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Breves comentários ao controle de constitucionalidade no Brasil

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  "A Constituição sobrepõe-se à entidade central, às componentes, aos próprios indivíduos e a todos os órgãos do Estado. A subordinação é que é igual.
Todos são igualmente subordinados à Constituição. No momento em que a guarda da constituição decide, é povo mesmo que se pronuncia".

(Pontes de Miranda)


Em face da atual situação brasileira, que passa por reformas a nível constitucional e por conseguinte, autorizando o surgimento de uma verdadeira avalanche de Leis Ordinárias, a instabilidade jurídica tem se formado no panorama nacional. E, em decorrência desta situação, o instituto do Controle de Constitucionalidade ganha grande importância como forma de proteção de nossa Carta Magna, contra possíveis violações que, infelizmente, são passíveis de acontecer.

No sistema jurídico existe a chamada hierarquia de normas. Sendo que na lição de Celso Ribeiro Bastos (1), "as normas de direito encontram sempre seu fundamento em outras normas jurídicas". Assim as normas inferiores encontram seu fundamento de validade em outras normas de escalão superior. Desde a norma mais simples até à própria Constituição ocorre o fenômeno da "pirâmide jurídica". O problema reside na adequação de todas as normas de caráter inferior, com a própria Constituição a qual seria a topo da pirâmide.

Tendo em vista a hierarquia das normas, fica fácil verificar a condição de superlegalidade constitucional, que faz da Constituição a Lei das leis, um referencial para todo ordenamento jurídico, sendo que, ao menos em tese, a garantia dos princípios nela contidos estariam preservados. Assim, podemos dizer que o controle da constitucionalidade seria a forma de garantir a supremacia da Lei Magna, fato indispensável para todo Estado de Direito.

Dada a importância da Constituição para um ordenamento jurídico, sua elaboração requer um processo mais dificultoso do que é dado à elaboração de leis ordinárias, desta forma, ratificando sua supremacia. Isto denomina-se rigidez constitucional, antepondo-se à flexibilidade constitucional, onde leis ordinárias podem ganhar caráter imediato de condição constitucional (2).

A constituição rígida está estreitamente ligada ao controle de constitucionalidade, pois é esta característica que autoriza seu controle um seria pressuposto do outro, visto que nos estados que adotam constituições flexíveis não há necessidade desta verificação, visto que as leis ordinárias seriam elaboradas da mesma forma que as leis constitucionais, ficando niveladas juridicamente, não podendo se falar em adequação de umas às outras (3).

Feitas estas considerações, verifica-se que no ordenamento jurídico deve existir a compatibilidade vertical de normas. Tornando a incompatibilidade uma situação anômala, atacável via controle de constitucionalidade de Leis e atos do Poder Público. A incompatibilidade vertical, por sua vez, representa a inconstitucionalidade, manifestada de duas formas , a saber:

          Inconstitucionalidade Formal: As normas foram feitas por autoridades incompetentes (aspecto subjetivo) , ou foram feitas em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela própria constituição (aspecto objetivo) (4).

          Inconstitucionalidade material: Quando o conteúdo da norma vai de encontro ao que prescreve a Constituição. Conforme nos ensina Marcello Caetano em seu Manual de Ciência Política e Direito Constitucional (5), " Se a inconstitucionalidade resulta de Lei a conter preceitos que estejam em contradição com a doutrina constitucional, diz-se inconstitucionalidade material (designação que nada tem com o sentido material da palavra Constituição). Por exemplo: suponha-se que, dispondo a Constituição que o Estado não pode desviar os templos religiosos dos cultos a que são destinados, era publicada uma lei mandando transformar todas as igrejas em cinemas; havia oposição entre a norma legal e a norma constitucional e, como esta tem maior força do que aquela, tinha de se resolver o conflito dando primazia à de mais autoridade".

