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Mercosul: os desafios constitucionais do processo de integração regional

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16/09/2007 às 00:00
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5 OS TRATADOS INTERNACIONAIS E AS NORMAS DO MERCOSUL – RECEPÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO INTERNO – ANÁLISE CONSTITUCIONAL

Este capítulo destina-se a delinear a forma com que se incorporam os tratados internacionais no ordenamento nacional. Para isso é realizada análise comparada dos textos constitucionais de cada Estado membro do Mercosul, de modo a permitir a identificação dos entraves que, em cada um deles, atravancam o processo de integração regional, seja pela sua redação expressa, seja pela omissão constitucional.

A identificação desses entraves constitui o primeiro passo para o entendimento de como buscar substituí-los por facilitadores constitucionais, para que o Mercosul possa alcançar seus objetivos.

Nesse sentido, são apontadas algumas propostas que podem afastar os entraves do texto constitucional brasileiro.

A Venezuela foi recentemente incluída no Mercosul. O texto constitucional desse país conta com análise em tópico específico.

5.1 Da recepção e integração dos tratados internacionais - hierarquia - segundo os textos constitucionais

5.1.1 Da Constituição da Argentina

O tema relacionado à hierarquia dos tratados internacionais é disciplinado pelo texto constitucional argentino, de modo que esses instrumentos firmados com as demais nações e organizações internacionais ocupam posição superior às demais leis internas, conforme previsão contida na parte final do preâmbulo do item 22 do art. 75 da citada Carta constitucional.

A inovação constitucional provoca o reconhecimento de juristas argentinos, como é o caso do professor Ernesto J. Rey Card, citado por Dallari (2003, p.36): "[...] el acerto de los constituyentes es innegablle". Para o citado jurista, a expressa disposição constitucional evita que uma questão tão transcendente como a da hierarquia dos tratados internacionais fique na dependência de interpretação judicial.

A Constituição argentina confere tratamento distintivo aos tratados internacionais. O item 22 do art. 75 insere o rol dos tratados internacionais concluídos com as demais nações e com as organizações internacionais, os quais são submetidos à aprovação congressional, a saber:

La Declaración Americana de los Derechos y Deveres del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Econômicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocídio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Nino; en las condiciones de su vigencia, tienem jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantias por ella reconocidos. Solo podrán ser denunciados, em su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congresso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional.

A adoção da citada fórmula de inserção no texto constitucional causa certa controvérsia entre os constitucionalistas argentinos em relação à solução a ser dada quando do surgimento de conflitos entre tratado internacional e legislação interna.

A professora Zlata Drnas de Clément afirma, a princípio, que "sin lugar a dudas en caso de colisón entre instrumentos internacionales con rango constitucional y la Constitución y planteado el caso ante un juez estatal las disposiciones internacionales cederían ante las constitucionales" (apud DALLARI, op. cit., p. 37).

Esse entendimento, segundo aponta Dallari, estaria respaldado no art. 27 da Constituição argentina, mediante o qual a recepção dos tratados internacionais está condicionada à observância e conformidade dos princípios de direito público consagrados na ordem constitucional daquele país.

Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos, Clément admite a possibilidade de prevalência de tratado internacional que contemple disposições favoráveis ao ser humano em face de eventual hipótese de o Estado vir a restringir esses direitos.

Já a redação do item 24 do mesmo artigo refere-se aos tratados de integração que delegam competência e jurisdição a organizações supranacionais em condições de reciprocidade e igualdade e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos.

Nesse dispositivo não há menção sobre a hierarquia que devem ocupar os tratados de integração, apenas se refere às normas ditadas pelas organizações supranacionais criadas por força do tratado de integração, como é o caso do Mercosul. Essas normas se sobrepõem às demais leis internas. Contudo, conjugando a interpretação dos itens 22 e 24 do art. 75, entende-se que esses tratados ocupam idêntica posição no ordenamento jurídico interno dos tratados internacionais gerais, ou seja, ocupam patamar superior ao das leis internas, equiparando-se à Constituição.

Outra especificidade do texto constitucional argentino, inserido no item 24 do art. 75, é a forma de aprovação e de denúncia que deve ser seguida para os tratados de integração celebrados com países da América Latina, do que se infere que o texto constitucional diferencia os tratados de integração dos demais tratados internacionais celebrados com outros países ou organizações.

Dessa forma, o texto constitucional argentino avançou em vários de seus dispositivos em prol das expectativas objetivadas pelo Mercosul.

A transposição para o Direito interno argentino dos tratados internacionais firmados com Estados latino-americanos e as normas que deles derivam se dariam com maior celeridade, eficácia e segurança jurídica, se fosse cumprida por todos os integrantes do bloco a harmonização da legislação interna, propiciando, assim, reciprocidade e igualdade no tratamento interbloco.

Do princípio da reciprocidade que norteia o processo de integração, os avanços somente poderão consolidar-se com base no cumprimento do compromisso assumido pelos Estados membros quanto à conformação do ordenamento jurídico nacional aos propósitos do bloco, sob pena de se tornarem inócuas as modificações introduzidas nos textos constitucionais por alguns países, como a Argentina e o Paraguai.

5.1.2 Da Constituição do Paraguai

A hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no Direito Interno do Paraguai encontra-se disciplinada no art. 137 do seu texto constitucional, que afirma o princípio da supremacia constitucional e seleciona, em ordem de prelação, os tratados, convênios e acordos internacionais aprovados e ratificados, conferindo-lhe patamar hierárquico superior ao das leis e disposições jurídicas internas. O art. 137 dispõe, verbis:

La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congresso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquia, sancionadas em consecuencia, integram el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado.

Em capítulo específico, o texto constitucional paraguaio reforça as fases a serem seguidas para efeito de transposição dos tratados internacionais para o Direito Interno e remete ao art. 141 a hierarquia por eles ocupada.

Nesse sentido, confira o art.141, que assim dispõe:

Los tratados internacionales validamente celebrados, aprobados por ley del Congresso, y cuyos instrumentos de ratificación fueram canjeados e depositados, forman parte del ordenamento legal interno con la jerarquía que determina el Artículo 137.

Não dispondo especificamente, a constituição paraguaia, sobre a hierarquia que ocupariam os tratados de integração, infere-se que estes se assemelham, para tais efeitos, à hierarquia prevista no art. 137, encontrando-se, portanto, em posição superior as leis internas do Paraguai e inferior à Constituição.

A valorização conferida pelo texto constitucional paraguaio aos tratados internacionais encontra ressonância na doutrina. Todavia, para Nascimento (2004, p.64), os tratados internacionais ocupam posição equivalente à Constituição do Paraguai. Veja o que diz essa autora:

Ressalte-se, portanto, a força hierárquica de um tratado ratificado, no ordenamento jurídico paraguaio. É equiparado à Constituição Federal e, portanto, suas disposições deverão prevalecer sobre as demais normas internas [...].

Embora se concorde com a valorização conferida pelo texto constitucional paraguaio aos tratados internacionais, notadamente aqueles relacionados aos direitos humanos, é de ser divergir da generalidade da conclusão adotada por essa autora.

É que, segundo o disposto nos arts. 137 e 141, ambos da Constituição paraguaia, outro é o entendimento, qual seja de que o tratado internacional, ao ser incorporado no ordenamento jurídico interno, ocupa posição hierarquicamente inferior à Constituição e superior à lei ordinária, de modo que não se encontra equiparado à Constituição daquele país.

5.1.3Da lacuna da Constituição do Uruguai

A ausência de avanços no texto constitucional uruguaio quanto ao intuito integrativo regional, mesmo tendo passado por sucessivas reformas, como em 1989 e 1994, não possibilitou a incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno do Uruguai.

A única disposição prevista no texto constitucional quanto aos tratados internacionais resume a do art. 6º, porém sem conter qualquer conteúdo expresso sobre a hierarquia ou mesmo a incorporação desses tratados.

