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A participação da comunidade na execução penal

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3 O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Como visto, na antiguidade [48] a prisão era vista meramente como instrumento de custódia provisória do acusado enquanto se desenrolava o processo ou se aguardava o início da execução da pena. As penas, propriamente, consistiam em medidas gravosas, tais como penas de morte, corporais (mutilações e açoites) e infamantes (penas "dirigidas diretamente a ofender o homem no bem jurídico da honra, privando-o do seu status de boa fama e restringindo a sua capacidade jurídica em relação ao exercício de certos direitos" [49]).

Na modernidade [50], a visão se modificou, tendo passado a prisão a ser adotada como pena, em caráter principal, o que foi resultado de uma forma de humanização das sanções criminais.

Ainda a respeito, expõe Rosânea Elizabeth Ferreira:

Dentro dessa nova visão acerca da pena, o mecanismo de punição escolhido para humanizar as sanções foi a privação de liberdade. Assim, a prisão, que outrora possuía apenas a função de custódia, foi designada para abrigar àqueles que infringissem a norma penal. [51]

Atualmente, a prisão divide-se em prisão processual de natureza cautelar* (prisão em flagrante, preventiva, temporária, decorrente de pronúncia e decorrente de sentença condenatória recorrível) e prisão como modalidade de pena, privativa de liberdade.

No caso da pena privativa de liberdade [52], são conhecidos no mundo diversos sistemas distintos. São eles:

a) Filadélfico: também chamado de Pensilvânico ou Celular, surgiu no ano de 1790, na prisão de Walnut Street, em Filadélfia, Estados Unidos da América. Consiste em constante isolamento celular, "solitary system".

b) Auburniano: surgiu na cidade de Auburn, Estado de Nova Iorque, em 1818, e possui por base o trabalho coletivo diurno e o isolamento noturno.

c) Progressivo: divide-se em dois modelos. O primeiro é o modelo Inglês (1ª fase - isolamento celular diurno e noturno; 2ª fase - trabalho comum regido pelo silêncio; e 3ª fase - admissão de liberdade condicional); e o segundo, o Irlandês (1ª fase - isolamento celular diurno e noturno; 2ª fase - isolamento celular noturno e trabalho diurno em comum; 3ª fase - período intermediário com trabalho ao ar livre em estabelecimentos especiais; e 4ª fase - liberdade condicional).

O Código Penal Brasileiro de 1940 adotou um sistema progressivo nos moldes do Irlandês, mas com algumas modificações.

Com a reforma da parte geral, no ano de 1984, houve valorização do Sistema Progressivo, com a adoção de progressão de regime subordinada ao cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ao mérito do condenado, consoante prescrevem os artigos 33, § 2º, do Código Penal Brasileiro (CP) e 112 da Lei de Execução Penal (LEP). Adotou-se também a obrigatoriedade do trabalho nos regimes fechado e semi-aberto, admitindo-se a figura do livramento condicional.

Assim persiste até os dias atuais, ressalvados os casos de crimes hediondos e equiparados, nos quais não se permite a progressão de regime.

A pena privativa de liberdade – que pode ser de reclusão (cumprida em regime fechado, semi-aberto e aberto, conforme o art. 33, caput, do CP), detenção (executada em regime semi-aberto ou aberto, admitindo, porém, a regressão para o regime fechado no caso de ocorrência de falta grave ou novo crime doloso) e prisão simples (cominada exclusivamente a algumas Contravenções Penais, cumprida sem rigor penitenciário e devendo ser executada em estabelecimento penal especial, sendo vedado o regime fechado) – tem seu regime inicial de cumprimento estabelecido pelo magistrado na sentença (art. 59, inciso III, do CP e art. 110 da LEP).

Destacando-se que para a determinação do regime inicial de cumprimento de pena concorrem dois fatores, quais sejam: a quantidade da pena imposta (art. 33, § 2º, do CP); e as condições pessoais do condenado (art. 33, § 3º, e art. 59 caput do CP).

Existem regras especiais como as pertinentes aos crimes abrangidos pela Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que devem ter a pena privativa de liberdade cumprida em regime integralmente fechado (art. 2º, § 1º), ainda que seja inferior a 08 anos, excetuado o crime de tortura.

Convém ressalvar que parcela da doutrina e da jurisprudência [53] entende que essa regra viola o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da Constituição da República), sendo, por conseguinte, inconstitucional; já outra parcela, a qual predomina no Supremo Tribunal Federal [54] (STF) e no Superior Tribunal de Justiça [55] (STJ), possui entendimento de que o critério determinante da fixação da pena é a gravidade do delito perpetrado, e não a regra da individualização, que a relativiza.

Quanto aos crimes de tortura, definidos pela Lei nº 9.455/97, em regra, os condenados pelos ilícitos penais nela previstos iniciarão o cumprimento da pena imposta em regime fechado (art.1º, § 7º), ressalvada a hipótese do § 2º do art. 1º, da Lei nº 9.455/97.

