4.Das razões jurídicas que o Tribunal Superior do Trabalho se vale para não executar de ofício a totalidade do vínculo empregatício reconhecido na faina obreira. Inconsistência frente aos ditames da Constituição Federal.
Lançando mão de um bosquejo histórico, melhor dizendo, antecedentemente à nova versão da Súmula 368, I, do Tribunal Superior do Trabalho, a dita Corte perfilava a senda da competência da Justiça do Trabalho para executar de oficio as contribuições previdenciárias alusivamente a integralidade do tempo de serviço reconhecido pela sentença obreira.
Os fundamentos jurídicos para convalidar a referida competência, dentre outras tantas decisões, aquilatam-se de excertos de notícias oriundas daquele palácio de justiça, como se vislumbra:
"Depois de reconhecer o vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho tem competência para executar o recolhimento de contribuições à Previdência Social. (...) "Trata-se de atribuir à norma constitucional interpretação que viabilize a máxima eficácia", afirmou o relator do recurso, ministro Carlos Alberto Reis de Paula. O presidente da Terceira Turma, ministro Vantuil Abdala, afirmou que a decisão é de extrema importância. Segundo ele, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho trouxe benefícios tanto para os trabalhadores quanto para o Estado. "Isso porque mesmo após ter seu vínculo de emprego reconhecido pela Justiça do Trabalho, o trabalhador travava uma luta na hora de se aposentar, pois não conseguia provar o tempo de serviço, já que as contribuições ao INSS não haviam sido recolhidas", afirmou." (RR 490/2001; não estão presentes na fonte os parênteses e as reticências).
Após a reedição da epigrafada Súmula 368 outras são as motivações para justificar a retração competencial da Justiça do Trabalho quanto às execuções de ofício, em sede previdenciária, pois veja-se:
"A ministra Cristina Peduzzi explicou porque afasta a competência da Justiça do Trabalho em casos como este. "Por um lado, não está delineada a base de cálculo para a definição do crédito previdenciário em relação a cada mês de competência e, por outro, o fato gerador não está comprovado, mas apenas presumido, visto que não há como confirmar o real pagamento ou crédito da remuneração. Assim, deve o INSS, sobre esse período, efetuar o lançamento do tributo e, se pertinente, mover a ação para execução do crédito na Justiça Federal.".
(Fonte: Gazeta Mercantil, notícia de 17.02.2005) (negritou-se).
Com todo respeito, os argumentos supra não merecem prosperar, por que:
a) Existe base de cálculo para execução de ofício de todo período reconhecido pela Justiça do Trabalho – por primeiro, a Lei nº. 8.212/91, em seu art. 103, registra: "O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias a partir da data de sua publicação"; em segundo passo, depois da edição de sucessivos regulamentos, nos dias que correm tem-se o Decreto nº. 3.048/99, que trata da matéria em análise no art. 276, § 7º.
É o que se extrai, de maneira solar, da lição de José Evaldo Bento Mato Junior, na matéria "Uma crítica à reedição do Enunciado n° 368 do TST" (Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 928, 17 jan. 2006. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2006), ao discorrer:
"Com efeito, a Lei 8212/91 é quem organiza a Seguridade Social e instituiu o Plano de Custeio trazendo os melindres de toda a estrutura. O art. 43 explicita que nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social e no seu § único, esclarece que nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.".
E continua o festejado escritor:
"Regulamentando o art.43 com maior vagar, o art. 276 § 7º do Decreto 3048/99 é claro em estabelecer que: Art.276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. § 7
ºSe da decisão resultar reconhecimento de vínculo empregatício, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do reclamante, para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenham sido reclamadas na ação, tomando-se por base de incidência, na ordem, o valor da remuneração paga, quando conhecida, da remuneração paga a outro empregado de categoria ou função equivalente ou semelhante, do salário normativo da categoria ou do salário mínimo mensal, permitida a compensação das contribuições patronais eventualmente recolhidas.". (sublinhou-se).
b) O fato gerador da exação previdenciária não é presumido – desde logo, quem dita o fato gerador exeqüível é a própria Constituição Federal ao riscar, no seu art. 114, VIII que: "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;". (apôs-se negrito).
