No final do mês de maio do corrente ano, um acontecimento ganhou repercussão nas redes sociais e nos principais jornais de circulação, quando duas influenciadoras da internet passaram a ser investigadas por injúria racial. Elas passaram a ser investigadas após publicarem vídeos em suas redes sociais com mais de 17 milhões de seguidores, viralizando uma entrega de bananas e um macaco de pelúcia para duas crianças negras. Não temos a intenção de realizar uma análise jurídica do caso concreto em tela, apenas aproveitamos o assunto atual para fazer uma análise crítica sobre a novidade legislativa da lei n° 14.532/2023 que passou a considerar a injúria racial como forma de racismo.
A Lei 14.532/2023 representa um marco importante ao tipificar a injúria racial como crime de racismo no Brasil. Anteriormente, a injúria racial era prevista apenas no Código Penal, com penas mais brandas e algumas possibilidades que agora deixam de existir. Com essa alteração legislativa, a prática de injúria racial passou a ser considerada uma modalidade do crime de racismo, sendo tratada de acordo com o previsto na Lei 7.716/1989, que versa sobre os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Uma das principais mudanças trazidas pela nova lei é o aumento da pena para o crime de injúria racial motivado por raça, cor, etnia ou procedência nacional. Anteriormente, a pena variava de um a três anos de reclusão, enquanto agora varia de dois a cinco anos. Além disso, a injúria racial agora é considerada imprescritível, o que significa que pode ser julgada a qualquer tempo, e não é mais possível responder ao processo em liberdade mediante pagamento de fiança.
A legislação também estabelece que qualquer atitude ou tratamento discriminatório que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida a pessoas ou grupos, em razão da cor, etnia, religião ou procedência, deve ser considerado como discriminatório. Essa ampliação do escopo da lei fortalece a proteção dos direitos das vítimas e promove uma maior conscientização sobre a importância da igualdade racial.
Ademais, a nova lei aborda o crime de injúria racial cometido por duas ou mais pessoas ou por funcionário público no exercício de suas funções, estabelecendo que a pena será aumentada. A injúria racial ocorrida em contexto de descontração, diversão ou recreação também recebe maior atenção. O chamado racismo recreativo, que consiste em ofensas raciais disfarçadas de piadas ou brincadeiras, é abordado pela lei, com a pena podendo ser aumentada de um terço até a metade.
No contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, além da pena de reclusão, também pode ser determinada a proibição do autor do crime frequentar locais destinados a essas práticas por três anos. Essa medida visa não apenas punir o agressor, mas também garantir um ambiente seguro e inclusivo para os participantes dessas atividades.
A lei também estabelece a aplicação de agravantes para outros dois crimes tipificados na Lei 7.716: a prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito racial, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos nazistas.
Em suma, a Lei 14.532/2023 equipara a injúria racial ao crime de racismo, aumenta as penas e estabelece medidas mais rigorosas no combate à discriminação racial no Brasil.
A legislação traz importantes avanços ao criminalizar a injúria racial como uma forma de racismo. Essa medida reconhece a gravidade desse tipo de conduta, que não apenas fere a honra e a dignidade humana da vítima, mas também atenta contra os princípios fundamentais da igualdade e da não discriminação. Ao criminalizar a injúria racial, a lei envia uma mensagem clara de que atitudes racistas não serão toleradas na sociedade, fortalecendo a proteção dos direitos das vítimas e promovendo a conscientização sobre a importância da igualdade racial.
No entanto, a aplicação prática da lei pode apresentar desafios significativos. Um dos principais obstáculos é a comprovação da intenção discriminatória do agente, uma vez que a injúria racial muitas vezes ocorre de forma velada e subjetiva. Diferenciar a injúria racial de outras formas de injúria também pode ser um desafio, especialmente quando as palavras proferidas possuem conotações raciais, mas não estão diretamente relacionadas à discriminação racial. Essas dificuldades podem comprometer a efetividade da lei e a punição dos agressores.
Além disso, é importante considerar os benefícios de ampliar o alcance da lei para abranger o racismo praticado em contextos específicos, como o esportivo, o artístico, o religioso e o recreativo, bem como o cometido por funcionário público. Essa ampliação reconhece a diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira, levando em conta que o racismo pode ocorrer em diferentes ambientes e ser praticado por diferentes agentes. Ao abranger esses contextos, a lei fortalece a proteção das vítimas e contribui para a construção de um ambiente mais inclusivo e igualitário.
No entanto, é importante ressaltar as limitações da lei para enfrentar o racismo estrutural que se manifesta de forma mais sutil e sistêmica. O racismo estrutural permeia diversas esferas da sociedade, como educação, saúde, trabalho e justiça, e demanda a implementação de medidas mais amplas e efetivas para promover a igualdade racial e combater a discriminação. Embora a criminalização da injúria racial seja um passo importante, é necessário ir além, buscando políticas públicas que abordem as raízes do racismo e promovam a igualdade de oportunidades para todos, independentemente de sua origem étnico-racial.
Em síntese, a Lei nº 14.532/2023 representa um avanço ao criminalizar a injúria racial como uma forma de racismo, reconhecendo a gravidade dessa conduta e promovendo a proteção dos direitos das vítimas. No entanto, a aplicação prática da lei apresenta desafios, e é necessário considerar as limitações e buscar medidas mais abrangentes para combater o racismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SENADO FEDERAL. Sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial. Senado Notícias, 2023. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/12/sancionada-lei-que-tipifica-como-crime-de-racismo-a-injuria-racial. Acesso em: 29 maio 2023.
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OAB NA MEDIDA. Lei 14.532/2023 - Altera o Código Penal para tipificar como crime de racismo a injúria racial e dá outras providências. OAB na Medida, 2023. Disponível em: https://www.oabnamedida.com.br/alteracoes-importantes/lei-14-532-2023.html. Acesso em: 29 maio 2023.