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Agências executivas e contratos de gestão.

A possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira deve ficar restrita apenas às autarquias e fundações?

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18/09/2007 às 00:00
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Procedimento de Qualificação de Agências Executivas.

Para que um órgão/entidade alcance a qualificação de agência executiva e possa usufruir da ampliação de sua autonomia gerencial é preciso cumprir determinados requisitos, quais sejam: (1) decisão inicial, (2) assinatura de Protocolo de Intenções, (3) assinatura de Contrato de Gestão; e, (4) decreto de qualificação.

A instituição de uma Agência Executiva se inicia com a manifestação por parte do órgão/entidade ao órgão central (conselho gestor) sobre o seu interesse em obter a qualificação e ter a sua autonomia de gestão ampliada (etapa 1). Após esta fase, o órgão/entidade assinará um Protocolo de Intenções com o órgão central, aderindo ao programa de qualificação institucional (etapa 2), no qual constará um plano de ação, onde são definidas a etapas do plano de reestruturação estratégica (definição de ações, prazos e responsáveis).

Após estas duas primeiras etapas, o órgão/entidade estará apto a firmar o contrato de gestão (etapa 3), no qual serão estabelecidos, no mínimo, conforme as diretrizes defendidas pelo MARE (BRASIL, 1997): a) disposições estratégicas (alinhamento com o planejamento estratégico do Estado); b) objetivos, metas e plano de ação; c) indicadores de desempenho institucional; d) meios (nível de autonomia delegada à instituição); e) sistemática de avaliação; f) revisão, suspensão e rescisão do contrato; g) definição de responsáveis e conseqüências do descumprimento do pacto; h) obrigações dos contratantes; i) condições de vigência e controle social; e, j) mecanismos de publicidade e controle social.

Assim, tendo a instituição um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em curso e firmado um contrato de gestão com o órgão supervisor, o mesmo encontra-se apto à qualificação final, que se dará mediante decreto específico do dirigente máximo – decreto de qualificação de agência executiva (etapa 4).

Cumprido este procedimento, o órgão ou entidade poderá usufruir da ampliação de sua autonomia gerencial, cuja manutenção ficará adstrita ao desempenho institucional, com cumprimento de metas.


Necessidade de revisão da legislação federal.

Embora haja expressa previsão na Constituição Federal (§8º, art. 37), não é possível ampliar a autonomia gerencial de órgãos e entidades sem que sejam editadas leis específicas disciplinando os contratos de gestão, em razão da ressalva contida na parte final do §8º do art. 37 da Constituição Federal (MORAES, 1999, p. 58) e em razão da incidência do princípio interpretativo da unidade da Constituição, que submete os citados contratos ao império do princípio da legalidade.

A Lei Federal n° 9.649/98 disciplina, no âmbito da administração pública federal, as agências executivas, sendo regulamentado pelo Decreto Federal nº 2.487/98. Estas normas não são auto-aplicáveis aos Estados, que poderão disciplinar a matéria de forma diversa (DI PIETRO, 2003, p. 402), desde que respeitados os mandamentos constitucionais [14], em consonância com o §8º do artigo 37, posto que os Decretos n°s 2.487/98 [15] e 2.488/98 [16] têm aplicabilidade apenas na esfera federal, buscando-se, na medida do possível, observar as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

Deste modo, limitar a qualificação de agências executivas a apenas autarquias e fundações públicas restringiria em demasia as potencialidades deste arranjo institucional, por mero apego dogmático ao Plano Diretor da Reforma, desprezando as peculiaridades de cada ente da federação, ignorando que a Decisão Política Fundamental (Constituição) não faz qualquer restrição ou ressalva quanto a possibilidade de utilização do contrato de gestão em outros órgãos e entidades da administração pública, facultando aos Entes da Federação adotar o critério mais consentâneo com as suas necessidades.

Deste modo, para implementação de um programa de qualificação de agências executivas no âmbito da administração pública é possível, após a edição de legislação própria, é possível aperfeiçoar o modelo existente, que se mostra assaz restritivo, na medida em que contempla apenas as autarquias e fundações pública, quando, em última instância, deveria contemplar quaisquer órgãos ou entidades que desempenhem serviços e/ou atividades exclusivas do Estado.

