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Cooperativas: a liberdade de associação e o registro obrigatório na OCB

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4. O PAPEL DA OCB NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

Muito embora não consideremos que a obrigatoriedade de registro na OCB como conditio sine qua non para o funcionamento das cooperativas seja aceita pela nova ordem constitucional, não perdemos de vista a importância que uma entidade como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) tem na defesa dos interesses do movimento cooperativista. Neste diapasão, qual seria a natureza jurídica do papel exercido pela OCB na nova ordem constitucional?

Para tanto, cabe um breve relato histórico sobre a origem da organização, a saber:

A criação da OCB foi concretizada durante o IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo, realizado em Belo Horizonte — Minas Gerais, no ano de 1969. A primeira diretoria efetiva da OCB foi eleita em 1970. Nesse período, a sede da OCB funcionou em São Paulo. Somente dois anos após o encontro de Belo Horizonte, em dezembro de 1971, implantou-se o Sistema OCB juridicamente. Em meados de 1972, a sede definitiva da Organização foi instalada em Brasília - DF. A representação do sistema cooperativista nacional cabe à OCB, sociedade civil, órgão técnico-consultivo, estruturado nos termos da Lei. 5.764/71 17.

Portanto, a criação da OCB se deu bem antes da entrada em vigor da Lei 5.764/71, a partir da fusão de duas outras entidades de representação do cooperativismo que existiam no Brasil na década de 60, sendo que aquela passou a ser a representante única do cooperativismo em âmbito nacional.

Realmente, a fusão da Aliança Brasileira de Cooperativas – ABCOP e da União Nacional das Associações de Cooperativas – UNASCO, realizada no IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em 2 de dezembro de 1969, na cidade de Belo Horizonte-MG, representou um marco importante para a defesa do cooperativismo nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, foi uma forma de manter o cooperativismo sob o julgo da classe dominante, em especial da classe política ligada ao setor agrícola, e o controle do governo militar. Neste sentido, Eduardo Faria Silva expõe:

O conteúdo do documento mencionado acima, resultado de uma atuação direta do Ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, e do Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, Antonio José Rodrigues Filho, que atuaram por quase dois anos na construção da fusão das entidades, demonstra a concretização formal de uma relação que já era exercida substancialmente. A declaração de que a entidade organizada colaboraria de forma franca e leal com as autoridades constituídas sinaliza o rumo que parcela quantitativamente importante do movimento cooperativo assume, isto é, de afirmação do Estado ditatorial.

A OCB, que teve Antonio José Rodrigues Filho como primeiro Presidente, emerge, assim, "como produto dos interesses da classe governamental, que se utiliza destes aparatos privados de hegemonia do Estado, para desarticular ou organizar determinados setores e frações de classe".

Com a restrição ou eliminação dos espaços autônomos da sociedade civil contrários ao regime militar, o governo, no caso específico do campo, transforma o cooperativismo "no único canal político efetivo de representação dos interesses das massas trabalhadoras rurais", reforçado e garantindo o poder de vigilância pela forma de representação, a qual foi atribuída à OCB 18.

Para concluir este breve histórico, acrescenta-se que, ainda segundo Eduardo Faria, quando da aprovação do Projeto de Lei nº 292, que deu origem à Lei 5.764/71, a parte referente à unicidade de representação do movimento pela OCB (art. 105, 107 da Lei 5.764/71) praticamente apenas repetiu a ata de fundação desta entidade, dando status de organismo legalmente constituído de âmbito nacional, responsável por "unificar" o pensamento sobre as sociedades cooperativas, o que, numa ditadura militar, como forma de controle, era bem conveniente.

No entanto, na atual conjuntura, não pode prosperar este modelo de controle, muito menos a OCB poderá sustentar-se como a ultima ratio em relação à representação e à defesa do cooperativismo e das cooperativas, porque a estas é dado o direito de se auto-organizarem e auto-associarem livremente na consecução de seus interesses (princípios da auto-gestão democrática, autonomia e independência19 e da intercooperação, internacionalmente reconhecidos).

Feitas as devidas considerações, na prática diz o art. 105. da 5.764/71 que a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB é "sociedade civil, com sede na Capital Federal, órgão técnico-consultivo do Governo, estruturada nos termos desta Lei, sem finalidade lucrativa".

Neste diapasão, se a OCB é sociedade civil, logicamente tem natureza de pessoa jurídica de direito privado, portanto, não pode ser confundida com autarquia, fundação pública, agência reguladora ou agência executiva, que precipuamente são pessoas jurídicas que atuam sobre o regime administrativo de direito público. Nem, tampouco, como sociedade de economia mista ou empresa pública, pois não está estruturada como empresa. Muito menos, ainda, não poderá ser assemelhada com qualquer órgão da estrutura da Administração Pública da União, vez que, em sendo assim, não poderia falar-se em personalidade jurídica própria – o que também não é o caso 20.

