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Introdução ao direito constitucional chinês

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A tradição chinesa desdobrou-se em um mundo fechado, que recusava a presença e o contato com o estrangeiro e que para o ocidente era tema das incríveis narrativas de Marco Polo. Tratava-se de um universo chinês, reflexo de circunstância que transcendia mera expressão de síntese geopolítica (ABI-SAD, 1996, p. 13). Inserida em mundo globalizado, nos moldes de capitalismo guanxi, desenvolvido por governos locais e provinciais conectados com empresas chinesas localizadas no exterior (cf. CASTELLS, 2002c, p. 358), a China há muito afastou-se do imaginário romântico de Henfil, que a visitou antes da coca-cola, e que deu início a seu livro prosaico escrevendo que a China já foi vista como país pobre, símbolo da mortalidade infantil, juvenil e profissional, no qual se desdobram negócios escusos, que engendram a popular referência de negócio da China (cf. HENFIL, 1984, p. 9).

A revolução comunista de 1949 desdobra-se em dois momentos. Uma fase ortodoxa que se alastra até a morte de Mao em 1976 e um período pragmático, que chega até nossos dias (cf. ROBERTS, 1999, p. 256). A prosperidade com que hoje se acena ameaça modelo autoritário, porque estimulante de questionamentos e problematizações (cf. FAIRBANK e GOLDMAN, 2002, p. 455). Ao lado de suposta incompatibilidade entre a normatividade do regime de Mao e a maximização da riqueza de tentências mais pragmáticas, paira ainda a tradição que radica em Confúcio, em torno da qual se ergue a civilização chinesa, cuja ética clássica escora-se em passagens literárias e filosóficas sublimes, dando conta de que mesmo que tenhas apenas grãos ordinários como alimento, água para beber e teu braço dobrado como travesseiro, ainda podes ser feliz (...) riquezas e honrarias sem justiça são para mim como nuvens passageiras (CONFÚCIO, 2005, p. 34). Emerge deste triângulo cultural vida dinâmica, para a qual se ensaia uma constituição de feições ocidentais, de que trato em seguida.

O texto constitucional chinês conta com extenso preâmbulo que sintetiza a história do país. Afirma-se de início que a China é um dos países mais antigos do mundo. Indica-se que as diversas nacionalidades chinesas, que contribuíram para a criação de uma cultura brilhante, possuem tradições revolucionárias gloriosas. Observa-se que a partir de 1840 da Era Cristã as tradições feudais chinesas sofreram impactos que transformaram o país, cuja estrutura passou a transitar do semicolonial para o semifeudal. Conta-se, ainda no preâmbulo do texto constitucional, que o povo chinês tem lutado incessantemente, objetivando a independência do país, a libertação nacional e a conquista da democracia. Observa-se no referido preâmbulo que ao longo do século XX transformações históricas sacudiram a China.

Refere-se à revolução de 1911, dirigida por Sun Yat-Sen (que é nominado de doutor), e que teria abolido a monarquia feudal, fundando a República Chinesa. Restava no entanto inacabada a tarefa histórica do povo chinês (nos termos do preâmbulo); a empreitada de enterrar o imperialismo e o feudalismo deveria ser cumprida. Sob a direção do Partido Comunista Chinês (e de seu guia, Mao Tsé-Tung), as diferentes nacionalidades chinesas, depois de anos de lutas e de dificuldades, conseguiram finalmente, em 1919, derrubar o imperialismo, o feudalismo e o capitalismo burocrático. Consolidava-se a vitória popular, e ainda nas palavras do preâmbulo da constituição chinesa, conquistava o povo a posição de senhor e mestre do próprio país.

Continua o preâmbulo indicando que após a fundação da República Popular Chinesa a sociedade passou pela transformação progressiva de democracia para regime socialista pleno. Realizou-se a apropriação socialista da propriedade privada dos bens de produção, abolindo-se o sistema de exploração do homem pelo homem, mediante a instalação definitiva do regime socialista. A ditadura democrática (sic) popular, dirigida pela classe trabalhadora é baseada em aliança entre operários e camponeses. Afirma-se que o povo chinês e o exército popular de libertação enfrentaram agressões, sabotagens e provocações armadas do imperialismo internacional, conseguindo manter a independência e a segurança do país, reforçando e segurança nacional, desde então consolidada.