Aspecto relevante seria delinearmos o Órgão a quem compete o controle de constitucionalidade. No sistema brasileiro cabe este controle ao Poder Judiciário, Órgão que a Constituição reveste de certas garantias de independência em relação ao Legislativo e ao Executivo.

Há de se destacar que, no Brasil, existe um novo modelo de controle quanto ao orgão controlador, que poderíamos chamar de controle misto, pois considerando o momento de sua intervenção, se ser trata de controle preventivo ou prévio, este é feito por um órgão Político - Poder Executivo ou Legislativo(6).

O controle prévio, assim, seria um controle político, permitido que os próprios órgãos encarregados da elaboração da Lei, o exerçam. Existe em todos os sistemas constitucionais, e, em especial, em nosso país, concilia com excelência o interesse do Governo (opção pelo veto ao projeto) com as necessidades da população, devido a possibilidade de rejeição do veto pela maioria absoluta do Congresso (7).

Em síntese, o controle preventivo é feito quando a norma ainda é um "ato imperfeito", carente de eficácia jurídica.

Por sua vez, o controle judicial, através do Poder Judiciário, quase sempre inerte, pode ser difuso ou concentrado. Sendo o primeiro aquele em que qualquer juiz aprecia a alegação de inconstitucionalidade, típico do sistema constitucional norte americano; enquanto o segundo seria aquele no qual a competência para julgar a questão de inconstitucionalidade é reservada a um único órgão, modelo idealizado por HANS KELSEN e utilizado pela maioria dos países europeus.

No ordenamento pátrio, o sistema seria ao menos em princípio, concentrado, no entanto, existem claras características do sistema difuso, configurando-se, na verdade em uma forma mista de controle judicial.

A principal característica do controle difuso ou de via de exceção seria o fato de que a inconstitucionalidade é levantada em um processo em andamento, gerando um procedimento incedenter tantum, como ensina José Afonso da Silva (8), fazendo efeitos "inter partes" e "ex tunc". Vale ressaltar que, tal situação é provisória, sendo que a norma ou ato continua produzindo efeitos a terceiros, até que o Senado, por meio de resolução, suspenda sua executoriedade(CF-88, art. 52,X), com efeitos "erga omnes" e " ex nunc".

A suspensão do norma pelo Senado Federal só se concretiza se houver decisão definitiva do STF. Assim, a ação incidental deve chegar até este Órgão através de recurso ordinário ou extraordinário das partes, se a ação que na qual se argüiu, incidentalmente a inconstitucionalidade, não chega ao Supremo. A matéria decidida só terá efeitos entre as partes, como já foi dito.

Ainda com relação ao controle difuso, no caso de remessa do STF ao Senado para suspensão de executoriedade de lei, este não estaria vinculado a fazê-lo. O entendimento é fácil. Basta verificar que a Constituição não estipula prazo para tal, desta forma, o Senado poderia procrastinar o ato pelo tempo que entendesse necessário, dependendo do interesse ou não na suspensão da lei, tornando uma decisão que parecia obrigatória (9) em decisão meramente política.

O controle concentrado, representado no Brasil pela Adin, visa atacar o vício da lei, em tese, estadual ou federal. O Orgão de cúpula competente para julgá-la é o Supremo Tribunal Federal, incumbido da guarda de nossa Constituição. Esta decisão judicial faz coisa julgada "erga omnes", podendo ter efeito "ex tunc" ou "ex nunc", dependendo do caso em concreto, com inaplicabilidade imediata da lei sem necessidade de suspensão pelo Senado federal. Manuel Gonçalves Ferreira Filho nos ensina (10) que " A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende desnecessária a suspensão da eficácia quando a inconstitucionalidade foi reconhecida em decorrência de ação direta. O efeito desta decretação, portanto, além de erga omnes é imediato".

Os tribunais de justiça são competentes para a Adin contra ato normativo ou Lei municipal face à Constituição Estadual.

