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Agências executivas e contratos de gestão.

A possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira deve ficar restrita apenas às autarquias e fundações?

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18/09/2007 às 00:00
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Órgãos da administração direta, empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenhem serviços/atividades exclusivas do Estado podem ser qualificados como agência executiva.

"Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é este?" (Renato Russo)


Introdução.

A Crise do Estado ocupou a pauta central das decisões políticas na década de 90, conduzindo a uma ampla Reforma do Aparelho do Estado, com o objetivo de disponibilizar para a sociedade brasileira uma administração pública mais equilibrada e eficiente, aumentando a capacidade governamental de definir e implementar políticas públicas sem comprometimento de suas finanças.

O presente artigo tem por objeto a análise crítica da necessidade de revisão do instituto das Agências Executivas no âmbito da administração pública, mediante a adoção deste moderno arranjo institucional para órgãos ou entidades administrativas de qualquer natureza, de modo consentâneo com a previsão constitucional dos contratos de gestão (§8º, art. 37).


A Reforma do Aparelho do Estado.

Para uma compreensão do tema – Agências Executivas – é necessária uma contextualização prévia do processo de Reforma do Aparelho do Estado, a fim de verificar em que medida este instituto pode vir a ser aperfeiçoado, em continuidade ao processo de modernização do Estado iniciado na década de 90.

Conquanto tenha sido desencadeada no início dos anos 70, com os choques do petróleo (1973 e 1979), o explosivo endividamento externo, a desaceleração econômica e a hipérbole inflacionária, a Crise do Estado somente passa a mostrar os seus efeitos negativos na década de 80 (BRESSER-PEREIRA, 2003), quando a máquina estatal perde a sua capacidade de atuar como locomotiva do desenvolvimento econômico em razão dos aspectos fiscais da crise, do esgotamento da estratégia de substituição de importações, de distorções do modelo desenvolvimentista, criadas por setores interessados em auferir vantagens com o sistema intervencionista (rent-seekers), além da dificuldade estatal em acompanhar as crescentes inovações tecnológicas e do recrudescimento da competição entre mercados em nível global (globalização).

Todo momento de crise pode ser também um momento prenhe de oportunidades [01] e profícuo para mudanças de paradigmas. Deste momento de crise na década de 90, a sociedade brasileira alcançou duas das suas maiores conquistas no campo da gestão pública: a valorização da Gestão Fiscal Responsável e a Reforma do Aparelho do Estado.

No processo dialético do embate de posicionamentos travados naquela época parece ter restado um consenso [02] no sentido de que a resposta ideal para a crise do Estado Intervencionista do Bem-Estar não era o Estado Mínimo Neoliberal, mas sim um modelo de Estado em que o seu papel e tamanho fossem adequados para o atendimento das crescentes demandas sociais sem comprometimento do equilíbrio fiscal, de modo a assegurar a continuidade das políticas públicas e da capacidade de investimento estatal.

A solução para Crise do Estado não era ignorar a crise ou promover uma radical redução do tamanho do Estado, mas sim a maximização do aparato estatal (ajuste de tamanho e fortalecimento de sua capacidade gerencial). A resposta ideal para um Estado Intervencionista não é o "absentismo estatal", mas sim a adequação do seu tamanho e do seu papel para o aumento de sua capacidade de governar, implementar leis e políticas públicas (governança).

Em reação à crise, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, tendo como principal ideólogo o Ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, como resposta à proposição neoliberal do Estado Mínimo, por entender que os motivos da crise residiam em três pontos básicos (BRASIL, 1995a): a crise fiscal, os evidentes sinais de fadiga do modelo intervencionista de desenvolvimento e a inadequação do modelo burocrático de administração pública para atender às crescentes demandas da sociedade (BRASIL, 1995b, p. 10-11).

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado preconizava a necessidade de superação do modelo burocrático de administração pública, com a implementação de instrumentos gerenciais na condução da atividade administrativa estatal, considerando a necessidade de reformulação do controle da atuação governamental, pugnando no sentido de que, paralelamente aos mecanismos tradicionais de controle prévio dos meios de atuação da máquina administrativa, deveriam ser implementados mecanismos de controle a posteriori da atividade pública, ou seja, avaliação de resultados das políticas públicas.