O preâmbulo da constituição chinesa afirma que graças aos sucessos obtidos pelo movimento de reconstrução econômica logrou-se a obtenção de sistema socialista independente e relativamente completo, garantindo-se o crescimento da economia agrícola. Observou-se que a educação, a ciência e a cultura se desenvolveram a partir do triunfo da revolução comunista. O preâmbulo afirma que a educação ideológica socialista registrou sucessos, melhorando-se as condições de vida da grande massa do povo chinês.

Reafirma-se a liderança do marxismo-leninismo, sob a batuta de Mao-Tsé-Tung, em que pese obstáculos e dificuldades. Consigna-se que a China encontra-se vivendo a primeira etapa do socialismo. O Estado teria como tarefa fundamental a concentração de esforços relativos a modernização socialista, levando-se em conta as peculiaridades chinesas. O preâmbulo da constituição chinesa consigna que os exploradores do país foram liquidados enquanto classe social. Continua-se com a declaração de que Taiwan é território sagrado da República Popular da China, cuja obra grandiosa de reunificação depende da absorção daquele território.

O preâmbulo da constituição chinesa insiste que a edificação do socialismo deve ser feita por meio do apoio da classe trabalhadora, dos camponeses e dos intelectuais. Esses grupos teriam formado ampla frente patriótica, ao longo dos anos do avanço revolucionário. A direção fora empreendida pelo partido comunista. Prevê-se que a República Popular da China seja um Estado multinacional unitário, cuja criação dependeu da associação das diversas nacionalidades que convivem no país. Determina-se que na busca de uma nacionalidade única e forte deve se combater o chauvinismo de uma grande nacionalidade imaginária, plasmada no chauvinismo do grande Han, bem como a todos os nacionalismos localizados. Consigna-se que o Estado vai se valer de todos os esforços para contribuir para a prosperidade comum das diversas nacionalidades.

O preâmbulo da constituição da China afirma que as realizações revolucionárias e a edificação do socialismo são inseparáveis do apoio dos povos do mundo. O futuro da China estaria ligado ao futuro do mundo inteiro. De modo a desenvolver suas relações diplomáticas e o intercâmbio econômico e cultural com os outros povos, a China leva em conta os seguintes princípios, a saber: respeito da soberania e da integridade territorial, não agressão mútua, não ingerência em negócios internos, igualdade e vantagens recíprocas, coexistência pacífica.

Reafirma-se a continuidade da luta contra o imperialismo, contra hegemonias, contra o colonialismo. O preâmbulo da constituição chinesa reforça solidariedade para com todos os povos da Terra, apoio às nações oprimidas e ajuda aos países em desenvolvimento. Como pano de fundo busca-se o desenvolvimento da economia nacional e a obtenção da paz mundial e do progresso da humanidade. A constituição é documento que consagra sob forma normativa a luta do povo chinês, ainda nas palavras do extenso preâmbulo que se acabou de considerar.

Após o longo preâmbulo, o texto constitucional chinês propriamente dito indica que a República Popular da China é um Estado socialista de ditadura democrática popular, dirigida pela classe trabalhadora e baseada em aliança entre operários e camponeses. Decreta-se que o regime socialista é o sistema fundamental da República Popular da China, proibindo-se que qualquer indivíduo ou organização atente contra o regime. Afirma-se que todo o poder pertence ao povo. Esse poder é exercido por meio de uma Assembléia Nacional Popular e pelas assembléias populares locais. O povo participa na gestão do país, dos negócios, e da cultura nacional, do modo como previsto em lei ordinária.

Os órgãos de Estado funcionam nos termos de um centralismo democrático. A Assembléia Popular Nacional e as assembléias locais contam com membros democraticamente eleitos. Órgãos administrativos, judiciários e do ministério público são escolhidos pelas assembléias populares, em relação a quem são responsáveis e por quem são controlados. Um poder central nacional concentra condição de orientador de políticas e ações, tomadas com participação e dinamismo das populações locais interessadas.

Afirma-se que todas as nacionalidades são iguais em direitos no quadro da República Democrática da China. O Estado garante o gozo de direitos e de interesses legítimos de minorias nacionais. Condenam-se todas as formas de discriminação e de opressão. Garantem-se a todas as minorias nacionais o poder de uso da própria língua, da escrita, bem como o direito de conservação ou de reforma de usos e costumes.