O texto desse dispositivo remete o controle constitucional dos tratados internacionais à Suprema Corte de Justiça do Uruguai, conforme consta do art. 239, inciso I, da Constituição uruguaia.

Diante dessa competência constitucional e em razão do aparecimento do conflito entre tratado internacional e lei interna, a Suprema Corte de Justiça do Uruguai adotou entendimento mais receptivo quanto à incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno, consoante Herber Arbuet Vignalli e Jean Michel Arrighi, citados por Dallari (op. cit., p. 40):

No tocante à oposição entre um tratado e uma lei posterior, e salvo algumas exceções, a Corte reiterou que apesar de não se ter consagrado a preleção dos tratados internacionais, estes também prevaleceriam sobre qualquer outra norma nacional contrária – ainda que fosse posterior – pois estes – que são a fonte mais importante do Direito Internacional – possuem uma eficácia superior à lei interna dos Estados signatários; pelo que, no caso de conflito entre um e outro, prevalecerá o tratado.

Posicionamento diverso é retratado por Kerber (2001, p. 109), ao comentar, verbis:

Em 1990, essa Corte Suprema de Justiça firmou posição de que uma lei posterior poderá derrogar as normas de um tratado, do contrário a Constituição seria violada, uma vez que ficaria o Parlamento impedido de editar uma norma contrária a um tratado que ele mesmo havia aprovado, devendo ainda derrogar todas as leis anteriores.

Este último entendimento afirma o princípio do primado constitucional e reforça a observância do princípio da repartição dos poderes do sistema federativo. O sistema federativo encontra-se previsto constitucionalmente. Ao Poder Legislativo cabe o papel legiferante como representante da vontade popular, em respeito ao princípio da divisão dos poderes e ao estado democrático de direito.

Por essa razão, a posição adotada pela Corte Suprema uruguaia é a que mais se coaduna com o estado democrático de direito, ainda que ela possa permitir que uma lei posterior venha a derrogar tratado internacional já incorporado no ordenamento jurídico nacional, o que poderá implicar o seu descumprimento no Direito Interno e a conseqüente responsabilização do Estado.

É essa mesma linha que segue a jurisprudência do STF, atualmente válida no ordenamento jurídico brasileiro. A lacuna presente no texto constitucional do Uruguai configura entrave ao fortalecimento do processo integrativo regional.

A proposta para a desobstrução do ordenamento jurídico paraguaio seria o mesmo conferido ao texto constitucional brasileiro, mediante a devida sistematização normativa que trata do tema da recepção e integração dos tratados internacionais no Direito doméstico.

5.1.4 Da lacuna da Constituição do Brasil: uma análise baseada na jurisprudência

A Carta Constitucional brasileira, promulgada em 1988, isto é, antes da constituição do Mercosul, que se deu com o advento do Tratado de Assunção, assinado em 1991, não contou com alterações em seu texto no que se refere às suas relações internacionais.

Por isso o referido texto carece de disposições que regulem, de forma expressa, a sistemática de integração das normas e dos tratados internacionais gerais, a forma de incorporação das normas de integração emanadas dos órgãos do Mercosul e o tema relacionado à hierarquia ocupada, no Direito nacional, por esses tratados em face das demais normas internas.

A ausência de regramento constitucional expresso sobre o tema relativo à recepção e integração reclama interpretação dos doutrinadores, que nem sempre conferem entendimento uniforme ao tema.

A respeito desse assunto, assim se expressa Nascimento (2004, p.66):

Não obstante a Constituição Federal ser o texto legal supremo hierarquicamente superior às demais normas jurídicas no plano interno, não podemos olvidar que o Brasil é membro da comunidade internacional e, portanto, possui direitos e deveres com os demais Estados que a integram. Assim sendo, ao ratificar um tratado internacional, não pode, simplesmente, desrespeitá-lo sob o argumento de conter dispositivos contrários às normas de sua Constituição Federal, porque tal argumento contraria um costume internacionalmente aceito, no sentido de que nenhum Estado pode subtrair-se a uma obrigação jurídico-internacional invocando seu direito interno.

Segundo Rezek, não bastaria apenas a ratificação do tratado internacional para que se considere incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, posto que a publicação do ato internacional é medida que se impõe como indispensável à convalidação da incorporação.

Em relação à hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no Direito Interno, os quais, ao serem incorporados, passam a ostentar condição igualitária à legislação ordinária e submetem-se aos mesmos efeitos dela decorrentes, a doutrina de Luiz Roberto Barroso é clara ao afirmar:

A) Os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado, que é a denúncia. B) O tratado celebrado na vigência de uma Constituição e que seja com ela incompatível, do ponto de vista formal (extrínseco) ou material (intrínseco), é inválido e se sujeita à declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, por qualquer órgão judicial competente, sendo tal decisão passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário. O tratado que se encontrar em vigor quando do advento de um novo texto constitucional, seja este fruto do poder constituinte originário ou derivado, será tido com ineficaz, se for com ele incompatível. (apud DALLARI, op. cit., p.108)

A segunda diretriz apontada pelo autor decorre do princípio da especialidade da lei. Ele explica que

[...] o tratado internacional, se dotado do atributo da especialidade, prevalece em face da lei interna de abrangência geral, mas é superado, se norma geral, por aquela de sentido especial. Assim, tratado internacional e lei interna convivem no âmbito da ordem jurídica brasileira e, do ponto de vista hierárquico equiparam-se, prevalecendo, em caso de disposições antagônicas, a norma mais recente, configurando-se a aplicação do princípio lex posterior derogat priori, ou, então, a norma especial em face da de índole geral. (apud DALLARI, op. cit., p.109).

Esse entendimento foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e consolidado na década de 1970, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, no qual se discutiu o conflito entre a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, tratado devidamente promulgado no Brasil, e o Decreto-Lei nº 427/69, de autoria da Presidência da República. Para o STF o tratado internacional, uma vez incorporado no Direito Interno, tem valor jurídico igual ao da lei ordinária, podendo, portanto, sua aplicabilidade ser afastada em virtude de lei federal nova, quando aquele com esta conflitar.

A decisão do STF representou a recepção plena do tratado internacional, sem, no entanto reconhecer-lhe status supralegal, optando-se, assim, segundo a distinção kelseniana, por uma posição monista nacionalista.

Entre os que são contrários ao entendimento do STF, encontra-se Casella, que, mesmo reconhecendo a realidade quanto à ausência de fórmula clara no Direito brasileiro para a incorporação dos tratados internacionais, afirma ser "[...] impensável admitir, como arbitrariamente se pratica entre nós, que a lei interna posterior aleatoriamente revogue ou altere normas decorrentes de tratado internacional" (apud DALLARI, op. cit., p.109).

A crítica de Nascimento (2004, p. 66) fundamenta-se na premissa de que o STF "[...] parece não considerar as sanções de Direito Internacional, que poderão advir para o Estado que violar suas obrigações internacionais, posto que um tratado em vigor, perante o Direito Internacional, somente deixa de ser obrigatório, ao Estado que o ratifica, mediante a denúncia".

Recentemente o STF vem novamente manifestar-se sobre esse tema quando, em 1998 - conforme fundamentos do Acórdão proferido no ARCR nº 8.279-4 -, enfrenta o assunto. Essa recente manifestação jurisprudencial, contudo, não altera a conclusão quanto à equiparação do tratado internacional à lei ordinária.

Não obstante, os fundamentos desse acórdão são examinados em tópico específico – "Dos contornos da Constituição brasileira – uma abordagem baseada nos fundamentos da recente jurisprudência do STF" - haja vista que o seu conteúdo é bastante elucidativo acerca desse dilema.