Então, se a OCB é entidade de representação nacional dos interesses de todas as cooperativas do Brasil, que, no dizer da Lei 5.764/71, obrigatoriamente integram-na, seria correta sua aproximação com a figura dos sindicatos. Estes podem ser entendidos como "associação coletiva, de natureza privada voltada para a defesa e incremento de interesses coletivos profissionais e materiais de trabalhadores, sejam subordinados ou autônomos, e de empregadores"21. É bem verdade que a OCB vem sistematicamente, desde 1994, organizando-se, nos Estados da Federação, como sindicato, federação sindical e, até mesmo, confederação22. Contudo, não concordamos também com sua natureza sindical, pelo menos nos moldes como hoje se apresenta. Explica-se.

Primeiramente porque os sindicatos, desde sua origem, não tinham o escopo principal de romper com a lógica capitalista e extinguir a figura do empregador, como pretende o cooperativismo23. Os sindicatos visto como "organizações sociais constituídas para, segundo um princípio de autonomia privada coletiva, defender os interesses trabalhistas e econômicos nas relações coletivas entre os grupos sociais"24 visam precipuamente o equilíbrio de interesses entre os grupos de trabalhadores e de empregadores sem, entretanto, por fim à mais valia capitalista. Destarte, onde posicionaríamos a OCB? Na defesa dos interesses dos trabalhadores ou dos empregadores (patrões)? Em qualquer dos casos, a resposta positiva é diametralmente oposta às aspirações do movimento cooperativista.

E, segundo, porque não existe sindicato cuja filiação seja obrigatória (art. 8º, V, da CF/88). Sobre as denominadas "cláusulas de sindicalização forçada", Maurício Godinho Delgado explica que:

Há sistemáticas de incentivos à sindicalização (apelidadas de cláusulas de segurança sindical ou de sindicalização forçada) que são controvertidas no que tange à sua compatibilidade com o princípio da liberdade sindical [...] No Brasil tem prevalecido o entendimento denegatório de validade às citadas cláusulas de sindicalização forçada25.

De outra banda, poderíamos aproximar a OCB à estrutura das entidades representativas de profissões26 (como a OAB e os vários Conselhos Profissionais), tendo em vista que estas também têm por escopo a proteção dos interesses dos profissionais que representam e a regulamentação de suas profissões. Entretanto, cai por terra também esta configuração, quando analisamos o fundamento para existência das entidades representativas. Senão, vejamos.

A leitura do art. 5º, XIII da Constituição nos informa que é livre o exercício de qualquer profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei exige. Também o art. 21, XXIV c/c o art. 22, XVI, ambos da CF/88, nos diz que compete à União a organização, a manutenção e a execução da inspeção do trabalho e, privativamente, legislar sobre a organização nacional de emprego e condições para o exercício de profissões, podendo para tal mister delegar estas funções aos conselhos de classe, dotando-lhes do poder de polícia necessário para tanto. Nesta pisada, o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA DO TRABALHO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE ANUIDADES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL MESMO APÓS A EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 66/STJ. 1. Compete à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por Conselho de fiscalização profissional, ratio essendi da Súmula 66/STJ. 2. In casu, depreende-se que órgão fiscalizador de classe profissional não atua como se sindicato fosse; apenas exerce poder de polícia no que respeita ao exercício profissional; não se vislumbra relação de trabalho entre o conselho e a profissional ora executada, mas sim relação jurídica imposta por lei, tão-somente concernente à autorização para o exercício profissional; que os conselhos de classe profissional são imbuídos de poder polícia por delegação da União (art. 21, XXIV, c/c art. 22, XVI, ambos da CF/88), à luz do princípio da descentralização, razão pela qual a natureza da relação jurídica embasadora do título executivo extrajudicial é de direito público. Por isto que a competência para processar e julgar executivo fiscal movido por conselho de fiscalização profissional é da Justiça Federal, ainda com promulgação da EC nº 45/2004 superveniente à Súmula 66/STJ.

Precedentes do STJ: CC 55.401/SP, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Primeira Seção, DJ de 06 de março de 2006 e CC 36801/GO, Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Primeira Seção, DJ 27 de junho de 2004. [...]

(STJ - CC 68.448 - SP - 1ª S. - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 28.09.2006, sem negrito no orginal)

A OCB, contudo, não tem função de fiscalizar o exercício de profissão, porque "ser cooperado" é a qualidade de "ser sócio de cooperativa", não se enquadrando per si no conceito de profissão. Tanto é assim, que os cooperados – quer sejam médicos, quer advogados, engenheiros, odontologistas – necessitam do aval dos respectivos conselhos de classes para exercerem seus ofícios dentro de suas cooperativas, sendo contraproducente afirmar que a OCB teria o condão de suprir tal exigência ao "autorizar" o funcionamento das cooperativas.

