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Transferências promovidas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte configuram fato gerador do ICMS ?

29/06/2023 às 13:38
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De acordo com o STF, a incidência do ICMS requer a presença de três elementos: operação, circulação e mercadoria.

Neste artigo faço uma pequena análise sobre a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa. Com base em decisões do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como em uma súmula do STJ, argumentado se essas transferências configuram ou não o fato gerador do ICMS, uma vez que não envolvem a transferência de titularidade da mercadoria. Além disso, é mencionado um precedente importante do STF que declarou a não incidência do ICMS nessas operações. No entanto, também é abordada a questão da modulação de efeitos dessa decisão, que está em discussão no STF, destaco a interpretação atual da jurisprudência e as controvérsias em torno da modulação dos efeitos da decisão do STF.

De acordo com a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF), a incidência do ICMS requer a presença de três elementos: operação, circulação e mercadoria. É necessário que haja um negócio jurídico envolvendo a transferência de titularidade de uma mercadoria de uma pessoa para outra. A circulação jurídica da mercadoria é essencial para que ocorra a incidência do ICMS.

Os três elementos essenciais - operação, circulação e mercadoria - são necessários para caracterizar uma venda sujeita à incidência do ICMS. Apenas a saída física de mercadorias não é suficiente para gerar o fato gerador do imposto. A operação deve ter natureza mercantil, envolvendo a transferência de titularidade da mercadoria de um estabelecimento para outro com intenção de disponibilizá-la a outra pessoa.12

No caso em que a transferências de mercadorias ocorrem entre os estabelecimentos da mesma empresa, ou seja, não envolvem a transferência de titularidade de uma pessoa para outra. Portanto, com base nessa interpretação da jurisprudência, pode-se argumentar que essas transferências não configuram o fato gerador do ICMS, uma vez que não se enquadram no conceito de circulação jurídica de mercadorias.3

Além disso, é importante mencionar a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabelece que "não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Essa súmula reforça a ideia de que as transferências entre estabelecimentos da mesma empresa não são passíveis de incidência do ICMS.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.125.133-SP em sede de recurso repetitivo, consolidou o entendimento sobre o fato gerador do ICMS. Através da edição da Súmula 166, o STJ decidiu que a transferência de mercadoria entre estabelecimentos de uma mesma empresa não configura o fato gerador do ICMS, devido à ausência do ato de mercancia e da circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade.4

A ementa do julgamento enfatiza que o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa não se enquadra na hipótese de incidência do ICMS, pois é necessário que ocorra a circulação jurídica da mercadoria, envolvendo a transferência da propriedade, para que haja o fato imponível do imposto. O STJ citou precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio STJ que endossam essa interpretação. Dessa forma, a jurisprudência atualizada do STJ estabelece que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa não gera a obrigação de pagamento do ICMS, reafirmando o critério jurídico como motivador do fato gerador do imposto.

O STF, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, declarou a não incidência do ICMS em operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, com base na inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Complementar 87/96. Essa decisão é um precedente importante e indica que as transferências internas de mercadorias não são tributáveis pelo ICMS. A ADC 49 foi proposta com o objetivo de declarar a constitucionalidade da não incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. O STF entendeu que essa não incidência é correta e constitucional, baseando-se na inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Complementar 87/96. 5

Em abril de 2021, o STF definiu a inconstitucionalidade de dispositivos da lei Kandir (LC 87/1996), estabelecendo que não incide ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, mesmo em operações interestaduais. Essa decisão também ratificou o entendimento adotado na Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No entanto, foram opostos embargos de declaração, buscando a modulação dos efeitos da decisão, para que os ministros estipulassem o início de sua eficácia e esclarecessem o uso dos créditos de ICMS pelos contribuintes. Após ser retirado de pauta por quatro vezes, o julgamento foi retomado no Plenário virtual no dia 12 de abril de 2023. Por 6 votos a 5, foi aprovada a proposta do relator, ministro Edson Fachin, que estabeleceu que os efeitos da decisão tomada em 2021 teriam eficácia a partir de 2024. No entanto, não havia o quórum mínimo de oito votos necessários para a modulação dos efeitos, e o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado no Plenário físico.

A modulação de efeitos foi baseada na proteção a determinados grupos de contribuintes e para evitar uma "macrolitigância". O argumento e de que a modulação deixou desprotegidos aqueles contribuintes que confiaram na jurisprudência pacífica do STF e pararam de destacar o ICMS nas transferências de bens entre filiais sem ação judicial prévia. Isso cria uma situação de vulnerabilidade e violação à segurança jurídica para esse grupo de contribuintes.

Podemos então concluir que, de acordo com a jurisprudência atualizada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), essas transferências não configuram o fato gerador do ICMS e este requer a presença de três elementos: operação, circulação e mercadoria sendo necessário que haja um negócio jurídico envolvendo a transferência de titularidade da mercadoria de uma pessoa para outra, sendo a circulação jurídica da mercadoria essencial para a incidência do imposto.