As possibilidades de um projeto de implementação de agências executivas vão além dos limites postos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, uma vez que a Constituição Federal estende a possibilidade de aumento do grau de autonomia aos órgãos e entidades da administração pública por meio de contrato de gestão, sem restringir a sua aplicabilidade apenas às autarquias e fundações públicas, em decorrência do fato de que o campo de atuação das agências autônomas é a "operacionalidade", definida como a implementação e execução de atividades e prestação de serviços públicos à sociedade (CARVALHO FILHO, p. 384), o que não se circunscreve apenas à administração indireta.

Neste ponto, o que a princípio poderia se revelar uma ameaça para a implementação deste moderno arranjo gerencial, torna-se uma verdadeira oportunidade, na medida em que possibilita que o modelo seja aperfeiçoado e aprofundado, pois o modelo federal de agências executivas restringe-se apenas as autarquias e fundações, apesar da Constituição permitir que a concessão de autonomia gerencial via contrato de gestão (agência executiva) seja para órgãos e entidades, sem qualquer restrição.


Considerações finais.

Há viabilidade de ampliação do espectro de atuação do Programa GestãoBahia para que o mesmo seja utilizado como Conselho Gestor de um futuro Programa Estadual de Agências Executivas, cumprindo, assim, com o seu propósito de disseminar a gestão estratégica na Administração Pública Estadual, possibilitando que os seus órgãos e entidades tenham a sua autonomia ampliada, mediante instrumento de controle a posteriori dos resultados da atuação estatal, elevando, deste modo, a performance institucional da máquina estatal.

Por fim, há que se considerar que os contratos de gestão previstos no §8° do art. 37 da Constituição Federal não são exclusivos das autarquias e fundações públicas, podendo ser aperfeiçoado o modelo existente, possibilitando também que órgãos da administração direta, empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenhem serviços/atividades exclusivas do aparato estatal sejam qualificados como Agência Executiva, demonstrando a sua capacidade de inovação no campo da gestão pública ao superar a limitação imposta pela legislação federal para a utilização deste arranjo institucional às autarquias e fundações públicas.

A eficiência da administração pública depende diretamente da capacidade de seus gestores compatibilizarem os princípios da legalidade e da eficiência administrativa, uma vez que a legalidade não pode ser concebida como óbice à eficiência estatal, mas sim um padrão necessário de atuação dos agentes e instituições públicas.


Bibliografia Consultada.

BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado. Brasília, 1995.

__________. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Agências executivas (Cadernos MARE da Reforma do Estado, v. 11). Brasília, 1995.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. São Paulo: Editora 34, 2003.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual do direito administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública : concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. São Paulo: Atlas, 2002.

__________. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2002.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição (Die normative Kraft der Verfasssung). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Das agências executivas. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 556, 14 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6172>. Acesso em: 12 ago. 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores , 1996.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

MODESTO, Paulo. Agências executivas: a organização administrativa entre o casuísmo e a padronização. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 6, setembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 09 de maio de 2005.

__________. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 2, maio, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 10 de maio de 2005.

MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: emenda constitucional nº 19/98. São Paulo: Atlas, 1999. (Série fundamentos jurídicos)

RIBEIRO, João Ubaldo. Política; quem manda, por que manda, como manda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.


Notas

01 Há aqueles que afirmam que em momento de crise há aqueles que choram e aqueles que riem de tanto vender lenços.

02 A expressão "consenso" é utilizada de forma deliberada para enfatizar a existência de interpretações críticas à Crise do Estado, contrapondo-se ao denominado "Consenso de Washington". Por exemplo, Bresser-Pereira (2003, p. 246-255) pôs em xeque várias das conclusões do "Consenso" e da ideologia que lhe é subjacente (liberalismo econômico em oposição ao desenvolvimentismo keynesiano). A crise brasileira não pode ser debitada ou explicada apenas pelo populismo econômico, pela inexistência de estabilização e pela intervenção do Estado na seara econômica (não fosse esta intervenção, o Brasil não teria experimentado o desenvolvimento havida entre 1930 e 1980). Reduzir drasticamente o investimento público para equilibrar as finanças públicas é uma solução prática e cômoda, porém equivocada, em certa medida, por conduzir, a médio prazo, na perda da capacidade de investimento estatal, cuja retomada atuará como obstáculo ao crescimento econômico.

03 Este caráter é tão nítido que o termo burocracia tem, no seu uso corrente e coloquial, um sentido mais pejorativo e negativo (exigências desmesuradas de documentos, procedimentos e formulários) que o sentido weberiano.