O Estado assegura a unidade e a integridade da legalidade socialista. Proíbe-se explicitamente a antinomia de regra administrativa ou norma local em face do texto constitucional. Obriga-se o respeito da constituição, com especial indicação de forças armadas, partidos políticos e agrupamentos sociais. Não se outorgam privilégios de inaplicabilidade de regras constitucionais.

O regime econômico socialista da República Popular da China tem como base a propriedade socialista e pública dos meios de produção. A economia rural e familiar é fundada sob regime de cooperação, em suas várias formas, que variam da produção, para o armazenamento, venda, crédito, bem como para o consumo. Os trabalhadores que participam dessas cooperativas têm o direito, nos limites da lei, de explorar parcelas da terra cultivável, de comercializar a produção subsidiária e excedente familiar e de possuir cabeças de gado a título individual. Esses direitos foram incorporados mediante emenda constitucional, passada em 29 de março de 1993. As diversas formas de economia cooperativa que englobem empresas com funcionamento em áreas de aglomeração urbana, relativas ao artesanato, à indústria, à construção civil, aos transportes, ao comércio e aos serviços em geral pertencem aos setores socialistas da economia, na maneira como fundados na propriedade coletiva das classes trabalhadoras. O Estado protege direitos e interesses legítimos das organizações econômicas coletivas, urbanas e rurais, e ainda incentiva, orienta e mantém o desenvolvimento de uma economia coletiva.

Os recursos minerais, águas, florestas, montanhas, terras incultas, dunas de areia, além de todos os demais recursos naturais são propriedade do Estado. Ao indicar que tais bens são propriedade do Estado a constituição chinesa toma a precaução de adiantar que por propriedade do Estado se deva entender propriedade de todo o povo. Exceções são feitas a recursos submetidos a propriedade coletiva, definidos como tal, a exemplo, entre outros, de florestas. O Estado garante a utilização racional dos recursos naturais e protege plantas e animais raros. É proibido a todos, pessoas ou organizações populares, a apropriação ou a destruição de recursos naturais. As terras em ambiente urbano são de propriedade exclusiva do Estado. Por conta de interesse público o Estado pode requisitar o uso de qualquer terra, nos termos de lei. Em 12 de abril de 1988 reformou-se excerto da constituição chinesa, disciplinando-se que nenhuma organização ou indivíduo podem apropriar-se de terras, vendendo-as ou comprando-as; é que o direito de utilização do espaço depende de regulamentação específica de lei, a partir do texto constitucional.

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A economia individual dos trabalhadores urbanos e rurais, decorrente de atividade disciplinada e prevista em lei, constitui complemento do setor socialista, que é baseado no regime de propriedade pública. O Estado protege direitos e interesses legítimos da economia desenvolvida de modo individual, orientando, auxiliando e controlando por meio de medidas administrativas o implemento de tais atividades. O Estado permite que o setor privado da economia possa existir e se desenvolver nos termos da lei, enquanto complemento da atividade socialista, de acordo com reforma constitucional já citada, de 12 de abril de 1988.

Indica-se que os bens públicos socialistas são sagrados e invioláveis. O Estado tem obrigação de protegê-los, nos termos da constituição chinesa. O Estado também protege ao direito dos cidadãos exercerem a propriedade sobre receitas legítimas, economias, residências e demais bens legalmente adquiridos. O Estado protege, nos termos da lei, o direito de herança, referente a bens de cunho necessariamente particular.

O Estado compromete-se em exaltar o ardor dos trabalhadores e em elevar os conhecimentos técnicos dos mesmos. Compromete-se também em propagar as ciências e as técnicas mais avançadas, de modo a se aperfeiçoar o sistema de gestão econômica e o modelo de exploração empresarial, aplicando um sistema socialista de responsabilidade em suas mais diversas formas. O Estado aplica regime de economia absoluta, lutando contra todas as formas de gastos perdulários. Promove-se modelo racional de relação entre acumulação e consumo, tendo-se em vista o interesse do Estado, das coletividades e dos indivíduos, o desenvolvimento da produção, a melhora gradual das condições de vida material e cultural do povo chinês.