5.2 Da recepção e integração das normas emanadas sob a égide do Mercosul – uma abordagem a partir do Direito Interno

5.2.1 Do tratamento jurídico interno – Argentina, Paraguai e Uruguai

Este tópico cuida dos aspectos relativos ao ordenamento jurídico nacional quanto à incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, das peculiaridades constantes dos textos constitucionais acerca do tema e dos aspectos caracterizadores de entraves ao processo de integração.

Com relação ao direito originário, Hargain y Mihali, citados por Nascimento (2004, p. 57-58), ensinam que a solução interna é similar para os quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – ou seja, dependem de aprovação legislativa aplicada aos tratados solenes. Já quando se trata de normas de Direito derivado, os autores mencionados fazem distinção quanto ao seu tratamento interno, verbis:

Cuando se trata Del derecho originário – Tratado de Asunción, Protocolos, Acuerdos, etc. –, la solución interna es la misma en los cuatro países; se requiere aprobación de los respectivos Parlamentos. Lo mismo sucede respecto de normas derivadas referidas a temas que han sido objeto de "reserva de ley" en la Constitución.

El resto de los preceitos creados por los órganos Del Mercosur, en cambio, se internan mediante Actos Administrativos, que revisten diferentes características según el país de que se trate.

Em outras palavras, as normas originárias (Tratado de Assunção, protocolos, acordos, etc.) seguem idêntica solução nos quatro países, incorporando-se ao Direito Interno mediante aprovação do Congresso de cada país.

Sobre o tratamento hierárquico conferido aos tratados internacionais e aos de integração, já se viu que há peculiaridades nos ordenamentos jurídicos internos, sobretudo em razão da interpretação dos textos constitucionais ou, na sua omissão, da interpretação jurisprudencial conferida ao tema.

Em relação às normas derivadas (diretivas, resoluções, etc.) dos órgãos do Mercosul, são internalizadas mediante atos administrativos, recebendo diferentes tratamentos internos, a depender da legislação de cada Estado membro do bloco.

Para os autores, essa internalização das normas no Direito argentino é realizada mediante decreto, desde que o conteúdo delas esteja abrigado na competência do Poder Executivo.

Em caso de delegação de competência em favor de um ministério ou outro órgão da administração com poderes de aprovar regulamentos vinculantes, como é o caso da "Administración Nacional de Aduanas", a incorporação no ordenamento jurídico da Argentina se faz mediante ato administrativo emitido pela autoridade. Uma vez publicado o ato no "Boletín Oficial de La República", o respectivo preceito torna-se obrigatório aos particulares.

A hierarquia das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, segundo disciplina a parte final do item 24 do art. 75 da Constituição argentina, é de que elas se situam em patamar superior ao das demais leis internas.

O dispositivo em questão condiciona que essas normas decorram de tratados de integração que deleguem competência e jurisdição a organizações supranacionais em condições de reciprocidade e igualdade e respeitem a ordem democrática e os direitos humanos.

Entretanto, a ausência de celebração, até os dias atuais, de tratado de integração, na esfera do Mercosul, criando instituições de caráter supranacional que contemplem a competência especificada no dispositivo constitucional argentino em comento torna inócua a aplicabilidade do dispositivo constitucional.

Quanto à recepção das normas do Mercosul no ordenamento jurídico do Paraguai, Hargain e Mihali ensinam:

[...] em regra geral, a internalização das normas internacionais se opera por força de lei, sempre que versar sobre matéria constitucional. Excepcionalmente, entretanto, quando tratar-se de normas de estrito caráter comercial compreendidas no âmbito da Aladi, opera la delegación que el Poder Legislativo realizó al Ejecutivo, incluída en el instrumento creador de dicho instituto, podendo ser internalizadas através de decreto do Poder Executivo (apud NASCIMENTO, op. cit., p. 58).

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Para Armando Álvares Garcia Júnior, não há dúvidas de que o Tratado de Assunção estaria posicionado hierarquicamente entre a Constituição e as leis ordinárias. Contudo, dúvidas pairam acerca das resoluções e diretivas adotadas no âmbito do Mercosul e de sua posição hierárquica no ordenamento jurídico interno. Confira o que diz o autor:

Do exposto, vê-se que o Tratado de Assunção está situado hierarquicamente entre a Constituição e as leis ordinárias. As decisões, resoluções e diretivas adotadas no âmbito do Mercosul não foram contempladas em expressões genéricas do tipo "regras oriundas de organizações supranacionais". Poder-se-ia argumentar que estariam elas compreendidas na vaga expressão "disposições jurídicas... sancionadas em conseqüência" do artigo 137, mas, neste caso, elas estariam abaixo da lei ("de inferior hierarquia") (Armando Álvares Garcia Júnior apud DALLARI, op. cit., p. 39-40).

Como afirmado em linhas pretéritas, o texto constitucional uruguaio não cuidou de matéria inerente à incorporação das normas internacionais e tampouco daquelas emanadas dos órgãos de integração, no presente caso o Mercosul. Todavia, a praxe no Uruguai determina que a incorporação se opera por meio de "[...] atos administrativos, sejam decretos do Poder Executivo, resoluções de ministros ou ‘ordenanzas’, que naquele país são espécies de decreto de âmbito municipal" (NASCIMENTO, op. cit., p. 59).

5.2.2 Dos contornos da Constituição brasileira – uma abordagem baseada na jurisprudência do STF

O texto constitucional brasileiro conforme destacado alhures retrata omissão quanto ao sistema de recepção e integração dos tratados e das normas internacionais, a exemplo daquelas firmadas sob à égide do Mercosul.

Em razão desta lacuna constitucional, o STF firmou jurisprudência para elucidar o impasse.

Conforme acórdão prolatado em 17 de junho de 1998, da lavra do ministro Celso de Mello do STF, que trata do julgamento do Agravo Regimental em Carta Rogatória nº 8.279, foi negado exequatur à carta rogatória encaminhada pela Justiça Federal da República Argentina, que contemplava providência jurisdicional pleiteada por pessoa jurídica argentina para ser aplicado o Protocolo de Medidas Cautelares.

Os fundamentos de mérito do acórdão que ora são trazidos são esclarecedores quanto ao tratamento jurídico interno brasileiro conferido a tratados internacionais, incluindo-se nestes os tratados e as normas firmadas sob a égide do Mercosul.

O relatório do acórdão citado assinala que o Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo CMC do Mercosul em sua sétima reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994, e suscitado no julgamento, não se havia incorporado ao sistema do Direito Positivo Interno vigente no Brasil por ocasião da prolação da decisão agravada, muito embora tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95) e ratificado por depósito de ratificação ocorrido em 18 de março de 1997, faltando-lhe a respectiva promulgação, por decreto, pelo presidente da República.

Depreende-se dos fundamentos do acórdão que, enquanto não incorporado o ato de Direito Internacional Público – no caso o Protocolo de Medidas Cautelares, qualificado como típica convenção internacional de âmbito multilateral – ao Direito jurídico doméstico, não se achava concluído o procedimento constitucional de sua recepção pelo sistema normativo nacional.

Das razões de decidir o mencionado acórdão aponta a controvérsia doutrinária enfrentada em torno do monismo e dualismo, no plano do Direito Internacional Público, sem, contudo, deixar de acentuar:

[...] torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República (ARCR 8.279-4, 1998, p. 57, grifos nossos).

Quanto aos princípios que regem o monismo e o dualismo, retrata como precisa a posição de João Grandino Rodas a respeito das teorias que justificam as relações entre Direito Internacional Público e Direito jurídico doméstico, a saber:

É corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação. (ARCR 8.279-4, 1998, p. 58)

O que desperta maior atenção é o tema correspondente à definição do momento, ou seja, o marco inicial em que as normas internacionais se tornam obrigatórias no plano jurídico interno, cuja hipótese ultrapassa a discussão sobre os princípios que regem o monismo e o dualismo, porquanto é por intermédio da Constituição da República que se deve estabelecer a questão que cuida da vigência doméstica dos tratados internacionais.