Ora, o fato gerador é perceptível uma vez que ele advém do próprio reconhecimento do vínculo empregatício e não do solvimento ou não de quantias vertidas ao obreiro, como bem enfatiza o Superior Tribunal de Justiça, in expressis:
"1. O fato gerador da contribuição previdenciária do empregado não é o efetivo pagamento da remuneração, mas a relação laboral existente entre o empregador e o obreiro.
2. O alargamento do prazo conferido ao empregador pelo art. 459 da CLT para pagar a folha de salários até o dia cinco (05) do mês subseqüente ao laborado não influi na data do recolhimento da contribuição previdenciária, porquanto ambas as leis versam relações jurídicas distintas; a saber: a relação tributária e a relação trabalhista.
3. As normas de natureza trabalhista e previdenciária revelam nítida compatibilidade, devendo o recolhimento da contribuição previdenciária ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário do empregado.
4. Em sede tributária, os eventuais favores fiscais devem estar expressos na norma de instituição da exação, em nome do princípio da legalidade.
5. Raciocínio inverso conduziria a uma liberação tributária não prevista em lei, toda vez que o empregador não adimplisse com as suas obrigações trabalhistas, o que se revela desarrazoado à luz da lógica jurídica.
6. Recurso desprovido. (RESP 419667 / RS; RECURSO ESPECIAL 2002/0028796-7).", apud José Evaldo Bento Matos Junior, na matéria cognominada Aspectos práticos da execução fiscal da contribuição previdenciária na Justiça do Trabalho, elabora em 09.03.2005, publicada no site http://www.escritorioonline.com/index.php, acessada em 22.09.06.
O epílogo vem com a judiciosa lira do já referenciado José Evaldo Bento Matos Junior, ob.cit., ao deitar que:
"Há uma discussão sobre se o fato gerador seria o pagamento da remuneração ou a simples prestação de serviço pelo empregado ou prestador de serviço. O STJ, intérprete da legislação infraconstitucional já definiu o entendimento de que a prestação do serviço é o fato gerador".
Logo, existem tanto a base de cálculo quanto o fato gerador para a execução de ofício das contribuições previdenciárias da globalidade do interstício temporal reconhecido pela justiça especializada, como restou amplamente demonstrado precedentemente.
5.Da monofilaquia tendencial como reclamo de unicidade de tratamento a fatos históricos idênticos:
O que se entrevê nessa modesta matéria, se não rendida homenagem à conduta similar do intérprete do Direito frente à situação histórica de todo congênere, já que o acidente de trabalho, como evento factual o será tanto na apreciação da Justiça do Trabalho quanto na quadra do judiciário estadual, é que, mesmo assim, pela disparidade de competência, poderá ser tido como existente em uma seara e negado em outra, abalando a viga mestra do sistema normativo que é a busca de uma certeza jurídica, ainda que conscientemente relativa.
Logo, o jurisdicionado não conseguiria entender, e com toda razão, que pudesse se ver acidentado no trabalho por um ramo do Judiciário e desacidentado por outro, fator este, repugnante mesmo, ao próprio princípio da razoabilidade, uma vez que fugiria de um mínimo senso lógico.
Não pára por aí, o segundo tormentoso problema é o de se reconhecer o vínculo trabalhista de alguém, máxime porque, a sentença da justiça especializada é tida como início de prova documental pelo augusto Superior Tribunal de Justiça, e, mesmo assim, o INSS não antever o signo de segurado para este operário, ou seja, ocorrer outra flagrante antinomia: o cidadão é tido, pela Justiça do Trabalho, como empregado de outrem por determinado tempo, e na lógica da lei previdenciária, ver-se-ia como segurado obrigatório (art. 12, I da Lei 8.212/91), contudo, para o INSS assim não seria. Perdoada a burlesca colocação, é de se afirmar: o empregado pela Justiça do Trabalho é desempregado pela Previdência Social!
