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Efetivação de funcionários públicos sem concurso público

09/10/2007 às 00:00
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Três PECs (Propostas de Emenda à Constituição —que receberam os números 02/99, 54/99 e 59/99), precisamente porque pretendem efetivar ou dar estabilidade a funcionários públicos sem concurso, estão (corretamente) sendo alvo de muitas críticas. São três novos "trens da alegria" (!), de acordo com a linguagem jornalística.

A primeira (PEC 02/99) almeja efetivar servidores contratados temporariamente, com mais de dez anos no serviço público, assim como os funcionários requisitados de estados e municípios para trabalhar em órgãos federais. A segunda (PEC 54/99) tem como propósito principal garantir a estabilidade de servidores não concursados, contratados no período de 1983 a 1988, ou seja, antes da Constituição Federal de 1988. Por fim, a última (PEC 59/99), seguindo os parâmetros da primeira, propõe a efetivação de servidores admitidos sem concurso público até a promulgação da Constituição.

Nessa mesma linha há ainda uma quarta PEC (471/05), que pretende efetivar em seus cargos, sem concurso público, os atuais responsáveis ou os substitutos de serviços notariais e registrais.

Beneficiários de várias dessas propostas são aqueles empregados públicos (regidos pela CLT), sem concurso, que integravam os quadros da administração pública antes da promulgação da CF de 1988.

As propostas legislativas em discussão partem do seguinte argumento: o concurso público, até o advento da CF de 1988, não era exigido (como regra geral obrigatória) para o ingresso no funcionalismo público. Esse é o principal fundamento apontado pelos autores e defensores das propostas em análise. Muitas pessoas ingressaram no serviço público de boa-fé e teriam ficado desprotegidas com as alterações jurídicas posteriores.

Vale recordar que a Constituição, ao ser promulgada, determinou expressamente a efetivação e estabilidade dos funcionários contratados sem concurso, desde que contassem, naquele momento, com mais de cinco anos de serviço. É o que se extrai do artigo 19 do ADCT, que dispõe:

"os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma do artigo 37, são considerados estáveis no serviço público".

Segundo estatísticas divulgadas pelos defensores das mencionadas PECs, ficaram excluídos dessa norma todos aqueles que possuíam menos tempo de serviço. São mais de duzentas mil pessoas que não devem ser ignoradas e desamparadas.

O que se pretende, na verdade, é a efetivação ou estabilidade de milhares de pessoas sem a observância do princípio do concurso público, que é o instrumento mais idôneo para se implantar a meritocracia, que se opõe a tudo que demarca não o Brasil moderno, senão o atrasado (clientelismo, peleguismo, empreguismo, coronelismo e nepotismo).

O STF possui entendimento pacífico a esse respeito: em inúmeras ocasiões (RE 167635-PA, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 07.02.97; ADI 289-CE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.07; ADI 1.350-RO, rel. Min. Celso de Mello, j. 24.02.05; RE 157.214-PA, rel. Min. Francisco Rezek, j. 23.04.96; ADI 3.582-PI, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 01.08.07 etc.) vem se posicionando no sentido de que a estabilidade excepcional garantida no artigo 19 do ADCT não implica em efetividade no cargo e que o princípio do concurso público é exigência insuperável para que o servidor seja investido (com efetividade e estabilidade) num cargo público.

De acordo com o artigo 41 da CF, a estabilidade somente é adquirida após três anos de efetivo exercício, desde que se trate de servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. Nessa esteira, não há como negar a relação de causalidade entre a exigência do concurso público, a efetividade e a estabilidade. O servidor público somente será efetivo quando nomeado para cargo público, em razão de aprovação em concurso público; e somente adquire estabilidade quando for efetivo. O concurso público, como se vê, é pressuposto lógico (prius lógico) da efetividade, assim como esta última o é da estabilidade.

O artigo 19 do ADCT procurou assegurar a estabilidade aos funcionários que exerciam suas funções de modo instável há mais de cinco anos. Deu-se a garantia do emprego, não a efetividade. O que se pretende agora é esta última, mas sem o concurso público que, além de atender o princípio da moralidade, ainda garante a estrita observância da igualdade.

Correta, nesse diapasão, a postura da OAB nacional que noticiou: vai ingressar no STF com ADI, caso o Parlamento (deputados e senadores) aprove qualquer uma das propostas legislativas flagrantemente violadoras do princípio do concurso público, da moralidade e da igualdade (O Estado de S. Paulo, 04 de julho de 2007, p. A4).

Livro recente ("A cabeça do brasileiro", do sociólogo Alberto Carlos Almeida, São Paulo: Record, 2007) veio comprovar (estatisticamente) que os brasileiros, efetivamente, lidam muito mal com a igualdade. O dois Brasis que vivenciamos (o arcaico e o moderno, o ignorante e o escolarizado) mostram-se divididos em muitos pontos. De qualquer modo, é certo que "a grande massa da população de escolaridade baixa não expressa os valores democráticos e igualitários, identificados por Inglehart e Welzel" (p. 21).

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O terrível e preocupante é que nosso Parlamento, em regra, do alto da sua irresponsabilidade, discursa e/ou decide levando em conta o caldo de cultura que permeia essa massa de escolaridade baixa, que retrata o Brasil (arcaico e atrasado) descrito pelo antropólogo Roberto DaMatta ("Carnavais, malandros e heróis"; "A casa & e a rua") como hierárquico, familista, patrimonialista, nepotista, fatalista, punitivista etc. (p. 26). Isso tudo é muito lamentável!

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Efetivação de funcionários públicos sem concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1560, 9 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10507. Acesso em: 22 nov. 2024.

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