Partindo dessa premissa tem-se que:

[...] o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção do íter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada). (ARCR 8.279-4, 1998, p. 58)

Conforme ensina Rezek (2005, p. 50), a ratificação do tratado internacional é ato indispensável para a incorporação do tratado internacional no direito brasileiro, verbis:

Ratificação é o ato unilateral com que a pessoa jurídica de direito internacional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se.

Mas não basta unicamente a ratificação para que a incorporação do tratado no sistema de Direito Interno seja levada a efeito. É imprescindível que haja a congruência das vontades autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujas deliberações individuais – embora necessárias – não se revelam suficientes, para isoladamente, gerarem a integração do texto convencional à ordem interna.

Para Rezek, a ratificação é o ato que exprime a confirmação do consentimento da vontade retratada no tratado e "[...] a ratificação se consuma pela comunicação formal à outra parte, ou ao depositário, no ânimo definitivo de ingressar no domínio jurídico do tratado" (op. cit., p. 55).

Consoante reconhecido nos fundamentos do acórdão antes citado, no sistema normativo brasileiro é na Constituição da República, e apenas nela, que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasileiro.

A execução e a incorporação dos tratados internacionais à ordem jurídica nacional, segundo o texto constitucional brasileiro, decorrem da conjugação das vontades individuais e homogêneas de cada um destes poderes: o Legislativo, por meio do Congresso Nacional, ao resolver, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre os tratados, acordos ou atos internacionais, conforme competência que lhe é conferida, de forma expressa, pelo art. 49, I, da Constituição Federal; e o Poder Executivo, representado pelo Chefe do Estado – o Presidente da República – conforme a competência que lhe é conferida por força do disposto no art. 84, VIII, da Carta republicana, para celebrar os citados atos de direito internacional e também promulgá-los mediante decreto.

São imprescindíveis a promulgação e a publicação, por ordem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil após a definitiva aprovação pelo Congresso Nacional, sob pena da absoluta ineficácia jurídica no plano doméstico.

Nesse sentido, leciona Rezek (op. cit., p. 40-41): "Um tratado regularmente concluído depende de sua publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário".

Depreende-se dos fundamentos do acórdão antes citado que o sistema adotado pelo direito brasileiro para efeito de incorporação dos tratados internacionais gerais e dos tratados de integração é similar, subordinando-os ao Direito Internacional Público clássico, que abriga as convenções, os tratados ou os acordos de integração celebrados no âmbito do Mercosul.

Sinaliza o acórdão que a aplicabilidade das normas internacionais, no âmbito do Direito Interno, se sujeita aos condicionamentos previstos no texto da Constituição da República, que, neste ponto, "[...] não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, no âmbito comunitário, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata" (REZEK, op. cit., p.64).

Não possuindo os tratados e as convenções internacionais aplicação imediata no Direito brasileiro, as suas cláusulas não podem ser invocadas pelas partes, Estados ou particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles encartados.

Nesse contexto, pode-se dizer que a omissão constitucional pode implicar entrave ao processo de integração, designadamente porque os tratados internacionais ficam a mercê do cumprimento de todas as etapas que antecedem à incorporação, quando apenas nesta ocasião passam a ter validade jurídica no plano interno e externo.

Por outro lado, quanto ao princípio da incorporação imediata dos tratados internacionais no Direito brasileiro, mesmo que estes decorram da integração, não é recepcionado pela Constituição brasileira e, segundo o acórdão citado,

Esse princípio – peculiar aos sistemas de integração comunitária – viabiliza a aplicabilidade imediata das normas de direito internacional, tornando prescindível, para esse efeito, a adoção de qualquer mecanismo formal destinado a promover a incorporação, ao ordenamento positivo de cada Estado nacional, das cláusulas constantes dos tratados internacionais. (ARCR 8.279-4, 1998, p. 66)

Dessa forma, a aplicabilidade do Direito Internacional Público clássico é realidade presente no Direito Interno brasileiro, aplicabilidade não superada com o surgimento dos tratados internacionais de caráter comunitário, que se submetem aos mesmos procedimentos clássicos reservados à recepção dos tratados internacionais em geral.

Contudo, a norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da nossa Carta Constitucional, que encerra conteúdo meramente programático, não tem o condão de desviar a trajetória que vem sendo adotada para a transposição dos tratados, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul para o seu Direito Interno.

Sob o ponto de vista técnico-jurídico, há autores, como é o caso de Rezek, citado pelo julgado que estamos a nos referir, que entendem que, no Mercosul, ainda não existe um verdadeiro Direito comunitário, uma vez que as convenções celebradas sob a égide do bloco e considerando o seu atual estágio de desenvolvimento institucional, qualificam-se "[...] como instrumentos regionais de direito internacional público, sujeitos, por tal específica razão, ao procedimento formal de prévia recepção estatal" (REZEK, op. cit., p.70-71).

É certo que a análise dos fundamentos exarados pelo acórdão, pela riqueza dos seus detalhes quanto à problemática que aqui se estuda, permitiu reforçar o entendimento quanto à ausência de enfrentamento pelo ordenamento constitucional brasileiro do tema relativo à incorporação dos atos internacionais, sobretudo ao não se consagrar qualquer solução que permita a recepção plena e automática das normas de Direito Internacional, mesmo daquelas que, elaboradas no contexto da experiência de integração, representam a expressão formal de um verdadeiro Direito Comunitário.

Como não há previsão expressa no texto constitucional brasileiro quanto à incorporação das normas internacionais ao Direito Interno, mesmo daquelas decorrentes de tratados de integração, prevalece a disposição geral de necessidade de conclusão de todo o procedimento formal de internalização dos atos normativos internacionais.

Segundo Aloísio Mercadante, citado por Nascimento (2004, p.70) a cadeia para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno - aprovação pelo Legislativo, ratificação pelo Executivo, promulgação e publicação – tem denominação de "Processualística dos atos internacionais".

A posição adotada pelo STF contou com críticas, entre as quais a de Magalhães: "[...] a Constituição, no entanto, não dispõe em qualquer artigo que os tratados, para terem vigência no país, dependem dessa providência – promulgação por meio de decreto do presidente da República – que a praxe consagrou, mas que não encontra suporte constitucional que a torne obrigatória" (NASCIMENTO, op. cit., p.71).

Segundo os que discordam do posicionamento do STF entendem que a Corte Suprema não poderia valer-se de expediente tão rigoroso e formalista fundado na ausência de promulgação do Protocolo de Medidas Cautelares.

Segundo defendem, esse Protocolo constitui-se em norma derivada do Mercosul e tem por finalidade contribuir com o processo de integração.

Os princípios da repartição dos poderes e do Estado democrático de direito consagrados pela Lei Maior do país – a Constituição da República Federativa do Brasil –, a qual consubstancia-se no instrumento da soberania popular, não podem ser mitigados, mesmo em prol dos avanços do processo de integração.

Assim, no direito brasileiro o mecanismo de transposição das normas emanadas dos órgãos do Mercosul e os tratados internacionais não se diferenciam entre si, mesmo sob a justificativa de beneficiar o processo de integração. Ambos submetem-se ao Direito Internacional Público clássico.

A lacuna do texto constitucional brasileiro que não sistematiza o mecanismo de recepção e integração dos tratados internacionais constitui entrave ao fortalecimento do processo de integração.

Por essa razão, outra solução não ocorre, senão a que implica a reforma do texto constitucional, de modo a torná-lo apto aos novos rumos tomados com base na internacionalização das relações comerciais e, mais ainda, no surgimento do Mercosul, que reclama revisão da ordem constitucional para que o seu texto seja harmonizado segundo os objetivos do bloco.