Esse estado de coisas, infeliz por certo, somente será barrado com o emprego de uma hermenêutica que se estribe na monofilaquia tendencial, tal como registrado por Arruda Alvim, ob cit Flávio Cheim Jorge:
"Aliás, tais técnicas correspondem ao mais comezinho princípio de filosofia, ou mesmo de bom senso: uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições. Quer dizer: a lei não poderá ter sentidos diversos, num mesmo momento histórico. Ademais, o problema ora considerado tem como pressuposto fundamental a diversidade, num mesmo instante, a qual a diversidade reclama a volta à uniformidade.".
Está em jogo, não um interesse qualquer, mas sim a protetividade da dignidade humana e da valorização social do trabalho, razão de ser da própria ontologia do judiciário obreiro, de modo que o que eu pretendo realçar é que a interpretação dos temas lançados neste artigo haverá de pautar-se pelo viés sócio-político-jurídico, relativizando e ponderando os bens da vida em jogo, sem perder de vista, no entanto, que a leitura das regras há de prestigiar o ser humano mais fragilizado na relação jurídica, que indubitavelmente é o trabalhador-segurado.
Toma-se de empréstimo os apropriados comentários de lavra de Adalcy Rachid Coutinho, expressos no livro Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, [et. al]; org. Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª ed. Rev e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 429, citação do texto "4 – O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, autora Maria Celina Bodin de Moraes, p. 149, em que preleciona:
"Albert Einstein foi o primeiro a identificar a relatividade de todas as coisas: do movimento, da distância, da massa, do espaço, do tempo. Mas ele tinha em mente um valor geral e absoluto, em relação ao qual valorava a relatividade: a constância, no vácuo, da velocidade da luz. Seria o caso, creio eu, de usar esta analogia, a da relatividade das coisas e a do valor absoluto da velocidade da luz, para expressar que também no Direito, hoje, tudo se tornou relativo, ponderável, em relação, porém, ao único princípio capaz de dar harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento jurídico de nosso tempo: a dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os interesses contrapostos, se encontre.". (os grifos pertencem ao articulista).
O que se está a assistir, infelizmente, se não alterado o paradigma de gente, isto é, se a Justiça do Trabalho não for competente para as lides acidentárias ajuizadas em face do INSS e, demais disso, se as sentenças deste órgão jurisdicional, que reconhecerem dilatados vínculos empregatícios, não gerarem execução de ofício de todas as contribuições previdenciárias, e servirem para a persecução de benefícios securitários, é a patética tecnocracia burocrática engessando direitos fundamentais, não por decorrência de condutas de agente públicos, mas sim, por um desejo institucional do INSS em lesar a sua clientela.
Meu espírito, às profundas entranhas de meu ser, reclama a inapagável frase de Ferdinad Lassale, ob. cit. p. 80, verbo ad verbum:
"E não esqueçam, meus amigos, os governos tem servidores práticos, não retóricos, grandes servidores como eu os desejaria para o povo."
Este, identicamente, é o brado, diga-se de passagem, irresignado de nossa verve, ainda que apequenada no nível do cenário nacional. Mas, cônscia de que o trabalhador brasileiro, já tão achincalhado em seus direitos, não pode mais se ver alijado de uma aplicação normativa que resguarde na integralidade a sua dignidade humana e erradique práticas nefastas de certos empregadores que, por meio de lobby, alcançaram o afastamento da competência da Justiça do Trabalho para as lides acidentárias que envolvam a persecução previdenciária, e, igualmente, estão a construir – ou desconstruir – a higidez da sentença trabalhista como início de prova no pálio securitário.
Que, em arremate, os operadores do Direito meditem sobre as graves conseqüências dos temas expostos preteritamente e, com senso de humanidade e com o fanal de se encontrar uma tutela jurídica justa, enveredem-se pela profilática monofilaquia tendencial, relativizando e ponderando valores sem perder o norte do garantismo da dignidade humana e, muito menos, causarem reais perdas de chance a seres já tão desfalecidos!
6.Das conclusões:
Do exposto se infere que:
1) A competência residual para dirimir lides acidentárias propostas em desfavor do INSS é da Justiça do Trabalho, porque a exceção contida no inciso I, do art. 109, da Constituição Federal apenas afasta a competência da Justiça Federal Comum, já o art. 114, VI, da mesma Lei Maior, a atrai para a justiça obreira, máxime, em nome do princípio da unidade de convicção.