A constituição da China determina que o Estado implementará uma economia socialista de mercado, locução que decorre de emenda constitucional de 29 de março de 1993. Para tais fins, remete-se a legislação econômica, a reajustes macroeconômicos, proibindo-se qualquer atitude ou atividade que prejudique a nova ordem sócio-econômica. Empresas públicas gozam de autonomia para explorar a economia. Também se prevê autonomia de gestão, cujos limites serão fixados por lei. Organizações econômicas coletivas têm direito de conduzir com independência as respectivas atividades econômicas, respeitando-se limites fixados por leis ordinárias. Determina-se gestão democrática para essas empresas.

A abertura externa ficou consolidada com excerto constitucional indicativo de que nos termos das disposições legais da República Popular da China autorizam-se empresas, organizações econômicas e cidadãos de países estrangeiros a investirem e praticarem diversas formas de cooperação econômica com empresas e organizações econômicas chinesas. E também se determinou que as empresas e organizações econômicas de países estrangeiros, bem como as empresas mistas, de capital chinês e estrangeiro, instaladas em território chinês, devem observar as leis da República Popular da China. E de modo a se implementar proteção ampla ao capital estrangeiro consignou-se que os direitos e interesses legítimos das empresas estrangeiras são protegidos pela lei. O texto constitucional chinês ampara direitos e interesses legítimos de estrangeiros que vivem no território da China, obrigando-se que esses, no entanto, respeitem as leis chinesas. Ainda, a República Popular da China se obriga a oferecer asilo a todo estrangeiro que requeira o benefício e o faça por razões políticas.

A constituição da China imputa ao Estado a obrigação de desenvolver uma educação socialista que tenha por objetivo elevar níveis científicos e culturais do povo. O ensino primário é obrigatório. Incentivam-se organizações de economia coletiva e instituições estatais, no sentido de se protegerem obras educacionais de todos os tipos. Em plano glotológico, o Estado generaliza o emprego da língua padrão ao longo de todo o país. O Estado deve ainda preservar e desenvolver as ciências humanas e sociais, deve contribuir para a vulgarização dos conhecimentos técnicos e científicos, e também deve recompensar os avanços da pesquisa, das invenções e das inovações técnicas.

Determina-se que o Estado deva desenvolver serviços médicos e sanitários, a medicina e a farmacologia modernas, além da medicina e da farmacologia tradicionais. Indica-se também que o Estado deva prosperar os esportes e as atividades esportivas de massa, com o objetivo de se melhorarem as condições físicas do povo chinês. Ao Estado incumbe o desenvolvimento das letras e das artes, da imprensa, do rádio e da televisão, das bibliotecas, das casas de cultura, das obras culturais em geral que se prestem ao desenvolvimento do socialismo, bem como deve encorajar as atividades culturais de massa. A constituição chinesa determina que o Estado deve proteger os sítios pitorescos, os monumentos históricos, os objetos antigos de valor e outras heranças culturais que identifiquem a importância do legado chinês para a humanidade. É o caso das muralhas da China.

É indicação constitucional que o Estado supervisione a formação de pessoal especializado para servir ao socialismo. Deve o Estado insistir na edificação de civilização espiritual socialista, fomentando educação que possa realizar ideais morais e socialistas, formando-se um povo disciplinado e obediente das leis. Algumas virtudes são categorizadas como de mais alto indicativo de honra. Nomeadamente, trata-se do amor à pátria, do amor ao próprio povo, do amor ao trabalho, do amor ao socialismo, da busca da educação popular em torno do patriotismo, do coletivismo, da internacionalização do comunismo, da concepção de espírito calcado no materialismo dialético e no materialismo histórico, a par da luta contra ideais capitalistas e feudais que remontam a épocas decadentes, a reproduzirmos expressões da constituição chinesa.

Ao Estado incumbe o desenvolvimento do planejamento popular, de modo que se assegure a harmonia entre o crescimento demográfico e os planos de desenvolvimento econômico e social. Do ponto de vista ambiental, o Estado deve proteger e melhorar o meio ambiente, lutando incessantemente contra indicativos de poluição. O Estado se vê obrigado pela constituição a organizar e fomentar o plantio de árvores, além de proteger as florestas.

Tem-se que o Estado deve perseguir modelo de administração simplificada, com sistema de responsabilidade pessoal, com o objetivo de se melhorarem as condições de trabalho, especialmente no que toca ao combate da burocracia. Determina-se que todos organismos estatais e respectivos funcionários devem se apoiar no povo, com o qual devem manter laços estreitos, ouvindo opiniões e sugestões, submetendo-se ao controle popular, de todo coração.