5.3 Dos efeitos da não-incorporação das normas do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais

Aqui a abordagem focará os efeitos gerados pela ausência de implementação dos destinatários – Estados membros – das normas emanadas dos órgãos do Mercosul. Para isso, os conceitos de Direito de Integração, Direito Comunitário, Direito Internacional e Direito Interno são exercitados no presente tópico de modo a haver melhor entendimento acerca do tema.

Com base nas lições de Motta (2006, p.288), pode-se dizer que os órgãos do Mercosul não produzem normas de Direito Comunitário, uma vez que esta espécie de produção normativa somente é conferida a instituições supranacionais que se verificam no Direito Comunitário, mediante o qual se determinam normas de aplicação direta e imediata, independendo de qualquer manifestação de aquiescência.

Essa afirmativa fundamenta-se no fato de que "[...] o conflito de normas aplicáveis aos Estados partes do Mercosul não se resolve por meio da aplicação de normas do Direito Comunitário, e sim por meio das normas de Direito Interno e do Direito Internacional".

Contudo, especificidades acerca dessa questão encontram-se retratadas no art. 40 do Protocolo de Ouro Preto, que estipula o procedimento para garantir a vigência simultânea, nos Estados membros, das normas emanadas dos órgãos do Mercosul que se deparam com dificuldades de cunho prático para a sua implementação pelos Estados partes.

Como antes se destacou, a problemática enfrentada é a ausência de instituição supranacional com atribuição e competência para fazer cumprir as normas emanadas do Mercosul e aplicar as sanções correspondentes em caso de seu descumprimento.

Não obstante tal fator e diante da ausência de previsão de prazos para a incorporação ao ordenamento jurídico doméstico dos Estados membros das normas derivadas dos órgãos do Mercosul, Nascimento (op. cit., p. 69) entende que deve ser observado um prazo "razoável" para o cumprimento dessa obrigação de fazer, sob pena de o Estado poder sofrer as sanções decorrentes do inadimplemento.

Embora essa autora não mencione qual seria o tempo desse prazo "razoável" que os Estados estariam submetidos para incorporar a norma derivada do Mercosul nos seus ordenamentos jurídicos, o Brasil restou condenado diante da ausência da implementação de norma emanada do Mercosul:

[...] o Brasil restou condenado pelo Tribunal ad hoc, constituído nos termos do Protocolo de Brasília, devido à reclamação apresentada pela Argentina, sobre obstáculos ao ingresso de produtos fitossanitários argentinos no mercado brasileiro, em razão da não-incorporação das seguintes Resoluções do Grupo Mercado Comum: 48/96; 87/96/; 149/96; 156/96 e 71/98, fato que impossibilitava a vigência de tais atos normativos no interior do Mercosul (NASCIMENTO, op. cit., p. 69)

E prossegue sustentando que a decisão foi proferida por unanimidade pelo Tribunal arbitral instalado em 27 de dezembro de 2001 na cidade de Assunção, fundamentada no descumprimento da obrigação imposta nos arts. 38 e 40 do Protocolo de Ouro Preto, diante da não-incorporação das citadas normas derivadas do Mercosul no Direito Interno brasileiro.

Determinou-se, assim, que essas resoluções fossem incorporadas à ordem jurídica interna brasileira, no prazo máximo de 120 dias contados a partir da data de notificação do laudo e adotadas todas as medidas para a expedição de normas internas que assegurassem a efetiva aplicação das resoluções.

Examinando-se o resultado da condenação, este denota que as resoluções do Mercosul configuram norma submetida ao Direito Internacional clássico, porque são desprovidas dos efeitos imediato e vinculante para os Estados membros e não há sanção, diferentemente das normas de Direito Comunitário, que se caracterizam pela sua eficácia e aplicabilidade imediata nos ordenamentos jurídicos nacionais, sem necessidade de ratificação pelos órgãos internos para a sua respectiva incorporação no ordenamento jurídico nacional.

Observe-se nesse sentido, as lições de Bacellar Filho, citado por Motta (2006, p. 285), ao diferenciar as normas de Direito Internacional daquelas derivadas do Direito Comunitário:

[...] as normas comunitárias separam-se drasticamente do direito internacional, já que ostentam uma gênesis similar às normas internas de cada Estado. Passam a derivar essas normas, não mais de tratados internacionais, mas dos próprios órgãos comunitários que exercem atribuições legislativas, executivas e judiciárias na dita comunidade, aplicando-se-as direta e imediatamente no território dos Estados membros, dispensando-se, inclusive, o exequatur dos governos de tais Estados.

Assim, as normas emanadas dos organismos do Mercosul devem ser incorporadas ao Direito dos Estados membros, porquanto a obrigatoriedade é a implementação.

Para Luiz Olavo Baptista, citado por Accioly (2003, p. 116), "Trata-se, de obrigação de meios: em preexistindo os instrumentos legislativos que o permitem, a sua aplicação é imediata. O Poder Executivo tem o dever legal e obrigacional, decorrentes do tratado, de implementá-las imediatamente, mediante decretos".

O desafio constitucional a ser superado perpassa pela adequação dos textos constitucionais dos Estados membros, de sorte a permitir que as normas emanadas sob a égide do Mercosul se sobreponham à ordem jurídica interna, por meio da incorporação imediata.

5.4 Dos tratados internacionais sobre direitos humanos – hierarquia no Direito Interno: uma abordagem segundo os textos constitucionais

O tema relativo aos direitos humanos não está diretamente ligado aos desafios a serem suplantados para o fortalecimento do processo de integração do Mercosul, cujos objetivos acentuam-se na formação de um mercado comum no âmbito da América do Sul, com ampliação para a América Latina.

Entretanto, esse tema deve merecer indispensável tratamento pelos Estados, que estão cada vez mais inseridos num mundo globalizado.

Nesse sentido são as lições de Pinard (1998, p. 67), professor argentino, verbis:

El Tratado de Asunción, concentrado en sus objetivos económicos, no prévia la necesidad del tratamento de este tema, tal como sucediera en el CEE. Sin embargo, a muy poco andar, ello fue previsto por el preâmbulo del reglamento de la Comisión Parlamentaria Conjunta que establece con claridad el propósito de ‘salvaguardar la paz, la liberdad, la democracia y la vigencia de los derechos humanos’.

Pela importância do tema, a maior parte dos textos constitucionais atribui distinções aos tratados internacionais de direitos humanos, apresentando considerável evolução acerca de seu tratamento no Direito Interno dos Estados membros, que os equiparam à Constituição.

As Constituições dos quatro Estados membros que ingressaram na origem do Mercosul guardam proteção aos princípios de direitos humanos.

Em relação ao tema da recepção e integração dos tratados internacionais a que se encontram submetidos os Estados membros, a análise do texto constitucional por certo elucidará o status conferido pelo ordenamento jurídico doméstico aos tratados relacionados aos direitos humanos.

O art. 142 da Constituição do Paraguai comporta interpretação sobre o assunto e do seu conteúdo pode-se depreender que os tratados internacionais sobre direitos humanos equiparam-se à Constituição, ao se prever que para a denúncia dos referidos tipos de tratados exige-se a observância dos mesmos procedimentos de emenda constitucional.

O art. 142 encerra regra especial - confere hierarquia constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos diferindo-os dos demais tratados. Os arts. 137 e 141 encerram regra geral e abrangem todos os demais tipos de tratados internacionais - possuem hierarquia inferior à Constituição e superior às leis internas.

Não diferente é o entendimento de Dallari (2003, p. 35) sobre a matéria, ao afirmar que as Constituições da Argentina e Paraguai "[...] têm em comum a concessão de tratamento diferenciado para os tratados internacionais sobre direitos humanos, atribuindo-lhes, de modo bastante explícito no caso argentino, o status de norma constitucional".

