o autor
Joel de Menezes Niebuhr

advogado em Florianópolis (SC), doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP, mestre em Direito pela UFSC, professor convidado de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, da Escola do Ministério Público de Santa Catarina e de diversos cursos de especialização em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEBUHR, Joel Menezes. Repercussões do estatuto das microempresas e das empresas de pequeno porte em licitação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1529, 8 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10380. Acesso em: 29 nov. 2024.

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