O Estado se vê obrigado a assegurar a ordem pública, realizando a repressão aos atos de traição nacional, a exemplo de atividades contra-revolucionárias, castigando os que comprometem a segurança pública, aos que sabotam a economia socialista ou que se dedicam a atividades criminais. Do ponto de vista criminológico o Estado chinês se vê determinado a punir e a reeducar os criminosos. As forças armadas chinesas pertencem ao povo. A tarefa primordial do exército é a defesa nacional. De tal modo, ao exército a constituição chinesa incumbe a resistência a qualquer forma de agressão externa, a defesa da pátria, a proteção do povo para que o mesmo trabalhe em paz, na busca da construção de um país melhor.

A constituição chinesa prevê divisão administrativa complexa. O país é fracionado em províncias, em regiões autônomas e em municipalidades, todas diretamente ligadas a autoridade central. Províncias e regiões autônomas são divididas em departamentos autônomos, em distritos, em distritos autônomos e em municipalidades. Os distritos e os distritos autônomos são divididos em cantões, em cantões de nacionalidade e em comunas.

Proclama-se a igualdade de todos os cidadãos em face da lei. A maioridade eleitoral, ativa e passiva, dá-se aos dezoito anos de idade. Não se distingue nacionalidade (no caso, refere-se ao local do território chinês de origem do interessado), raça, sexo, profissão, origem social, fé religiosa, nível de instrução, fortuna pessoal, tempo de residência, excetuando-se aqueles que estão privados do gozo de direito políticos, por força de lei. Garante-se a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de desfile e de manifestação.

Outorga-se a liberdade religiosa. Não se permite qualquer obrigatoriedade de vínculo religioso, para quaisquer fins. O Estado protege as práticas religiosas que reputa como normais. Proíbe-se que se sirva da religião para distúrbios sociais. Veda-se a dependência de qualquer associação ou agremiação religiosa com dominação estrangeira.

Decreta-se que liberdade individual dos cidadãos da República Popular da China é inviolável. Não se permite qualquer forma de prisão que não decorra de decisão de ministério público ou justiça popular. Determina-se que prisões devam ser realizadas, necessariamente, por autoridades públicas. Decreta-se a inviolabilidade da dignidade pessoal dos cidadãos do país. Proíbe-se o ultraje, a difamação, as falsas acusações. O domicílio também é inviolável. Veda-se qualquer perseguição ilegal. A lei também deverá garantir a liberdade e o segredo das correspondências.

Quanto ao trabalho, consignou-se que os cidadãos da República Popular da China têm direito e dever de trabalhar. O Estado se obriga a criar empregos, a melhorar as condições de trabalho, a desenvolver a produção, a assegurar a remuneração e o bem estar dos trabalhadores. Uma emenda constitucional de 1993 explicitou que o trabalho é dever glorioso de todo cidadão que possa trabalhar. Consignou-se também que os trabalhadores das empresas públicas e das organizações coletivas de trabalho rural e urbano devem se comportar, em ambiente laboral, como senhores do país. E ainda, o Estado encoraja a emulação socialista do trabalho, concordando com recompensas para operários padrão e de vanguarda. Também se determinou na constituição chinesa que o Estado concede a formação profissional necessária aos cidadãos, antes que se encontre um emprego. Garante-se o direito ao repouso. Prevê-se modelo de aposentadoria, garantida pelo Estado.

Outorga-se o direito à instrução, que se caracteriza como um dever do cidadão. Indicou-se na constituição chinesa que o Estado fornece formação às crianças, aos adolescentes e aos jovens, nos planos moral, intelectual e físico. O casamento, a família, a mãe e as crianças recebem a proteção do Estado. O planejamento familiar é obrigação do marido e da esposa. A educação dos filhos é dever dos pais. Proíbem-se -os maus tratos de anciãos, mulheres e crianças. Aos cidadãos da China prescreve-se a obrigatoriedade de preservação da unidade do país, bem como o dever de se preservarem as diversas nacionalidades.