Para Dallari (op. cit., p. 35), essa perspectiva tende a reforçar o argumento dos intérpretes da Constituição do Brasil que identificam o mesmo propósito na formulação do § 2º do seu art. 5º, muito embora esse dispositivo não discipline a matéria sob perspectiva hierárquica. Esta perspectiva foi satisfeita a partir da EC 45/2004, que inseriu o parágrafo 3º no art. 5º da Constituição brasileira, conferindo hierarquia aos tratados internacionais sobre direitos humanos equivalente às emendas constitucionais.

A Constituição uruguaia não consagra nenhuma disposição específica em torno do tema da recepção e integração dos tratados internacionais de direitos humanos e, por conseguinte, não faz qualquer referência quanto à hierarquia ocupada por aqueles atos internacionais em face da legislação ordinária interna.

5.5 Da recente adesão da Venezuela como membro do Mercosul

5.5.1 Das questões em torno da adesão da Venezuela

O recente ingresso da Venezuela ao Mercosul foi efetivado com a aprovação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela em 16 de junho de 2006.

O referido texto deverá contar com a ratificação dos presidentes ou cônsules dos quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – e a posterior aprovação dos respectivos parlamentos, momento que poderão ser consideradas consolidadas formalmente todas as etapas para o ingresso pleno no bloco.

Por força do citado Protocolo, a Venezuela passa a se submeter aos mesmos direitos e obrigações a que os demais estados se obrigaram em relação ao Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto e Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias do bloco.

Ainda segundo esse protocolo, em 2010, o Brasil e a Argentina deixam de cobrar tarifas de importação sobre produtos venezuelanos, à exceção de uma lista de mercadorias sensíveis, e, em 2012, as exportações brasileiras e argentinas, exceto produtos sensíveis, entram com tarifa zero na Venezuela.

O Paraguai e o Uruguai terão facilidades: as tarifas já serão zeradas a partir de sua assinatura [23]. Estabeleceu-se, ainda, o prazo de até quatro anos para que a Venezuela se adapte às principais regras aduaneiras do Mercosul, como a adoção da TEC e todo o acervo normativo do bloco.

Para alguns comentaristas, esta adesão representa um marco histórico de ampliação do Mercosul. A Venezuela é o primeiro país que integra o bloco desde a criação do Mercosul, que se deu pelo Tratado de Assunção, assinado em 1991.

A inserção do país poderá corresponder à demarcação de um novo momento do bloco, que se inicia pela manifestação de interesse de outros países que a ele querem se unir, conforme já sinalizado por países como a Bolívia, o Chile e o México, além da perspectiva de inclusão da Colômbia, do Peru e do Equador, expandindo-se o bloco para toda a América Latina.

O presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, Carlos Alvarez (ex-vice-presidente da Argentina), segundo notícia extraída do jornal Los Tiempos [24], entende como importante a participação da Venezuela no bloco.

Estima o integrante da Comissão que esse país poderá contribuir para combater as assimetrias dentro do Mercosul e explica que não deveriam existir justificativas para que as legítimas reivindicações dos países de menores economias relativas, como o Paraguai e o Uruguai, não possam ser atendidas pelas três economias, como é o caso da Argentina, do Brasil e da Venezuela.

A adesão, além de representar novos desafios que podem contribuir com o fortalecimento da integração regional, poderá fazer com que estes países menores percam o interesse de subscrever tratados de livre comércio (TLC) com os Estados Unidos, que limitam as margens de autonomia dos Estados e por vezes conspiram contra o aperfeiçoamento da união aduaneira em que se encontra atualmente o Mercosul.

A esses argumentos, agrega Alvarez:

Con Venezuela, se incorpora la tercera economía de Sudamerica, el Mercosur pasa a representar 75% del producto bruto de esta región. Por primeira vez un país que tuve su área de influencia sobre todo en el Caribe y América Central, se entrelaza con el sur, conformando un espacio geoeconômico que va desde el Caribe hasta Tierra del Fuego, lo que permite ser más optimista en la conformación de la Comunidade Sudamerica de Naciones.

Por outro lado, a Venezuela é detentora de riquezas naturais e "El país caribeño posee las reservas petrolíferas más importantes del continente y las gasíferas más importantes de América del Sur" [25], recorda o funcionário do organismo.

A adesão da Venezuela ao Mercosul poderia ser suficiente para inspirar a confiança nos demais parceiros do bloco rumo à certeza do fortalecimento da integração regional, mas o que não deixa de suscitar reflexão é o perfil do governante daquele país que mesmo sob o regime democrático parece demonstrar pouca observância ao princípio da divisão dos poderes, mitigando-se o Legislativo e destacando-se o Executivo por ele representado.

Sob o discurso social-democrata o Presidente Hugo Chávez que se encontra em seu terceiro mandato promoveu a alteração constitucional em 1999 de modo a permitir a sua reeleição. Agora pretende nova modificação para permitir sucessivas e futuras reeleições pelo mesmo Presidente.

Por meio de recente assembléia realizada em praça pública do citado país, o Presidente Chávez recebeu amplos poderes para governar por decreto, durante o período de 18 meses. Essa concentração das decisões e dos destinos da Venezuela em um único homem se deu em áreas essenciais como economia, energia, defesa, entre outras.

O enfraquecimento da oposição que integra o Poder Legislativo não dificultaria a aprovação de projetos que viessem a ser apresentados pelo Presidente de modo que não necessitaria de poderes especiais para governar por decreto. Isso demonstra que a licença absoluta auferida representa não apenas uma questão de poder, mas é fundamental à demonstração de poder, o que define um Ditador Republicano.

A recente concretização dos objetivos do Presidente da Venezuela de obter amplos poderes para governar o país se deu em 31 de janeiro de 2007, quando lhe foram conferidos, pela Assembléia Nacional, realizada em Caracas, poderes jamais vistos em um Estado democrático de direito.

Esse mesmo intuito que agora restou aprovado, já havia sido objeto de votação pelo Legislativo venezuelano em 2005, ocasião em restou frustrado pela retirada da oposição do plenário sem votar o projeto.

Os representantes dos outros poderes da República, mormente o Legislativo, parecem não ter força para desempenhar seu papel com base no princípio da divisão de poderes, pelo qual cada poder deve ser soberano e independente entre si, segundo as competências conferidas pelo ordenamento constitucional. Assim, muitas atribuições do Legislativo ficam à mercê do Poder Executivo, representado pelo presidente Hugo Chávez.

Quanto à integração regional, a imprensa de Caracas semeia o discurso do governante, de que os objetivos do Mercosul caminham "rumo a la libertad de nuestros pueblos, ése es el camino" [26], cujo intuito idealista é seguido pelo ministro de Integração e Comércio Exterior, Gustavo Márquez, que, ao discursar, disse: "Vamos con el espíritu de promover la nueva integración, basada no solo en el libre comercio sino con una visión social, de complementación y solidaridad".

Há quem defenda que o discurso representa puramente caráter idealista alheios aos objetivos do Mercosul. De toda sorte não escapam de reflexão o fato de que o mais novo Estado membro do bloco é governado por um líder que parece amoldar-se mais ao perfil ditatorial do que propriamente democrático.

Portanto, essa característica do novo líder tem poder de voto como representante do novo membro pleno poderá influenciar os destinos da integração, mesmo que as decisões dos órgãos do Mercosul sejam intergovernamentais dependendo, portanto do consenso de todos os Estados.

Na medida em que as etapas do Mercosul (zona de livre-comércio, união aduaneira, mercado comum) vão sendo consolidadas os Estados deixam de exercer de forma independente e soberana, certas prerrogativas até então exercidas no âmbito nacional como forma de avançar no processo de integração em que todos passam auferir ganhos.

Os destinos do bloco, dada a característica intergovernamental das decisões dos órgãos do Mercosul por certo não estariam ameaçados apenas pela mera adesão de um membro pleno conduzido por um líder com perfil ditatorial.

Entretanto, é importante que a existência de um sistema jurídico comunitário preceda de princípios firmados em bases que privilegie a lealdade, a solidariedade, a reciprocidade, entre outros.