Administração Gerencial.

Como reação direta ao patrimonialismo na condução da coisa pública (res publica) e às suas mazelas históricas (autoritarismo, clientelismo, nepotismo, corrupção e demais formas de apropriação privada da coisa pública), o Estado Liberal Moderno adotou um sistema mais racional e democrático de administração, sintetizada no pensamento do sociólogo alemão Max Weber (administração pública burocrática), que propugnava pela estrita legalidade, formalização dos atos, minuciosa divisão de competências, impessoalidade, hierarquização e meritocracia.

A administração pública burocrática teve como mérito principal a racionalização e profissionalização da atividade administrativa, introduzindo instrumentos de controle da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade dos atos públicos, instituindo, por exemplo, a obrigatoriedade do concurso público para ingresso no serviço público, a licitação para as compras/alienações estatais e o devido processo administrativo.

Não obstante os seus inequívocos aspectos positivos, o caráter de auto-referência da administração burocrática conduziu ao desvirtuamento do modelo weberiano, com a verificação de disfunções (excessivo engessamento da máquina burocrática, na desmesurada exigência de formulários, selos, carimbos, no acúmulo irracional de papel e dificuldades em "customizar" soluções às múltiplas e diversificadas demandas dos cidadãos, em razão da rígida padronização do atendimento) [03]. Conforme arguta análise formulada em meio à Crise do Estado (RIBEIRO, p. 81) "As chamadas máquinas estatais adquiriram dimensões descomunais, são hoje verdadeiros mamutes burocráticos que muitas vezes a própria administração pública não conhece direito, como no caso do Brasil".

A administração pública burocrática, conquanto tenha tido o incontestável mérito de tentar combater as mazelas do sistema patrimonialista (nepotismo, clientelismo, corrupção, etc.), não se mostrou capaz de, por si só, dar conta do aumento da pressão da sociedade por uma maior oferta de serviços públicos de qualidade, pois o excesso de controles formais não permitia a avaliação dos resultados alcançados, mas sim o mero controle dos meios, conduzindo à constatação de que este excesso de controle não significa, de forma necessária, uma melhoria dos serviços públicos e dos resultados das políticas públicas.

O crescimento da demanda da sociedade por serviços públicos mais eficientes e de maior qualidade, bem como o aperfeiçoamento das instituições democráticas e o aumento dos canais legítimos de participação popular impõem uma administração pública que atue impulsionada pela necessidade de obtenção de resultados, mediante a superação de alguns dos paradigmas da administração pública burocrática [04].

Na medida em que o cidadão passa a ser identificado como destinatário final dos serviços estatais (invertendo-se uma suposta relação de vassalagem entre o cidadão e o Estado, sendo aquele considerado a ultima ratio deste), a administração pública necessita se utilizar de instrumentos e práticas de nítida inspiração na gestão empresarial (descentralização decisória, flexibilidade, inovação, etc.), contrapondo-se aos rigores típicos da administração burocrática, sem, contudo, abandonar os avanços históricos oriundos do racionalimo weberiano (legalidade, impessoalidade, moralidade, etc.).

Para um salto de qualidade na oferta de serviços públicos à sociedade, que, em última análise, custeia o funcionamento do aparato estatal, há a necessidade de deslocar a ênfase do controle dos procedimentos (meios) para os resultados (fins), ou seja, a prestação de serviços de qualidade aos cidadãos, com níveis crescentes de eficiência (redução de custos com ampliação da oferta e da qualidade dos serviços públicos).

Neste cenário, emerge a Administração Pública Gerencial visando reformular o controle na atividade administrativa, deslocado o seu enfoque dos meios (processos) para os fins (resultados), visando o aumento da satisfação dos usuários e dos níveis de eficiência, com base nas experiências anglo-americana do managerialism, consumerism e public service orientation, bem como no receituário contido na obra Reinventando o Governo (Osborne & Gaebler, 1994), um best-seller no campo da Nova Gestão Pública.

