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Mecanismos da Lei nº 8.666/93 para combater a prática de cartéis e preços excessivos em procedimentos licitatórios

07/10/2007 às 00:00
Leia nesta página:

"É muito freqüente que a Administração seja prejudicada em razão do comportamento de licitantes e contratados que agem em relação a ela com flagrante má-fé, buscando ampliar os seus benefícios privados em detrimento do interesse público. Ocorre que, em muitos casos, a Administração não toma as providências devidas para coibir tais comportamentos, não instaurando os devidos processos administrativos. Essa postura da Administração produz efeitos nefastos, haja vista que propaga sentimento de impunidade, que acaba por incentivar novos atentados ao interesse público.

Dessa sorte, a Administração tem a obrigação de coibir tais práticas, realizando todas as medidas previstas em Lei para punir os licitantes ou contratantes faltosos, de uma vez por todas, exigir ser tratada com o devido respeito e com seriedade. Se ela não o fizer, ninguém o fará." (NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico. Curitiba: Zênite Editora, 2004, p. 203)

A licitação é o procedimento administrativo composto de atos seqüencialmente ordenados e interdependentes, mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse, devendo ser conduzida em estrita conformidade com os princípios constitucionais e aqueles que lhes são correlatos, na forma do art. 3º da Lei nº 8.666/93:

"Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos." (g.n.)

A verificação da proposta mais vantajosa para a Administração pode tomar como base o critério do melhor preço ou da melhor técnica, ou ainda a combinação destes dois critérios. Embora o Estado seja dotado de inequívoco poder de compra, este deve, em função do princípio da livre concorrência, submeter-se aos preços de mercado, ao mesmo tempo em que deve combater as práticas econômicas de licitantes e contratantes que atuem com infração à ordem econômica (Lei nº 8.884/94).

Neste trabalho, abordaremos as normas de caráter material da Lei 8.666/93 que podem ser utilizadas pela Administração no curso do procedimento para combater esquemas colusivos entre concorrentes ou a imposição de preços excessivos, deixando para um outro futuro artigo a análise das normas que dispõe sobre sanções a serem impostas, sejam estas de natureza administrativa ou penal.

O processo licitatório é dividido em duas fases distintas: a interna e a externa. A fase interna compreende os atos que devem ser observados pela Administração na preparação da licitação, tais como: (i) elaboração de projeto básico ou executivo, no caso de obras de engenharia, (ii) estimativa do impacto orçamentário-financeiro, (iii) declaração do ordenador de despesa da adequação orçamentária com sua indicação, (iv) solicitação expressa do setor requisitante interessado, com indicação de sua necessidade, (v) solicitação expressa do setor requisitante interessado, com indicação de sua necessidade, (vi) autuação do processo correspondente, que deve ser protocolado e numerado, (vii) estimativa de custo/pesquisa de preço, (viii) elaboração da minuta do edital e seus anexos, os quais devem ser submetidos a (ix) aprovação pela consultoria jurídica do órgão ou entidade.

Assim, ultrapassada a fase interna da licitação, inicia-se a fase externa, com a publicação do instrumento convocatório (edital), recebimento de envelopes de habilitação e propostas, análise da habilitação dos interessados, abertura e análise da(s) proposta(s) do(s) habilitado(s), julgamento de eventual(is) recurso(s) e, finalmente, conforme o caso, homologação do certame.

A fase interna tem uma grande importância para a eficiência do procedimento licitatório, pois, de acordo com o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666/93, existe a possibilidade de estabelecimento de preços máximos por parte da Administração, o qual deverá ter base em pesquisa de mercado a ser realizada:

"Art. 40.  O edital conterá (...) e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

................................................................................................

X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º  do art. 48;" (g.n.)

O estabelecimento de preços máximos como critério objetivo de julgamento da aceitabilidade da proposta é feito mediante o cotejo direto das propostas obtidas com os preços (i) correntes de mercado, (ii) fixados por órgão oficial ou (iii) constantes de sistema de registro de preços, de acordo com o disposto no art. 43 da Lei º 8.666/93 [01].

Esta estimativa do custo é feita mediante pesquisa de preços, quando não se tratar de preços controlados por órgão oficial ou não constar de registro de preço, a qual terá uma importância capital, por servir a seis finalidades básicas: (i) definição da modalidade de licitação a ser adotada (convite, tomada de preços ou concorrência), na forma do art. 23 da Lei nº 8.666/93 [02], (ii) definir o prévio empenho da despesa, ou seja, determinar, ainda que por estimativa, o vulto financeiro da despesa pública a ser suportada pelos créditos orçamentários respectivos [03], (iii) servir de parâmetro para a definição das exigências atinentes à qualificação econômico-financeira a ser exigida para comprovação da boa situação financeira da empresa (ex. capital social ou patrimônio líquido [04]), (iv) verificar se a licitação se enquadra no conceito de "grande vulto", para efeito de análise da necessidade de que a licitação seja precedida de audiência pública [05], (v) verificação do enquadramento da licitação como sendo de "grande vulto", para efeito de elevação das garantias exigíveis [06] e (vi) servir de parâmetro de julgamento da aceitabilidade das propostas [07].

A Administração Pública tem o dever de instrumentalizar o seu processo de compra com uma estimativa confiável do valor de mercado para o bem a ser adquirido.