Em outra esteira, se a Organização das Cooperativas do Brasil exerce a função de guarda dos interesses e da doutrina cooperativista e opina sobre os assuntos afetos ao cooperativismo, crê-se que sua natureza jurídica se aproxima a dos entes de colaboração estatal, como os que compõem o denominado "Sistema S", os quais inclusive são destinatários de contribuições sociais de interesse de categorias econômicas. Este entendimento foi reforçado principalmente após a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo-SESCOOP (que passou a integrar o "Sistema S"), o qual agindo em parceria com a OCB – por muitas vezes, com ela se confundindo, sendo muito comum dividirem o mesmo espaço nas unidades estaduais e até a mesma fonte de arrecadação 27, qual seja a contribuição compulsória de 2,5% sobre a folha de salários das cooperativas – tem a função de difundir a doutrina cooperativista, formar e treinar profissionalmente os trabalhadores de cooperativas e de assessorar o governo federal em assuntos de formação e gestão cooperativista 28 – logo, "órgão técnico-consultivo" (art. 105, caput, da Lei 5.764/71) assim como a OCB. Melhor seria, para acabar com as controvérsias, se o governo decidisse unificar as duas entidades.

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De outra sorte, se considerarmos as funções que competem à OCB, descritas no art. 105. da Lei 5.764/71, que reproduz os termos de seu estatuto de fundação, sem olvidar de suas peculiaridades, poderíamos aproximar o papel exercido por ela ao dos PROCON’s. Parece estranho, mas ao compararmos as disposições do referido artigo com os objetivos institucionais dos PROCON’s espalhados pelo país, mutatis mutandi, chegaremos à conclusão de que a OCB está para a defesa do cooperativismo, assim como o PROCON está para a defesa das relações de consumo. A tabela abaixo visa comprovar tal assertiva:

Funções institucionais da OCB descritas no art. 105 da Lei 5.764/71

Objetivos institucionais da Fundação Procon de São Paulo (art. 3º da Lei Estadual nº 9.192/95) 29

-fixar a política da organização com base nas proposições emanadas de seus órgãos técnicos (alínea "h")

-planejar, coordenar e executar à política estadual de proteção e defesa do consumidor, atendidas as diretrizes da Política Nacional das Relações de Consumo; (inciso I)

-denunciar ao Conselho Nacional de Cooperativismo práticas nocivas ao desenvolvimento cooperativista (alínea "e")

-recebimento e processamento de reclamações administrativas, individuais e coletivas, contra fornecedores de bens ou serviços; (inciso II)

- fiscalização do mercado consumidor para fazer cumprir as determinações da legislação de defesa do consumidor; (inciso XI)

- acompanhamento e propositura de ações judiciais coletivas; (inciso V)

-manter serviços de assistência geral ao sistema cooperativista, seja quanto à estrutura social, seja quanto aos métodos operacionais e orientação jurídica, mediante pareceres e recomendações, sujeitas, quando for o caso, à aprovação do Conselho Nacional de Cooperativismo – CNC (alínea "d")

-suporte técnico para a implantação de Procons Municipais Conveniados; (inciso XI)

- disponibilização de uma Ouvidoria para o recebimento, encaminhamento de críticas, sugestões ou elogios feitos pelos cidadão quanto aos serviços prestados pela Fundação Procon, com o objetivo de melhoria continua desses serviços; (inciso II)

- orientação aos consumidores e fornecedores acerca de seus direitos e obrigações nas relações de consumo; (inciso III)

-manter relações de integração com as entidades congêneres do exterior e suas cooperativas. (alínea "j")

-intercâmbio técnico com entidades oficiais, organizações privadas, e outros órgãos envolvidos com a defesa do consumidor, inclusive internacionais; (incisos VI e VII)

Seja como for, de fato a OCB exerce função insubstituivelmente necessária na difusão da doutrina cooperativista; na defesa dos interesses das cooperativas, com muitas conquistas relevantemente positivas para o desenvolvimento do movimento no Brasil e no Mundo; na formação e treinamento de novas lideranças cooperativas e de gestores, o que é muito importante para aumentar a competitividade e propiciar a expansão e a sobrevivência do movimento; na negociação junto ao governo por melhor tratamento às cooperativas, buscando sempre maior incentivo público às suas atividades; e, também, na identificação e no combate às "cooperativas" exploradoras de mão-de-obra, que apenas maculam a imagem do cooperativismo no país.

Enfim, por tudo isso, conclui-se que a OCB, no contexto atual do cooperativismo brasileiro, é entidade que exerce louvável papel, não podendo desaparecer. No entanto, deverá encontrar uma identidade mais consentânea com a ordem constitucional vigente do que a de "órgão controlador do cooperativismo". Oxalá que consiga em breve fazer-se sentir necessária aos objetivos e interesses das cooperativas como um todo (populares, agro-exportadoras, de crédito, de saúde, enfim, de todos os ramos) – quer seja como ente de colaboração, quer como o "PROCON do cooperativismo", quer como "sindicato cooperativista".

E isso responde à segunda de nossas indagações.

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Sobre o autor
José Carlos Bastos Silva Filho

Advogado.Procurador do Estado do Piauí.Professor. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Labora/ Universidade Estácio de Sá-RJ. Especialista em Direito Processual do Trabalho pela OAB/ESA-MA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, José Carlos Bastos. Cooperativas: a liberdade de associação e o registro obrigatório na OCB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1568, 17 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10495. Acesso em: 23 nov. 2024.

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