04 A respeito de um destes paradigmas, se posiciona Modesto (1997, p. 27 – Bahia - 365): "é indispensável para a efetiva implementação da reforma pretendida, que os agentes administrativos superem o tradicional vezo burocrático que vem convertendo a Administração numa cara ‘máquina de impedir’, fiel ao que o mesmo autor batizou como ‘código do fracasso’, que dispõe: artigo primeiro: não pode; artigo segundo: em caso de dúvida, abstenha-se; artigo terceiro: se é urgente, espere; artigo quarto: sempre é mais prudente não fazer nada".

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05 É importante registrar que, mesmo antes da Emenda Constitucional n° 19/98, a eficiência já era um princípio constitucional - embora implícito - decorrente da análise sistêmica do Texto Constitucional, conforme redação do inciso II do artigo 74 ("os Poderes (...) manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: (...) comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão..."), do artigo 70 ("...quanto à legalidade, legitimidade, economicidade..."), §7º do artigo 144 ("...A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades..."). Portanto, a Reforma do Estado não "inventou" a eficácia, apenas a evidenciou como princípio explícito da administração pública.

06 Embora existam três entidades denominadas de agência na estrutura administrativa estadual (Agência de Fomento do Estado da Bahia – DESENBAHIA, Agência Estadual de Defesa Agropecuária – ADAB e a Agência Estadual de Regulação de Serviços de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia – AGERBA), nenhuma delas possui a natureza jurídica de agência executiva, pois a DESENBAHIA é uma sociedade de economia mista sujeita ao regime administrativo geral destas entidades, a ADAB é uma entidade autárquica sujeita ao regime administrativo geral e a AGERBA é uma agência reguladora, ou seja, autarquia em regime especial, não se sujeitando ao regime jurídico-administrativo próprio das agências executivas, mas a um regime específico.

07 Lei Estadual nº 8.885/03.

08 O Decreto Federal n° 137, de 27 de maio de 1991, autorizou a celebração de contrato de gestão com empresas estatais: Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás (Dec. n° 1.040/94) e Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (Dec. s/n°, de 10/06/1992).

09 Lei Federal n° 8.246/91, que criou o Programa Nacional de Publicização (art. 3º).

10 Lei Federal n° 9.637/98, que instituiu o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais (arts. 5°, 6° e 7°)

11 No âmbito federal, existe a previsão de contrato de gestão na Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n° 9.427/96, art. 7°), Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n° 9.782/99, art. 19), Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei n° 9.961/00, art. 14) e Agência Desenvolvimento da Amazônia – ADA (Medida Provisória n° 2.157-2/01, art. 19), não havendo previsão legal de contrato de gestão para a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Lei n° 9.427/97), Agência Nacional de Petróleo – ANP (Lei n° 9.478/97), Agência Nacional de Águas – ANA (Lei n° 9.984/00), Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Lei n° 10.233/01), Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (Lei n° 10.233/01). No âmbito estadual, há previsão de contrato de gestão para a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia – AGERBA (Lei Estadual n° 7.314/90 – art. 4° e Decreto Estadual n° 7.426/98 – art. 46).

12 "Como em outros temas, o fundamental é identificar o que há de bom e ruim no modelo das agências executivas, sem adoção de posturas unilaterais. Dos juristas se espera um discurso que favoreça a decidibilidade dos conflitos jurídicos; não se espera o impasse e a desesperança.", pois, segundo MODESTO (2001a, p. 10) "As decisões legislativas nunca são cartesianas, nem seguem a modelos teóricos rigorosos", por brotarem até mesmo de uma forma caótica no complexo processo político decisório de negociação.

13 Segundo Modesto (2001a, p. 9-10) para a criação das agências executivas brasileiras não "houve cópia ou assimilação de experiência internacionais, portanto, mas sim uma solução criativa para a rigidez do sistema brasileiro de definição do grau a de autonomia a ser concedido a entidades da administração indireta de natureza autárquica em relação à administração direta".

14 Conforme a opinião da doutrina (MODESTO, 2001a) não poderá haver a redução da autonomia, pois a CF apenas prevê o contrato de gestão como elemento de aumento da autonomia gerencial.

15 Dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades qualificadas.

16 Define medidas de organização administrativa específicas para as autarquias e fundações qualificadas como Agências Executivas.

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Sobre o autor
Gabriel Santana Mônaco

especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÔNACO, Gabriel Santana. Agências executivas e contratos de gestão.: A possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira deve ficar restrita apenas às autarquias e fundações?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1539, 18 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10423. Acesso em: 24 abr. 2024.

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