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Quanto à legitimidade para propor ação de inconstitucionalidade, no tocante ao controle difuso, cabe a qualquer pessoa que esteja em litígio, quer seja o autor, quer seja o réu.

Quanto ao controle concentrado, as constituições de 1946 e 1967 estabeleciam que a legitimidade pertencia ao Procurador Geral da República (11). Com o advento da Constituição de 1988 houve uma expansão do rol (12) das pessoas legitimadas para propositura da Adin, neste não se incluindo, como desejável, o cidadão.

Vale ressaltar que, mesmo ampliado este rol, é pacífico nas decisões Pretorianas, que quando se tratar de Mesa da assembléia Legislativa, Governador de Estado e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, há a necessidade de se provar o interesse específico na questão, a chamada "pertinência legal", para que se possa exercer o direito de propor a referida ação.

Após estes breves comentários, observou-se que este sistema de controle de constitucionalidade em conjunto com a rigidez constitucional é o mais perfeito que até agora se idealizou para assegurar a limitação jurídica do Poder dos governantes. Ocorre que tudo isto de nada vale se quando colocado em prática, esbarra em Poderes que levariam ao arrepio Montesquieu, em decorrência da utilização de uma política de total dependência entre si, desconhecendo ou fazendo desconhecer toda ou qualquer medida que garanta a Supremacia da Constituição, por conseguinte, de todo um POVO.


NOTAS

  1. Bastos, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 17º ed. SP: Saraiva, p. 345
  2. O Estatuto Albertino e um clássico exemplo deste sistema, onde o Poder Legislativo tem condição permanente de Poder Constituinte.
  3. O controle de constitucionalidade das leis é uma conseqüência da supremacia da Constituição, envolvendo matéria constitucional diferenciando de matéria ordinária.
  4. Celso Ribeiro Bastos simplifica dizendo " a inconstitucionalidade formal diz respeito tão-somente a um desvio na elaboração do ato" (Ob. Cit., p. 365.)
  5. Caetano, Marcello. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. Coimbra: Liv. Almedina, 1996, tomo I, p.344-345
  6. O professor Zeno Veloso em sua obra controle de constitucionalidade(Belém:CEJUP, 1999. P.176), acrescenta " A opinião, entre nós, é de que não é possível desfechar o controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, com relação a projetos de Lei ou à propostas de emendas à Constituição. Salvo o caso de inconstitucionalidade por omissão(CF, art.103§2º), entendendo-se, que a ação direta de constitucionalidade só pode ter por objeto leis e atos já editados e publicados" (grifo nosso).
  7. Diz o art. 66 da CF-88: Art. 66 - A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
  8. § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

    § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

    § 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.

    § 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

    § 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.

    § 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final, ressalvadas as matérias de que trata o art. 62, parágrafo único.

    § 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos §§ 3º e, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

  9. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional, 9º ed. SP: Malheiros Editora, 1992, p.54
  10. Manual Gonçalves Ferreira Filho sustenta a obrigatoriedade do Senado suspender a eficácia da Lei.(Curso de Direito Constitucional, saraiva. 20º ed. P.35).
  11. Ob. Cit., p.35.
  12. Na Constituição de 1967, o Ministério Público encontrava-se vinculado ao Poder Executivo, inviabilizando, desta forma, a independência do Procurador Geral da República, em questões de inconstitucionalidade de Lei ou ato oriundos daquele Poder.
  13. Art. 103 - Podem propor a ação de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa; V - o Governador de Estado; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - Partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
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Sobre o autor
Lauro Francisco da Silva Freitas Junior

acadêmico de Direito da Universidade da Amazônia (UNAMA), em Belém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS JUNIOR, Lauro Francisco Silva. Breves comentários ao controle de constitucionalidade no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105. Acesso em: 28 mar. 2024.

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Artigo elaborado como requisito para o 1º NPC da disciplina de Direito Constitucional Aplicado

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