As decisões do STF e do STJ destacam que a mera saída física das mercadorias entre os estabelecimentos da mesma empresa, sem a efetiva transferência de sua titularidade, não configura operação de circulação sujeita à incidência do ICMS, mesmo que ocorra agregação de valor à mercadoria ou sua transformação onde a Súmula 166 do STJ reforça essa interpretação, estabelecendo que o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS.

Além disso, o STF, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, declarou a não incidência do ICMS em operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, com base na inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Complementar 87/96. Essa decisão é considerada um precedente importante, indicando que as transferências internas de mercadorias não são tributáveis pelo ICMS.

Dessa forma, a jurisprudência atualizada do STJ e o precedente do STF estabelecem que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa não gera a obrigação de pagamento do ICMS, reafirmando o critério jurídico como motivador do fato gerador do imposto. Porém é importante mencionar que a questão da modulação de efeitos dessa decisão ainda está em discussão no STF, o que pode gerar controvérsias e modificações futuras no entendimento sobre o assunto.


Notas

  1. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BEM ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE. AGREGAÇÃO DE VALOR À MERCADORIA OU SUA TRANSFORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE EFETIVA TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR DO TRIBUTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A mera saída física do bem para outro estabelecimento do mesmo titular, quando ausente efetiva transferência de sua titularidade, não configura operação de circulação sujeita à incidência do ICMS, ainda que ocorra agregação de valor à mercadoria ou sua transformação. II – Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF. 2ª Turma. AG.Reg. no RE 765.486/RS. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. DJe 04/06/2014.)

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  2. “ICMS. VENDA DE BENS NO ATIVO FIXO DA EMPRESA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. A venda de bens do ativo fixo da empresa não se enquadra na hipótese de incidência determinada pelo art. 155, I, b, da Carta Federal, tendo em vista que, em tal situação, inexiste circulação no sentido jurídico-tributário: os bens não se ajustam ao conceito de mercadorias e as operações não são efetuadas com habitualidade. “ (STF: RE: 194300 SP, Relator: Ilmar Galvão, Julgamento: 24/04/1997, Primeira Turma julgado em 24/04/1997, DJ 12-09-1997 PP-43737 EMENT VOL-01882-05 PP-01017). (grifei)

  3. “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BENS ENTRE ESTABELECIMENTOS DE MESMO CONTRIBUINTE EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO. SIMPLES DESLOCAMENTO FÍSICO. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES. 1. A não-incidência do imposto deriva da inexistência de operação ou negócio mercantil havendo, tão-somente, deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro, ambos do mesmo dono, não traduzindo, desta forma, fato gerador capaz de desencadear a cobrança do imposto. Precedentes. 2. Embargos de declaração acolhidos somente para suprir a omissão sem modificação do julgado.” (STF. 2ª Turma. RE 267599 AgR-ED/MG. Rel. Min. Ellen Gracie. DJe 29/04/2010.)

  4. “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DE UMA MESMA EMPRESA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PELA INEXISTÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166/SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS. DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. O deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS, porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade. (Precedentes do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: AI 618947 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-07 PP-01589; AI 693714 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08- 2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-13 PP-02783. Precedentes do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AgRg nos EDcl no REsp 1127106/RJ, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; AgRg no Ag 1068651/SC, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 02/04/2009; AgRg no AgRg no Ag 992.603/RJ, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 04/03/2009; AgRg no REsp 809.752/RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 06/10/2008; REsp 919.363/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 07/08/2008.) 2. ‘Não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte’ (Súmula 166 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA). 3. A regra-matriz do ICMS sobre as operações mercantis encontra-se insculpida na Constituição Federal de 1988, in verbis: ‘Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;’ 4. A circulação de mercadorias versada no dispositivo constitucional refere-se à circulação jurídica, que pressupõe efetivo ato de mercancia, para o qual concorrem a finalidade de obtenção de lucro e a transferência de titularidade. 5. ‘Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias.

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  5. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ICMS. DESLOCAMENTO FÍSICO DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA TITULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES DA CORTE. NECESSIDADE DE OPERAÇÃO JURÍDICA COM TRAMITAÇÃO DE POSSE E PROPRIDADE DE BENS. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. Enquanto o diploma em análise dispõe que incide o ICMS na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, o Judiciário possui entendimento no sentido de não incidência, situação esta que exemplifica, de pronto, evidente insegurança jurídica na seara tributária. Estão cumpridas, portanto, as exigências previstas pela Lei n. 9.868 /1999 para processamento e julgamento da presente ADC. 2. O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual. Precedentes. 3. A hipótese de incidência do tributo é a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final. 4. Ação declaratória julgada improcedente, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4º, da Lei Complementar Federal n. 87 , de 13 de setembro de 1996.STF - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE: ADC 49 RN 0009727-98.2017.1.00.0000

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Sobre o autor
Fernando Onofre Salazar

Advogado, veterano militar e pós-graduando em Direito Financeiro e Tributário pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Ceped-Uerj).Pós graduado em Direito obrigacional, Direito Trabalhista e previdenciário , Gestão Fiscal e tributária e Docência Superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALAZAR, Fernando Onofre. Transferências promovidas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte configuram fato gerador do ICMS ?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7302, 29 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104534. Acesso em: 5 mai. 2024.

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