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A contradição entre o direito ao silêncio e a aceitação do acordo de não persecução penal

15/05/2023 às 16:23
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O artigo apresenta a contradição do complexo sistema jurídico-penal brasileiro, cujas normas e princípios se conflitam no caso de condicionar a confissão da prática de crime à aceitação do acordo de não persecução penal.

Preliminarmente, convém destacar que persecução penal não é sinônimo de ação penal, pois esta começa com o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público, visto que a denúncia é a peça inicial necessária para deflagrar uma ação penal pública, destarte, por óbvio, o acordo previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal existe justamente para evitar uma ação penal, e não a persecução penal.

Frise-se que, caso seja aceito e cumprido o mencionado acordo pelo autor do fato, o Ministério Público não oferecerá a denúncia, evitando-se uma ação penal, por outro lado, a persecução penal já foi deflagrada com a investigação criminal a partir da prática do delito, quando nasce o direito de punir para o Estado, sem falar que a persecução penal engloba todas as fases desde a investigação até a execução penal, então, o acordo não evita a persecução penal que já está em andamento no ato do acordo.

Um dos requisitos exigidos para se materializar o acordo é a confissão do autor do fato, ou seja, mesmo que tenha exercido perante a autoridade policial o direito ao silêncio, que pode ser exercido também perante a autoridade judicial, o autor da infração penal deverá confessar o crime perante o representante do Ministério Público, se quiser aceitar o acordo. Aqui reside a contradição entre a confissão exigida para aceitação do acordo sobredito e o direito constitucional ao silêncio, previsto expressamente na Constituição e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, respectivamente, no art. 5º, LXIII: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado” e no art. 8. 2. g: “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Perceba que não pode uma norma hierarquicamente inferior à Constituição, no caso, o Código de Processo Penal, condicionar a confissão da prática de um crime à aceitação do acordo em comento, haja vista o direito de permanecer em silêncio poder ser exercido perante o Juízo de Direito, sem nenhum prejuízo para o autor do fato, ou seja, em uma fase mais avançada da persecução penal, que é a audiência de instrução e julgamento, na fase judicial, o acusado pode ficar calado e não responder as perguntas concernentes ao fato, por força do princípio do nemo tenetur se detegere.

Ademais, o ANPP, como é conhecido o acordo de não persecução penal, é um instituto de natureza mista, penal e processual, que permite ao indiciado confessar o cometimento do crime e sofrer as sanções propostas pelo Ministério Público, possibilitando, assim, uma solução negociada no processo penal, é a chamada justiça negociada, pela qual o investigado confessa o delito, submete-se às condições do acordo e, após o cumprimento, tem extinta a sua punibilidade.

Ressalte-se que o ANPP é proposto pelo Ministério Público no caso de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena inferior a 4 (quatro) anos, então, se o indiciado preencher os requisitos e quiser aceitar o acordo, tem que confessar formal e circunstancialmente a prática do crime.

Portanto, o complexo sistema jurídico-penal brasileiro apresenta essa contradição, pois se o indiciado quiser aceitar o acordo proposto pelo Ministério Público, é obrigado a confessar a prática do crime, mesmo que tenha exercido o direito ao silêncio perante a autoridade policial.

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Sobre o autor
Paulo César da Silva Melo

alagoano de Arapiraca, casado, pai de 4 filhas, servidor público desde 2000, policial civil desde 2002, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), escritor de artigos jurídicos, aprovado no XIV exame nacional da OAB, apto à advocacia desde 2014, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), pós-graduando em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela UNEAL, com capacitações na área de segurança pública pelo Ministério da Justiça, pesquisador das ciências criminais, professor de direito em cursos preparatórios e eterno aprendiz.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Paulo César Silva. A contradição entre o direito ao silêncio e a aceitação do acordo de não persecução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7257, 15 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103995. Acesso em: 30 abr. 2024.

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