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Contraditório e ampla defesa no inquérito policial

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Está consagrado no art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988, a regra de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados e, geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes".

Inicialmente, a garantia do contraditório e da ampla defesa consagrada da Constituição revogada aplicava-se apenas ao processo penal, sendo, com a promulgação da Constituição de 1988, alargado a todos processos administrativos e judiciais.

Clara manifestação do Estado Democrático de Direito, a garantia do contraditório traduz-se na ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariedade, ou seja, possibilitando a atuação das partes na formação da convicção do juiz. Ciência esta, que no processo civil é eventual e não necessária, enquanto no processo penal eleva-se ao status de obrigatório e necessário, não existindo, pois um réu sem defensor, posto que no processo-crime encontra-se em jogo o valor indisponível da parte – a liberdade.

Ao lado do contraditório tem-se outra garantia constitucional – o da ampla defesa. Esta mais utilizada no processo penal, onde há maior ênfase na posição do réu. Sendo o contraditório garantia entendida tanto ao autor quanto ao réu.


2. DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E SUA APLICAÇÃO NO INQUÉRITO POLICIAL

Após breve introdução a respeito das garantias do contraditório e da ampla defesa, deve-se agora refletir acerca da aplicação da regra contida no art. 5º, LV da CF/88 à fase do inquérito policial, revelando sua possibilidade ou não de aplicação.

Primeiramente, tem-se que analisar a natureza jurídica do inquérito policial. Sabe-se que uma característica inerente ao inquérito policial é o seu caráter inquisitivo, ou seja, as atividades nele desenvolvidas são presididas por uma única autoridade, agindo esta de ofício ou provocada, empregando as atividades necessárias para a execução do fim primário de todo inquérito policial – o esclarecimento do crime e da sua autoria. Diante disso, percebe-se que no inquérito policial predomina as atividades probatórias, a fim de embasar uma futura e eventual ação penal, tornando dissociada, desta fase, a figura do "acusado", existindo apenas o "indiciado".

Como foi dito a garantia do contraditório forma-se pelo binômio reação-ciência. Apesar, de no inquérito policial está o indiciado incapaz de exerce-lo, na sua forma comissiva, deve ele, quando privado de sua liberdade, ser aplicado no seu segundo elemento – a ciência, através da Nota de Culpa. Apesar de não mencionada expressamente no art. 5º, LXIV, leciona José Frederico Marques, "que este artigo assegura os mesmo direitos contidos no referido documento. Esta consiste em ciência dos motivos da prisão imposta ao indivíduo colocado em custódia durante a fase investigatória, ou por motivo de prisão em flagrante delito (...)" (1). Neste rigor já é mansa nossa jurisprudência ao se referir à nota de culpa como requisito de prisão decorrente da investigação criminal, a exemplo: CONSTITUCIONAL – HABEAS CORPUS – PRISÃO EM FLAGRANTE –Não há que se falar em constrangimento ilegal quando o flagrante obedeceu todas as formalidades legais, tendo inclusive sido entregue a Nota de Culpa ao paciente, estando a Instrução Criminal rigorosamente dentro do prazo, não havendo qualquer coação prevista no 648 do Código de Processo Penal ensejadora de Habeas Corpus. 2) O Habeas Corpus tem seu alcance limitado, não sendo meio viável para se discutir matéria probatória, devendo tal assunto ser apreciado na Instrução Criminal. 3) Ordem denegada.(grifo nosso) (TJAP – HC 017895 – Câmara Única – Macapá – Rel. Des. Gilberto Pinheiro – DJAP 11.04.1995).

A ausência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial é doutrinária e jurisprudencialmente aceita. Por isso, afetado está o valor probatório da investigação policial, embora o tenha, mas tão-somente de valor relativo, por exatamente, ter seus elementos colhidos na ausência da garantias constitucionais em estudo, e completando Fernando Capez, "de um juiz de direito" (2). Sendo, assim, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça "para que seja respeitado integralmente o princípio do contraditório, a prova obtida na fase policial terá, para ser aceita, de ser confirmada em juízo, sob pena de sob pena de sua desconsideração. Tal significa que, acaso não tipificada na fase judicial, a solução será absolver-se o acusado".(RESP 93464/GO, 6º T, Relator Min. Anselmo Santiago, 28/05/1998).

Por ser desprovido do contraditório, o inquérito policial, peça informativa dos elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por si só decisão condenatória, devendo, pois, no decorrer do processo-crime colhidos elementos que a justifique sob pena de ferir o art. 5º, LV da CF/88.

Aqui também se torna, necessário buscando exaurir o tema proposto, analisar a questão da garantia do contraditório e as provas irrepetíveis a se realizarem no inquérito policial. Acerca do tema já se manifestou o STF, da seguinte forma: "o dogma deriva do princípio constitucional do contraditório de que a força dos elementos informativos colhidos no inquérito policial se esgota com a formulação da denúncia tem exceções inafatáveis nas provas - a começar pelo exame de corpo de delito, quando efêmero o seu objeto, que, produzidas no curso do inquérito, são irrepetíveis na instrução do processo, porque assim verdadeiramente definitivas, a produção de tais provas, inquérito policial há de observa com vigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança sob pena de completa desqualificação de mera idoneidade probatória" (EMENTA – HC 74751/RJ, 1º Turma, Relator Min. Sepúlveda Pertence, 04.11.97).


3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que as garantias do contraditório e ampla defesa não estão segurado do inquérito policial, por ser este procedimento administrativo de natureza inquisitória e informativa, formador da opinio delicti do titular da ação penal.

Também se demonstrou, ao longo do desenvolvimento, que apesar de ausente no inquérito policial, as garantias do contraditório e da ampla defesa (informadoras de todo processo penal), faz-se imperar dentro da investigação criminal a observância a algumas formalidades legais, que se ausentes são capazes de contaminar todo ato, sob pena de saneamento ou desconsideração judicial, são exemplos: a nota de culpa e a produção de provas quando irrepetíveis.

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Comprovado que a ausência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial é regra, por está nele ausente a figura constitucional do "acusado", conhece-se duas exceções a esta regra, ou seja, inquéritos que são admitidos o contraditório e ampla defesa, são elas:

  1. o inquérito judicial para a apuração de crimes falimentares;
  2. o inquérito instaurado pela Polícia Federal, a pedido do Ministro da Justiça, visando a expulsão de estrangeiro (Lei nº 6815/80).

Por fim, é pertinente lembramos que a ausência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, não implica em desobediência aos direitos e garantias fundamentais do indiciado, sob pena de responder criminalmente aquelas autoridades que as desrespeitam.


NOTAS

1 – IN: Elementos de Direito Processual Penal. 1 ed., Editora Bookseller: Campinas, 1998.

2 – IN: Curso de Processo Penal. 3 ed. ver. atl., Ed. Saraiva: São Paulo, 1999.

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Sobre o autor
João Marcelo Brasileiro de Aguiar

delegado da Polícia Civil do Piauí, especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, João Marcelo Brasileiro. Contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1049. Acesso em: 25 abr. 2024.

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