Indica-se que os cidadãos da República Popular da China devem respeitar a constituição e as leis, guardar os segredos de Estado, cuidar dos bens públicos, observar a disciplina do trabalho e ainda reverenciar a ordem pública e as regras de moral social. Há o dever de se defender a segurança, a honra e os interesses da pátria. É dever sagrado de todo cidadão a defesa da pátria e a resistência a qualquer forma de agressão. O serviço militar é dever de honra. Do ponto de vista tributário consignou-se laconicamente que os cidadãos da República Popular da China têm o dever de pagar os impostos previstos em lei.

O Estado estrutura-se em Assembléia Popular Nacional que consiste no órgão supremo do poder estatal. Tem como braço permanente um Comitê. A Assembléia e o Comitê substancializam o poder legislativo chinês. A lei define os modos e requisitos de eleição para os membros do Comitê e da Assembléia. O mandato do representante popular na Assembléia é de cinco anos.

A referida Assembléia Popular exerce número extenso de funções. Entre elas, tem o poder de emendar a constituição, de cuja aplicação é responsável, de elaborar o código penal e o código civil e as leis fundamentais referentes à estrutura do Estado. A Assembléia elege o presidente e o vice-presidente da República. Escolhe o primeiro-ministro, o presidente de uma comissão militar, o presidente da corte popular de justiça, o procurador-geral do ministério público. Esta Assembléia também examina e aprova o plano de desenvolvimento da economia nacional, o orçamento, e ainda decide questões referentes à guerra e a paz. Emendas constitucionais exigem maioria de dois terços dos deputados da Assembléia.

O Comitê Permanente tem volume grande de missões institucionais. É este Comitê que interpreta a constituição e as leis do país. Vota e modifica as leis em geral, inclusive em relação a lei marcial. O Comitê decide sobre anistia, nomeia e monitora representantes da China no estrangeiro, determina mobilizações nacionais, gerais ou especiais. A lei fixa o funcionamento da Assembléia e do Comitê.

O Presidente da República é eleito pela Assembléia Popular e deve contar com mínimo de 45 anos. A duração do mandato segue a do mandato da Assembléia e permite-se apenas uma reeleição. O presidente promulga as leis, cuida do ministério, proclama a lei marcial, declara a guerra e a mobilização popular. Recebe os representantes diplomáticos estrangeiros, celebra, ratifica e denuncia tratados internacionais. O primeiro-ministro dirige o Conselho de Negócios do Estado. O Conselho de Negócios toma medidas administrativas para fiel cumprimento das leis e da constituição. Um Comitê Militar Central toma conta dos problemas militares. O Presidente e o Vice-Presidente da República dirigem o referido comitê.

O poder judiciário é exercido por tribunais populares. No topo encontra-se uma Corte Popular Suprema. Na base, tribunais populares locais, além de tribunais militares e de pequenos tribunais populares especiais. O presidente da Corte Popular Suprema exerce mandato de mesma duração da Assembléia Popular. Ele é reelegível, porém por apenas mais uma vez. A organização desses tribunais populares é definida por lei. As causas são julgadas em audiências públicas, com exceções previstas em norma específica. Ao acusado garante-se a ampla defesa. Garante-se a autonomia dos tribunais populares que não podem sofrer ingerência de outros setores da administração. Um ministério público popular vela pela correta aplicação das leis. O mandato do procurador-geral, chefe do ministério público, coincide com o mandato do chefe da Corte Popular Suprema. Garante-se a independência do ministério público popular.

O texto constitucional chinês prevê, nos seus últimos três artigos, que a bandeira do país seja vermelha com cinco estrelas, que o emblema nacional seja o portal da Praça da Paz Celestial e que a capital da república seja Pequim.

São esses, em linhas gerais, os pontos essenciais que identificam o sistema constitucional chinês. Identifica-se modelo intrigante, instigante, perturbador. O texto propicia encontro entre as tradições ocidentais e orientais, vinculando-se constitucionalismo a confucionismo, em ambiente pós-comunista e efervecentemene neocapitalista, comprovando que imaginação institucional é prerrogativa de pensamento de vanguarda, com o qual se dissolvem preconceitos e fórmulas fixas.


BIBLIOGRAFIA

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ZWEIGERT, Konrad e KOTZ, Hein. Introduction to Comparative Law. Oxford: Clarendon Press, 1998.

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Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Introdução ao direito constitucional chinês. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1563, 12 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10526. Acesso em: 24 nov. 2024.

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