Uma cotação de mercado bem elaborada é um importante obstáculo a práticas anticoncorrenciais em licitações, na medida em que impede contratação acima do preço de mercado (cabe obtemperar que existe a possibilidade de prática anticoncorrencial durante própria fase interna da licitação, no momento da realização da cotação de preços e não na fase externa licitação, no momento da apresentação das propostas e documentos de habilitação), embora seja possível na fase externa que os concorrentes atuem em conluio com o fim de impedir a competição via redução de preços e, até mesmo, estabelecer o vencedor.

A estimativa do preço corrente de mercado permite à Administração proceder à comparação dos valores ofertados com a realidade do mercado, criando obstáculos a qualquer tentativa de superfaturamento [08] (aumento de preço acima do preço de mercado), por iniciativa isolada de um licitante ou por meio de prática colusiva entre licitantes.

Do ponto de vista da promoção da competitividade do certame e a obtenção de preços mais vantajosos para a Administração, a Comissão de Licitação não deve divulgar previamente o valor referencial máximo encontrado (os elementos da pesquisa devem, preferencialmente, ir para os autos do procedimento licitatório quando da prolação de decisão administrativa acerca da aceitabilidade das propostas, servindo como fundamento da decisão. Tal cuidado visa impedir que os licitantes se sintam incentivados a apresentar ofertas muito próximas ao "teto" estabelecido ou atuem de forma concertada para escolher qual membro do cartel ganhará a licitação e qual será o preço a ser praticado em detrimento da competitividade do certame e do interesse da coletividade, com a imposição de preços excessivos ao Erário.

Caso se verifique que as propostas apresentadas pelos licitantes se situaram acima do preço de mercado, a Comissão de Licitação deverá lançar mão do disposto no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, determinando aos licitantes a apresentação de novas propostas no prazo legal:

"Art. 48. (...)

§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis."

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Este dispositivo legal é um poderoso instrumento de combate a preços superfaturados e tentativas de cartelização em licitações públicas, na medida em que as propostas que, em face do princípio da sigilo das propostas [09], eram em tese sigilosas são tornadas públicas, possibilitando que uma firma que não faça parte do cartel, sabendo dos preços praticados pelo cartel detenha um posição privilegiada para competir com as firmas cartelizadas, sendo que em caso de propostas superiores ao preço de mercado (superfaturadas) existe um forte incentivo econômico para que os licitantes "traiam" o cartel, resultando na oferta de propostas mais vantajosas para a Administração.

Ademais, mesmo que o cartel queira demonstrar força frente à Administração e mantenha as suas propostas inicialmente formuladas, abre-se à Administração a possibilidade de proceder à contratação direta com qualquer fornecedor (não apenas os habilitados), desde que atenda às condições de habilitação pelo preço de mercado, mediante processo de dispensa de licitação, com fulcro no permissivo do inciso VII do art. 24 da Lei nº 8.666/93:

"Art. 24.  É dispensável a licitação:

................................................................................................

VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços;"

Deste modo, em existindo fornecedores que não façam parte do cartel, a efetividade da prática colusiva poderá ser obstada pela possibilidade que se abre para a Administração de contratar diretamente com terceiro estranho ao cartel, impedindo que a prática anticoncorrencial venha a produzir os efeitos restritivos ao bem estar econômico mediante a aplicação de preços supracompetitivos (acima dos preços correntes de mercado).

Portanto, para a existência de infração à ordem econômica, é necessário que o cartel atue na fase interna da licitação, distorcendo a pesquisa de preços mediante práticas colusivas para elevar o preço para patamares supracompetitivos ou impedindo a entrada de outros concorrentes e na fase externa, mediante conluio para estabelecer o vencedor e/ou o patamar final de preço a ser praticado.

Desta forma, tendo em vista o "recorte metodológico" do presente trabalho, não abordaremos neste artigo as sanções administrativas e penais cominadas pelas Leis nº 8.666/93 e 8.884/94 aos licitantes que elevam arbitrariamente seus preços ou atuam mediante atuação colusiva, concluindo, deste modo, pela necessidade de a Administração instrumentalizar os seus procedimentos licitatórios com preços referenciais criteriosamente estabelecidos, bem como observar que a Lei nº 8.666/93 põe à disposição da Administração dispositivos que, se adequadamente utilizados, podem servir para combater cartéis em licitações e evitar a imposição de preços excessivos por parte dos licitantes.


Notas

01 "Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: (...) IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;" (g.n.)

02 "Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação"

03 Lei nº 4.320/64, art. 58 e seguintes e art. 16 da Lei Complementar nº 101/00.

04 Lei nº 8.666/93, art. 31, inciso I.

05 Lei nº 8.666/93, art. 39.

06 Lei nº 8.666/93, art. 56, § 3º.

07 Lei nº 8.666/93, art. 43, inciso IV.

08 Neste conceito não se inclui aquele decorrente de descumprimento de dever funcional por parte dos membros da Comissão de Licitação, o qual implica em ato de improbidade administrativa, por causar prejuízo ao Erário (Lei n. 8.429/92, art. 10, inciso V) e pode configurar, até mesmo, o crime tipificado no art. 96, inciso I, da Lei n. 8.666/93.

09 Previsto no § 3º do artigo 3º da Lei nº 8.666/93: "§ 3º  A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura".

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Sobre o autor
Gabriel Santana Mônaco

especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÔNACO, Gabriel Santana. Mecanismos da Lei nº 8.666/93 para combater a prática de cartéis e preços excessivos em procedimentos licitatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1558, 7 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10505. Acesso em: 29 nov. 2024.

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