2) Demais disso, o acidente de trabalho decorre da existência da relação de trabalho e não seria inteligível que essa Justiça Especializada detivesse competência para análise desta última (art. 114, I, da Lei Mater) e, mesmo assim, não pudesse sindicar a infortunística, até porque contrariaria o contido no art. 108, do Código de Processo Civil aplicável na espécie por força do art. 769, da Consolidação das Leis Trabalhistas.
3) A execução de ofício pela Justiça do Trabalho das contribuições previdenciárias tem gerado dois entendimentos:
a) o escandido na súmula 368, I, do Tribunal Superior do Trabalho, na sua versão atual assenta que a execução de ofício das contribuições previdenciárias pela justiça obreira dar-se-ia, unicamente, quanto aos períodos reconhecidos e que gerarem fator pecuniário em prol do empregado, porque isto seria o conteúdo material da própria decisão proferida e, com isso, cumprida restaria a parte final do art. 114, VIII, da Constituição Federal, norma essa erigida pela Emenda Constitucional nº. 45/2004.
b) abarcar apenas os créditos trabalhistas decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça Laboral não faria necessária justiça previdenciária ao operário, tanto assim que outra era a redação da Súmula 368, I, do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que mudara de posicionamento por não vislumbrar maiores vantagens ao segurado, haja vista que a realidade pragmática estava em que o INSS percebia as contribuições, e, mesmo assim, não computava os lapsos temporais dela decorrentes quando do pleito de benefício previdenciário pelo trabalhador, calcado na Instrução Normativa nº 118/INSS/DC, de 14.04.05, §3º.
4) Em nosso modo de ver, entretanto, outras devem ser as posturas a serem adotadas:
a) enveredando-se pela tese sufragada na alínea anterior (item 3 - b), mormente se houver início de prova documental na inicial trabalhista e também se tiver ocorrido a oitiva de testemunhas no átrio da Vara do Trabalho, não há motivo de que o INSS se negue ao cômputo do tempo cujo vínculo fora acertado pelo comando sentencial, até mesmo porque, o Superior Tribunal de Justiça já firmara orientação de que o decisório trabalhista já é, por si mesmo, o cognominado início de prova documental.
b) em se executando de ofício todo o período trabalhado, independentemente dos efeitos pecuniários a serem vertidos para o empregado, ordenando-se na parte dispositiva do ato sentencial uma obrigação de fazer ao INSS, qual seja, a de que as contribuições estão sendo cobradas pela Justiça do Trabalho (o que confirma o signo contributivo previdenciário) e, por isso, o tempo das mesmas haverá de ser averbado securitariamente, não se tem dúvida de que se poderá, sem medo, restaurar a antiga dicção da súmula 368, I, do egrégio Tribunal Superior do Trabalho, porque assim, efetivamente, se fará justiça à parte hipossuficiente da relação jurídica.
5) Não há óbice para que se execute de ofício a totalidade das contribuições previdenciárias advindas do reconhecimento de dilargado vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho, haja vista que presentes estão, tanto a base de cálculo (art. 276, § 7º, do Decreto 3.048/99), quanto o fato gerador (art. 195, I, a e II, da Constituição Federal), que nada tem de presumido, já que não está vinculado a virtual pagamento da remuneração, mas sim a prestação do labor em si mesmo, como restou acertado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça.
6) Com o emprego de uma exegese monofilácica tendencial, isto é, aquela que em um mesmo dado histórico apregoa uniforme interpretação legal, evitar-se-ão paradoxos como o de se ter alguém como vitimado pelo acidente de trabalho na seara da justiça obreira, e extirpado dele na Justiça Comum, ou, ainda, que um cidadão que seja tido como empregado de outrem pela justiça especializada e ao dirigir-se ao INSS perceba que aquele comando judicial que reconhecera o vínculo e executara de ofício contribuições previdenciárias tem servido, tão somente, como uma folha de papel em branco, como nula, aliás, tem sido o respeito à dignidade humana e à própria cidadania, em inúmeras ocasiões, por parte da Previdência Social, que tem o desiderato constitucional de bem curar os desvalidos (art. 201, I, da Carta de Outubro).