Não se ignora a importância dos mecanismos de controle prévio da atividade estatal, porém não se olvida que o excesso de controle não conduz, por si só e necessariamente, a um aumento da eficiência da atuação estatal, podendo, na maioria das vezes, redundar em simples "ineficiência controlada" e não em um efetivo "controle de eficiência".

A reformulação do enfoque do controle na atividade estatal, o aumento da autonomia dos gestores públicos sobre os meios e recursos postos à sua disposição para movimentar a máquina administrativa e a existência mecanismos efetivos de controle de resultados das políticas públicas, são os pontos cruciais para a implementação de uma administração pública verdadeiramente gerencial, ágil e eficiente.


A Lógica da Reforma do Aparelho do Estado.

A Reforma do Aparelho do Estado criou institutos jurídicos novos para dotar a administração pública de instituições mais adequadas a dar conta aos desafios que se impõem ao setor estatal, sendo necessária uma análise das premissas básicas do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado para entender a finalidade e o campo de atuação de cada um destes modernos arranjos institucionais.

Para este efeito, o Plano Diretor da Reforma (BRASIL, 1995a, p. 42-43) concebeu a existência de quatro setores no Aparelho do Estado, a fim de responder a questionamentos sobre que atividades devem ser desempenhadas pelo setor estatal, quais devem ser transferidas para o setor público não-estatal e quais devem ser transferidas para o setor privado, bem como que instituições devem ser criadas para que o alcance de cada um dos objetivos da reforma, quais sejam: (1) núcleo estratégico (corresponde diretamente ao exercício dos Três Poderes e o Ministério Público, situando-se na esfera das decisões políticas fundamentais), (2) serviços/atividades exclusivas (somente podem ser prestadas pelo Estado, sendo, por essência, atividade estatais, nas quais o Estado exerce o seu poder extroverso - ex. tributação, policiamento, regulação, fiscalização, fomento, etc.); (3) serviços não exclusivos (atividades em que existe um interesse público subjacente que legitima a atuação estatal, porém sem eliminar a possibilidade de que estes serviços sejam desempenhados por prestadores privados - saúde, educação, cultura, pesquisa, preservação ambiental, desporto, etc.); e, (4) produção de bens e serviços para o mercado (hipóteses excepcionais em que é legítima a exploração direta de atividade econômica pelo Estado – imperativo da segurança nacional ou relevante interesse coletivo – por se tratar de atividades que, em princípio, devem ser realizadas pelo mercado, segundo os princípios da iniciativa privada e da livre concorrência).

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O Plano Diretor da Reforma (BRASIL, 1995a, p. 40-44) concebeu estes setores estatais para evidenciar a forma de propriedade necessária para o desempenho de suas funções e a forma de gestão que deve ser empregada, a fim de atender às peculiaridades de cada uma destas esferas de atuação.

Em relação ao setor de atividades e serviços exclusivos do Estado, o Plano Diretor da Reforma idealizou um modelo de gestão que fosse mais consentâneo com as exigências de eficiência que marcam este setor (qualidade dos serviços e dos gastos públicos), propugnado pela necessidade da implementação de uma administração gerencial. Para pôr em prática esta estratégia, o MARE concebeu a criação de agências autônomas, ou seja, de corpos estatais com maior autonomia gerencial, administradas segundo um contrato de gestão (compromisso de resultados), com substituição da rigidez burocrática dos controles a priori pela concepção gerencialista de controles a posteriori de resultados pelo núcleo estratégico. Esta modalidade de controle, segundo Meirelles (1996, p. 576), tem a característica de controle finalístico de entidades autônomas.

O principal marco legal da Reforma do Aparelho do Estado é a Emenda Constitucional nº 19/98, que alçou o princípio da eficiência a princípio explícito da administração pública, passando a atuação estatal a ser analisada sob os prismas dos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e da eficiência (MODESTO, 2005b) [05]. Além disso, a aludida Emenda Constitucional possibilitou a ampliação da autonomia de órgãos e entidades mediante contrato de gestão, conferindo aplicabilidade às agências autônomas concebidas pelo MARE.