Em que pese a prática de tortura esteja elencada na Lei dos Crimes Hediondos de 1990, não se aplica em relação a esse ilícito a regra do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em virtude da alteração havida com a edição da Lei nº 9.455/97.

O mesmo ocorre com os crimes decorrentes de organização criminosa, previstos na Lei nº 9.034/95, em que os condenados deverão apenas iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado.

Com relação a mulheres condenadas, a pena privativa de liberdade deve ser cumprida em estabelecimento próprio, ficando asseguradas às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, incisos XLVII e L, da Constituição da República, art. 37 do CP e artigos 88 e 89 da LEP).

Os idosos condenados, assim considerados os maiores de 60 (sessenta) anos de idade, também deverão ser recolhidos em estabelecimentos próprios e adequados à sua condição pessoal (consoante disposição da Lei nº 9.460/97, que deu nova redação ao § 1º do art. 82 da LEP).

De acordo com o art. 75 do CP, as penas privativas de liberdade possuem limite temporal de cumprimento fixado em 30 anos. Cabe relembrar que a Constituição proíbe a pena perpétua (art. 5º, inciso XLVII).

Entretanto, predomina na jurisprudência o entendimento de que o art. 75 do CP tem o efeito exclusivo de limitar a duração do cumprimento da pena, não podendo servir de parâmetro para outros benefícios da execução penal, tais como progressão de regime e livramento condicional [56].

Além das penas privativas de liberdade, o sistema penal pátrio adota ainda penas restritivas de direitos, que possuem caráter não detentivo.

Prossegue-se no momento à análise das formas de cumprimento de pena.

3.1 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

3.1.1 Regime Fechado

Dispõe o art. 33, § 1º, alínea "a" do CP, que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média, quais sejam, as penitenciárias.

Possui por principais características:

a) o condenado fica sujeito ao trabalho no período diurno e isolamento no período noturno (CP, art. 34, § 1º);

b) no início do cumprimento da pena o condenado é submetido a exame criminológico de classificação (CP, art. 34); e

c) é admissível o trabalho externo em serviços ou obras públicas (CP, art. 34, § 3º).

3.1.2 Regime Semi-Aberto

O art. 33, § 1º, alínea "b" do CP determina que a execução da pena em regime semi-aberto deve ocorrer em Colônia Penal Agrícola, Industrial ou similar, sob as características de o condenado ficar sujeito ao trabalho no período diurno; não haver isolamento no período noturno; ser admissível o trabalho externo e a participação em cursos (CP, art. 35, § 2º).

3.1.3 Regime Aberto

O Regime Aberto, segundo o art. 33, § 1º, alínea "c", do CP, deve ser executado em Casa de Albergado ou estabelecimento adequado. Diante da quase total ausência de casa de albergado, é admitido o recolhimento domiciliar no período noturno.

Funda-se o regime aberto na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado (CP, art. 36). Pois este, fora do estabelecimento e sem vigilância, deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer outra atividade lícita e autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e dias de folga (CP, art. 36, § 1º).

Como condição especial fundamentada no art. 115 da LEP, e como fator moralizador do regime aberto (conforme preconiza o magistrado paranaense Gilberto Ferreira em trabalho publicado na RT 647/263 e em obra de sua autoria [57]) é possível a aplicação da prestação de serviços à comunidade pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade aplicada. Entretanto, há oposição, sendo a esse respeito a lição de Maurício Kuehne:

Em relação ao art. 115, indaga-se quanto à possibilidade de o Juiz estabelecer como condição do regime aberto o cumprimento de alguma das penas restritivas de direitos. A resposta parece-nos negativa. Quando o réu se encontra em regular cumprimento de pena no regime em questão (aberto) cumpre pena privativa de liberdade e seria incoerente, pudesse subsistir, ao mesmo tempo, outra modalidade de pena. [58]

3.2 PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

No âmbito das alternativas penais, o direito brasileiro adota as penas substitutivas à pena privativa de liberdade decorrente da ação penal condenatória e as medidas alternativas do sistema consensual (transação penal nos Juizados Especiais Criminais).

Encontram-se previstas na seção II, do Capítulo I, do Título V, do CP, ou seja, no artigo 43 e seguintes. São elas: prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, prestação de outra natureza, perda de bens e valores, limitação temporária de direitos e limitação de fim de semana.

3.2.1 Prestação de Serviços à Comunidade

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, consoante dispõe o art. 46, §§ 1º e 2º, do CP, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao apenado, sendo executada junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

Segundo Luiz Régis Prado, "o escopo primeiro de tal pena é a reinserção social do condenado, sem que este sofra os dissabores que o cumprimento de eventual pena privativa de liberdade poderia lhe trazer" [59].

A prestação de serviços não é remunerada (art. 30 da LEP), inexistindo qualquer vínculo empregatício entre o réu e o Estado, aqui entendido como Poder Público.