A criação de atribuições e competências deverá assegurar a transparência dos objetivos do Mercosul, de modo que a condução do bloco não seja influenciada unicamente por um determinado país ou líder que tenha puramente propósitos idealistas que possam não representar os objetivos do bloco.

É de se lembrar que o líder do novo membro tem exercido grandes influências sobre outros países como é o caso da Nicarágua, Equador e Cuba, os quais poderão vir a integrar no futuro o bloco.

Alia-se a essa realidade a pressão que esse novo integrante poderá vir a exercer sobre os demais parceiros ao utilizar-se como ferramenta de negociação as riquezas naturais, como o petróleo e o gás natural de que é detentora a Venezuela.

Essas são, no entanto apenas reflexões de ordem política sobre os destinos da integração regional a partir da adesão do novo membro ao bloco e a expectativa de virem outras, cuja agregação sob outro prisma de análise certamente levará o fortalecimento do bloco, sobretudo nas negociações bilaterais ou multilaterais a serem firmadas com terceiros países ou organizações internacionais.

Os propósitos do bloco não podem ser desvirtuados em prol de interesses idealistas ou interesses políticos individuais dos governantes, sobretudo quando entre os anseios do Mercosul está a busca da integração regional sob o trilho da democracia rumo ao mercado comum.

5.5.2 Dos aspectos constitucionais da Venezuela diante do processo de integração

O presente estudo em relação à Venezuela se justifica pela sua recente inclusão como novo membro do Mercosul e o seu compromisso quanto à adequação da legislação interna, assumido no Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela.

Analisar-se-á a ordem internacional da Constituição da Venezuela, como o foram os textos dos primeiros quatro Estados membro do bloco, mesmo que a implementação, por esse país, da obrigação de promover as adaptações da legislação interna, segundo os objetivos do bloco, ainda esteja sujeita ao transcurso do prazo de até quatro anos, que se encerra em 2010.

A escassez de doutrina sobre o processo de integração da Venezuela ao bloco é evidente, pela sua recente adesão ao bloco, mas, por outro lado, a análise da Constituição da Venezuela poderá contribuir com o resultado do debate, designadamente por ter este país convivendo com o modelo supranacional da Comunidade Andina (CAN), já que ele a integrou.

A Constituição da República Bolivariana da Venezuela, promulgada em 30 de dezembro de 1999, prescreve disposições favoráveis ao processo de integração dos povos, no sentido de consolidar a integração latino-americana de acordo com o princípio da não-intervenção e autodeterminação de seus povos.

Essas disposições favoráveis, tendentes a impulsionar a integração regional, receberam especial atenção num único dispositivo, o art. 153, que disciplina as questões relacionadas ao processo de integração. Esse artigo será analisado segundo cada tema nele contemplado.

O seu preâmbulo não deixa dúvida quanto ao interesse integrativo regional, verbis:

Artículo 153. La República promoverá y favorecerá la integración latinoamericana y caribeña, en aras del avance hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los interéses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región.

Na seqüência autoriza a formalização de tratados internacionais, ao especificar que:

La República podrá suscribir tratados internacionales que conjuguem y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuetras naciones, y que aseguren el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes.

Em relação à supranacionalidade, prevê a possibilidade de tratados internacionais atribuírem a organizações supranacionais o exercício das competências necessárias para levar a termo os processos de integração, verbis:

Para estos finos, la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de las competências necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración.

Ao explicar as políticas de integração e união com a América Latina e o Caribe, destaca:

Dentro de las políticas de integración y unión con Latinoamérica y el Caribe, la República privilegiará relaciones con iberoamérica, procurando que sea una política común de toda nuestra América Latina.

A parte final desse artigo 153 da Constituição da Venezuela admite a supremacia das normas de integração, especificando que as mesmas serão consideradas parte integrante do ordenamento jurídico nacional e terão aplicação direta e preferente sobre a legislação interna:

Las normas que se adopten en el marco de los acuerdos de integración serán consideradas parte integrante del ordenamiento legal vigente y de aplicación directa y preferente a la legislación interna.

Sobre o tema da hierarquia que as normas e os tratados de integração ocupam no ordenamento jurídico nacional, este dispositivo induz ao entendimento de que ocupam posição superior à própria constituição, aqui genericamente tratada mediante a expressão "legislación interna", que compreende a Constituição.

Assim, além da autorização para cessão de parte da soberania interna às instituições supranacionais, o texto constitucional reconhece a supremacia que exercem as normas delas emanadas, pois permite a aplicação direta e preferente das disposições comunitárias no âmbito do Direito Interno do país.

Consolida, portanto, a aceitação do princípio da aplicação direta e imediata das normas dos órgãos de integração.

A aprovação dos tratados e convenções internacionais é atribuição do Poder Legislativo, conforme art. 186, item 18, da Constituição venezuelana.

Já o art. 236 confere atribuição e obrigação presidencial para dirigir as relações exteriores do país e celebrar e ratificar os tratados, convênios e acordos internacionais.

A especificidade do texto constitucional da Venezuela em relação ao processo de integração, se comparado com os textos dos outros quatro países que integram o Mercosul, certamente se deve ao fato de que aquele país conviveu com o modelo supranacional adotado pela CAN [27].

Essa especificidade surgiu por força de alterações ocorridas em 1999, que vieram dar conformidade à estrutura institucional de caráter supranacional, criada pelo Acordo de Cartagena. As alterações produzidas no citado texto constitucional acabaram por resolver demandas internas geradas em razão do tema da incorporação das normas comunitárias.

Não obstante essas disposições favoráveis à integração, há possibilidade de entraves no texto constitucional, como o que foi invocado pelo ministro da Integração e Comércio Exterior da Venezuela, Gustavo Márquez, ao negar a possibilidade de se firmarem acordos interbloco no âmbito da agricultura. Confira-se:

[...] no puede haber acuerdos por encima de la Constitucion y la soberania, y la carta magna es muy clara en el sentido de que el Estado debe garantizar soberanías alimentaria, productiva, y el desarrollo rural y el consumo" [28].

Quanto aos demais aspectos antes examinados, verifica-se que a Constituição da Venezuela é um dos ordenamentos constitucionais mais avançados do Mercosul, o que constitui facilitador ao processo de integração.

5.5.3 Intergovernamentalidade e Supranacionalidade – origem e efeitos: o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN)

Como visto, os Estados membros do Mercosul devem submeter-se às decisões emanadas dos órgãos do bloco. Conforme o modelo intergovernamental adotado a referida submissão não leva à sua incorporação imediata no direito interno.

Tivesse sido adotado o modelo supranacional, a aplicação e a incorporação do ordenamento normativo do bloco dar-se-ia de forma direta e imediata no Direito doméstico, em razão do princípio da supremacia das normas do bloco sobre o Direito nacional.

É certo que a não-adoção desse modelo resultou na ausência de instituições supranacionais no âmbito do Mercosul, o que poderá ter influenciado nos avanços do processo de integração.

Mas é certo também que sua adoção exigiria o prévio reconhecimento de um sistema jurídico comunitário pelo texto constitucional de cada Estado membro, e nem todas as Constituições estavam adequadas à adoção do modelo supranacional.

Obregón entende que as instituições supranacionais deveriam ter sido criadas pelo próprio Protocolo de Ouro Preto, que criou a estrutura intergovernamental do Mercosul. Confira-se o que diz o autor:

O Protocolo de Ouro Preto deveria ter criado uma estrutura institucional supranacional, com pelo menos três órgãos principais, com estruturas bem definidas, quais sejam: Parlamento, Tribunal de Justiça e Banco Central do Mercosul (2004, p. 71).