A implantação de instrumentos e institutos preconizados pela administração pública gerencial é um dos vetores que direcionaram a Reforma do Aparelho do Estado, trazendo importantes inovações para o campo da gestão pública: o contrato de gestão, as organizações sociais, as agências reguladoras, as agências executivas, o uso intensivo de tecnologia da informação, a criação de carreiras próprias de Estado na área de formulação de políticas públicas e gestão governamental, além de uma completa revisão de competências e estruturas dos órgãos e entidades da administração pública.


Modelos Institucionais Criados pela Reforma do Aparelho do Estado.

Dentre as principais instituições jurídicas criadas pela Reforma do Aparelho do Estado se destacam as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), as Agências Reguladoras e as Agências Executivas.

Cada um desses arranjos institucionais tem um campo de atuação próprio, que varia de acordo com a sua finalidade e o setor de atuação estatal em que se encontra inserido, de acordo com as diretrizes traçadas pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Visando racionalizar a máquina estatal, o Plano Diretor da Reforma delimitou o campo de atuação de cada um dos setores do Estado, dos Poderes Públicos, dos órgãos administrativos, das entidades administrativas, das organizações e das empresas estatais (BRASIL, 1995a):

Setores do Estado

Núcleo Estratégico

Atividades Exclusivas

Serviços não exclusivos

Produção para o mercado

Três poderes

Ministério Público

Administração Direta

Administração Indireta

Organizações Estatais Organizações Privadas Empresas Públicas Sociedade economia mista
Agências reguladoras Agências Executivas Agências reguladoras Agências Executivas Organizações sociais OSCIP´s

Figura 01 – Campo de Atuação das OS, OSCIP e Agências

Seguindo as premissas do Plano Diretor da Reforma já existem implementadas em todo País, tanto na esfera da administração federal quanto estadual, organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e agências reguladoras, sendo que em relação às agências executivas as iniciativas ainda são um tanto quanto tímidas, frente às potencialidades deste arranjo institucional nitidamente gerencial para o aumento da governança.

Ao contrário das agências reguladoras, que proliferaram em virtude das privatizações de setores de grande importância econômica, as administrações públicas brasileiras parecem não ter se apercebido da importância das Agências Executivas como instrumento de modernização da gestão pública, criando uma espécie de "autismo" entre o aparato institucional existente, que ainda segue os rígidos princípios burocráticos (excesso de controles e pouca, ou nenhuma, avaliação de desempenho) e o discurso gerencialista em voga.

A despeito da implementação dos dois arranjos institucionais mais conhecidos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Organizações Sociais e Agências Reguladoras) no âmbito da administração pública ainda não foi consolidado o modelo Agências Executivas [06], embora sejam expressamente contempladas no Plano Estratégico do Estado (PPA 2004/2007) [07].

A implantação de agências executivas na administração pública, antes de ser uma demanda dos ideólogos da Nova Administração Pública, é uma efetiva visão de futuro no sentido da obtenção de um modelo de gestão pública mais moderno, adequado e eficiente, com a implementação de programas e ações voltados para o atendimento das demandas do cidadão, gestão de resultados, estabelecimento de objetivos/metas e avaliação permanente, fundada em indicadores apropriados e confiáveis.

Além disso, há que ser levado em consideração que a implementação de Agências Executivas pressupõe a assinatura de um contrato de gestão, a fim de que o órgão ou entidade venha a ter a sua autonomia ampliada, passando a ser regido pelo regime jurídico-administrativo próprio deste arranjo institucional.

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Sobre o autor
Gabriel Santana Mônaco

especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÔNACO, Gabriel Santana. Agências executivas e contratos de gestão.: A possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira deve ficar restrita apenas às autarquias e fundações?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1539, 18 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10423. Acesso em: 24 abr. 2024.

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