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As tarefas devem ser atribuídas em conformidade com as aptidões pessoais do prestador, e cumpridas de maneira a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

À entidade beneficiada incumbe encaminhar mensalmente ao juiz da execução relatório circunstanciado das atividades do condenado (mencionando elementos tais como freqüência e grau de zelo na prestação), bem como comunicar a qualquer tempo a ausência ou a ocorrência de falta disciplinar.

3.2.2 Prestação Pecuniária

A Prestação Pecuniária (arts. 43, inciso I, e 45, § 1º, ambos do CP) consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz.

De acordo com a exposição de Jorge Henrique Schaefer Martins, podem ser beneficiárias da prestação pecuniária:

[...] entidades públicas que tenham por objetivo o atendimento à população, e mesmo as privadas que se dediquem ao atendimento de pessoas carentes, sejam elas infantes, adultos, alcoólatras, drogados, enfim, pessoas que estejam a necessitar algum tipo de auxílio, oportunizando-lhes melhores condições de exercer suas atividades e atingir suas finalidades. [60]

O valor pago não pode ser inferior a um e nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos e será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

3.2.3 Prestação de Outra Natureza

Em havendo aceitação do beneficiário, pode a prestação pecuniária consistir em prestação de outra natureza (e.g. entrega de remédios, kits escolares, gêneros alimentícios e peças de vestuários).

O agente, vendo-se compelido a contribuir pecuniariamente, ou mesmo com a entrega de algum tipo de produto a uma entidade, pode verificar pessoalmente a vantagem que advirá da execução da sua obrigação. Sentir-se-á, de outra parte, não mais estigmatizado, mas tendo consciência de seu erro, vendo que as portas da sociedade a ele não se fecharam. [61]

Cezar Roberto Bitencourt apresenta duas críticas à prestação de outra natureza. A primeira [62], porque consiste em uma "substituição da substituição", ao passo que tal pena ocorre em substituição à pena de prestação pecuniária, e esta, por sua vez, já se apresenta como uma substituição à pena privativa de liberdade. A segunda [63], porque viola o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da Constituição da República e art. 1º do Código Penal), pois tal princípio "exige que preceito e sanção sejam claros, precisos, certos e determinados".

Damásio Evangelista de Jesus contra-argumenta que embora a prestação pecuniária inominada contrarie o princípio da legalidade dos delitos e das penas, encontra-se em consonância com as Regras de Tóquio, as quais recomendam ao juiz a aplicação de qualquer medida que não envolva detenção pessoal [64]. Acresce-se a isso que, na prática, muitas vezes a prestação inominada pode mostrar-se mais benéfica tanto para a sociedade quanto para o réu.

3.2.4 Perda de Bens e Valores

O último autor citado [65] expõe que, ressalvada a legislação especial, a perda de bens e valores dá-se em favor do Fundo Penitenciário Nacional e seu valor tem como teto o montante do prejuízo causado ou o provento obtido pelo agente ou terceiro em conseqüência da prática do crime, prevalecendo o que for maior.

Cuida-se de pena criminal prevista na Constituição da República (art. 5º, inciso XLVI, alínea "b").

3.2.5 Limitação Temporária de Direitos

Em atenção ao art. 47 do CP, as penas de interdição temporária de direitos são:

a) proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

b) proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

c) suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; e

d) proibição de freqüentar determinados lugares.

Consistem em penas que devem ser individualizadas, incumbindo ao magistrado adequá-las ao fato e às condições do condenado. E, especificamente no que pertine à proibição de freqüência a determinados lugares, deve-se ter em vista o local do cometimento do crime.

3.2.6 Limitação de Fim de Semana

Expõe o caput do art. 48 do CP que a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Durante a permanência podem ser ministrados cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas (CP, art. 48, parágrafo único).

Paulo José da Costa Júnior traz crítica no sentido de que a pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana "apresenta os inconvenientes da prisão celular, acrescidos por duas agravantes: brevidade e intermitência" [66]. Citado autor prossegue ainda analisando a inaplicabilidade e as mazelas da pena em exame:

Convenhamos: se o condenado não se resignar ao recolhimento de final de semana, dificilmente a medida poderá apresentar qualquer papel terapêutico. O preso, rebelde à medida, recolhido ao albergue, afastado da família, verá escoar com lentidão aquelas cinco horas, frustrado e revoltado, ou mesmo embriagado. Isto sem mencionar a absoluta falta de condições para a execução da medida idealizada pelo legislador romântico: número insuficiente de casas de albergados ou estabelecimentos adequados, ausência de pessoal especializado e de infra-estrutura apropriada, falta de verba orçamentária.

Onde os estabelecimentos para alojar os apenados de fim de semana? Onde professores e técnicos para ministrar os cursos, palestras e atividades educativas sonhadas pelo legislador brasileiro de 1984? [67]

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Sobre o autor
Ayrton Vidolin Marques Júnior

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (PR), laureado com o Prêmio Professor Milton Vianna, pós-graduando em Direito Criminal pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JÚNIOR, Ayrton Vidolin. A participação da comunidade na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1544, 23 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10447. Acesso em: 15 mai. 2024.

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