Todavia, discordamos desse entendimento posto que a criação de uma estrutura institucional supranacional por ocasião do Protocolo de Ouro Preto acarretaria afronta ao texto constitucional do Brasil e do Uruguai, cujos Estados membros não continham dispositivos que admitissem a existência de organismos supranacionais e tampouco reconhecem a existência de um sistema jurídico comunitário. Essa omissão constitucional persiste até os dias atuais.

Assim, se o protocolo tivesse criado órgãos de caráter supra-estatal, a incorporação do ordenamento jurídico comunitário ao direito interno poderia não se convalidar no âmbito dos citados Estados, sob o argumento de que as mesmas estariam afrontando o texto constitucional que ainda não teria assimilado a nova realidade.

Exemplifica essa questão, a problemática enfrentada pela CAN, que concebeu, desde a sua criação, em 1969, o modelo supranacional, sem a prévia outorga constitucional dos países que integravam aquela comunidade.

Segundo o texto constitucional da Venezuela de 1961, as decisões da comunidade requeriam aprovação legislativa quando modificavam leis e regulavam temas de reserva legal do país, sendo que o mesmo não contemplava dispositivo de reconhecimento do sistema jurídico supranacional.

Porém, segundo Capriles (2004, p. 6), o então presidente Carlos Andrés Pérez, para trazer avanços ao processo de integração andino, decidiu em 1991 aplicar diretamente as decisões andinas sem contar com a prévia aprovação legislativa.

Exemplifica o autor que uma das primeiras decisões aplicadas ao Direito interno da Venezuela diz respeito à reforma do regime de propriedade industrial, especialmente quanto às patentes. Isso gerou demanda das empresas farmacêuticas nacionais na Corte Suprema de Justiça, alegando a nulidade de aplicação direta da norma andina em razão da sua inconstitucionalidade.

Essa demanda introduziu elemento de profunda incerteza no país. A aplicação direta do ordenamento comunitário em todas as áreas somente foi decidida após o advento da reforma constitucional de 1999, quando o Tribunal Supremo de Justiça pode declarar sem lugar a demanda haja vista as alterações constitucionais introduzidas na Constituição da República Bolivariana da Venezuela sobre o assunto.

A problemática restou afastada no âmbito da Venezuela, mas persiste nos Estados membros da CAN que não promoveram alterações constitucionais que admitam a existência de instituições supranacionais, como inserido no tratado constitutivo dessa comunidade.

Capriles agora corrobora nosso entendimento antes enfatizado e aponta uma série de problemas relativos à constitucionalidade do processo de integração, a saber:

El primer problema que debió enfrentarse fue el relativo a la constitucionalidad de los procesos de integración, especialmente de procesos como el andino, basados en la supranacionalidad, esto es, en el concepto de que, por virtud de la aprobación y ratificación del tratado de integración, se produce una transferência de atribuiciones a las organizaciones comunitárias, de las que deviene el que las normas que éstas aprueben son de aplicación directa y preferente sobre las normas internas de todos los Países Miembros. (p.3)

Capriles (op. cit., p. 5) diz que as Constituições de alguns países membros da comunidade andina, como o Equador, a Venezuela e a Colômbia, claramente consagram e reconhecem instituições supranacionais. No caso da Venezuela, o texto constitucional chega a especificar a aplicação direta e preferencial das disposições de caráter comunitário.

Em contraste com essa situação, a Bolívia e o Peru não contemplam em seus textos qualquer referência sobre o reconhecimento de um sistema jurídico supranacional e nem prevêem a possibilidade de aplicação direta e preferente das normas aprovadas pelos órgãos comunitários. Pelo contrário, as constituições destes países, em matéria de integração, apenas tangenciam o assunto.

Em face dessa ausência de adequação constitucional, esse autor aponta outra problemática, e de maior complexidade, que decorre da constitucionalidade das atribuições. Confira-se:

[...] do Tribunal Andino de Justiça, que interpreta las normas comunitárias de manera obligatoria para los Tribunales nacionales ante los cuales no hay outra instancia, como ocurre, por ejemplo, con los Tribunales y Cortes Supremas de los Países Miembros. (p.7)

A citada atribuição do Tribunal Andino de Justiça é considerada contrária ao direito daqueles que se vêem julgados pelos juizes naturais, assim como contraria as disposições constitucionais que colocam o Tribunal – a Corte Suprema – como esfera maior do Poder Judiciário no âmbito interno do país.

Finalizando, o autor sustenta que nenhuma das Constituições dos países que integram a CAN ampara expressamente esta atribuição, razão pela qual está subordinada à jurisprudência de cada país.

Essa observação nos remete à reflexão, em âmbito do Mercosul, de que, se as Constituições dos países que formam este bloco admitissem, de forma expressa, uma ordem jurídica supranacional e aceitassem o princípio da incorporação, direta e imediata, da ordem normativa supranacional ao seu Direito doméstico, ainda assim haveria a necessidade de harmonizar as competências internas em relação às novas competências que viessem a ser assumidas pelos órgãos supranacionais.

É certo que o Tribunal de Justiça supranacional em regra não se incumbe do Direito interno, cabendo-lhe decidir segundo o Direito Comunitário. Aos Tribunais Nacionais cabe a aplicação do Direito Comunitário, do que se extrai que a construção de uma ordem jurídica comunitária poderá acarretar ampliação das competências dos Tribunais nacionais.

Essa questão das atribuições é cuidada por ocasião da criação do sistema jurídico comunitário.

Conclui-se que na ocasião da assinatura do Tratado de Assunção outro modelo, que não o intergovernamental, poderia ter sido adotado pelo Mercosul, haja vista que, até os dias atuais, nem todas as Cartas Constitucionais dos Estados membros encontram-se conformadas ao estabelecimento do modelo supranacional, que se parece amoldar melhor ao processo integração.

Entretanto, não se pode deixar de levantar algumas reflexões que despertam a curiosidade, como a falta de clareza e especificidade do Tratado de Assunção acerca do compromisso que assumiram os Estados membros para promoverem a harmonização das suas legislações.

Surgem então as seguintes indagações: a) no que se constituiria a harmonização proclamada naquele Tratado? b) em que aspectos a legislação interna mereceria de ajustes? c) não houve qualquer compromisso em torno do reconhecimento de um ordenamento jurídico supranacional, mesmo como perspectiva futura, após as Constituições regularem a matéria.

Com a perspectiva de novos países aderirem ao Mercosul, ressurgem acentuados debates em torno dos interesses econômicos e políticos que cercam o bloco. No entanto, assiste-se a essa realidade sem a efetiva participação no debate dessa problemática dos diferentes Poderes e setores da sociedade que integram o Brasil, o que poderá estar ocorrendo com os demais parceiros do bloco.

A sensação é de que a integração é assunto restrito aos chefes do Executivo de cada país, conforme se viu no recente evento da cúpula do Mercosul que reuniu os presidentes dos países que formam o bloco. Nesse evento, a discussão não ultrapassou interesses de natureza econômica e política e, segundo alguns, atingiu contornos ideológicos baseados em manifestação do Presidente do novo integrante do bloco – a Venezuela.

É certo que os órgãos do Mercosul, mesmo por intermédio de grupos de trabalho, reúnem-se a partir de agenda prévia para levar questões ao debate e propor soluções que envolvem os Estados membros.

No entanto, pouco efeito prático possui esses grupos, se os entraves constitucionais apontados no decorrer deste estudo não passarem por amplo debate interno nos países que carecem de reformas constitucionais, sem as quais dificilmente será possível a implementação de medidas tendentes a solidificar a integração regional, que seja mais eficiente e favorável à circulação de riquezas e à erradicação da pobreza.

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Sobre a autora
Beatriz Engelmann

advogada, consultora jurídica de empresa pública federal em Brasília (DF), pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, pós-graduanda em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ENGELMANN, Beatriz. Mercosul: os desafios constitucionais do processo de integração regional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1537, 16 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10398. Acesso em: 25 abr. 2024.

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