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Abuso sexual infantil:

uma análise do estupro de vulnerável em casos na Bahia e em Sergipe

01/08/2023 às 18:51
Leia nesta página:

Este trabalho descreve o perfil demográfico e epidemiológico de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, bem como sua relação com os agressores e os ferimentos apresentados para exame forense.

Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar as ações penais referentes ao estupro de vulnerável, na Bahia e em Sergipe, a fim de avaliar o fluxo de processos judiciais, bem como identificar a demanda desse crime. Para tanto, os dados utilizados foram fornecidos pelas plataformas do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) e do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE). O foco principal foi demonstrar o número de incidência desse tipo de delito e, ao mesmo tempo, averiguar, quantas ações são convertidas em penalidades. Fatores como raça, classe, etnia e deficiência podem tornar as vítimas particularmente vulneráveis à agressão sexual. As vítimas também podem ser rotuladas como indignas de proteção por causa de sua pobreza ou baixo status social, mas a lei é sempre rígida quanto aos casos.

Palavras-chave: Abuso Sexual Infantil; Estupro; Vulnerável; Ação Penal; Julgamento.


Introdução

Toda criança tem direito a uma vida saudável, livre de violência. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que milhões de crianças no mundo inteiro sofrem violência, de forma direta ou indireta. E dentre essas diversas formas, está também inclusa a violência sexual (GAWRYSZEWSKI et al., 2009).

A violência sexual é algo universal, que atinge indivíduos de ambos os sexos e de todas as faixas etárias (HABIGZANG; CAMINHA, 2004). Parece que ela está inserida em um contexto social, histórico e cultural no mundo todo (RIBEIRO et al., 2004). Juntamente com as lesões corporais e genitais a que as vítimas são subjugadas na época em que sofreram maus-tratos, as deixam ainda mais vulneráveis, desenvolvendo outros tipos de violência no futuro, bem como a probabilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis, além de gerar inúmeros transtornos psicológicos. Consequentemente, ela é vista como um problema complexo de saúde pública (ZAMBON et al., 2012).

Com relação ao Brasil, a violência sexual é uma realidade bastante antiga, sendo crianças e adolescentes as vítimas mais comuns (VIODRES & RISTUM, 2008). Supõe-se que menos de 10% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes sejam denunciados na justiça. Ainda assim, a incidência e prevalência são consideradas altas. “A Constituição é a norma básica do ordenamento jurídico, aquela que lhe confere unidade e coerência, sendo todas as demais normas do sistema por ela validadas” (MAGALHÃES FILHO, 2004). Entretanto, na década de 1980 e a posteriori, grupos de prevenção de maus-tratos infantis surgiram no país, atingindo seu apogeu com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (GONÇALVES; FERREIRA, 2002). O art. 1º do ECA elucida sobre a salvaguarda integral à criança e ao adolescente, ou seja, é a norma e a validação do cânon utilizado mundialmente. Superpondo-se a essa linha de pensamento, o artigo 3º diz:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990).

No Brasil, os crimes sexuais são regidos pelo Código Penal (CC) de 1940, modificado pela Lei n. 12.015, de 2009, que passou a classificá-los como “crimes contra a dignidade da pessoa”, sendo hodiernamente vistos como uma afronta à liberdade e aos bons costumes sexuais (BARROS, 2010). Greco (2009) complementa dizendo que:

“(...) surge em nosso ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito que se convencionou denominar de estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora, não poderão os Tribunais entender de outra forma quando a vítima do ato sexual for alguém menor de 14 (quatorze) anos” (GRECO, 2009, p. 65).

A nova lei possui um significado mais amplo com relação ao estupro, e incluiu o estupro de vulnerável, definindo-o como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos”, incidindo na mesma pena quem praticar esses atos com alguém que não pode oferecer resistência (BRASIL, 2009).

As práticas eróticas e sexuais são impostas a crianças ou adolescentes através de violência física, intimidações ou instigação da vontade. Elas vão desde condutas onde não possuam contato físico (assédio, voyeurismo, exibicionismo) até de atos dissemelhantes onde há contato físico sem penetração (sexo oral, interfemoral, carícias pesadas e frottage) ou com penetração (dedos, objetos, órgãos genitais ou sexo anal). Nesses tipos de práticas também estão incluídos a exploração sexual, a prostituição e a pornografia (HABIGZANG et al., 2005). O ECA salvaguarda que todos devem zelar pela integridade da criança e do adolescente, impossibilitando qualquer tipo de ato cruel, agressivo, intimidante, humilhante ou irascível, assim como evitar que violações ou ameaças aos seus direitos se tornem concretas e reais.

A experiência traumática do abuso sexual pode impactar o desenvolvimento de crianças e adolescentes de diversas formas, pois algumas apresentam sequelas mínimas, ou sem sequelas aparentes, enquanto outras desenvolvem graves problemas emocionais, sociais e/ou psiquiátricos. Outras formas de violência parental ou conjugal, tais como abuso físico, abuso psicológico e negligência, bem como a violência comunitária e institucional, estão comumente presentes na história de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual (ABDALLA-FILHO, 2004). Ademais, estudos comprovam que “a violência sexual muitas vezes vem acompanhada de outras formas de violência e violação dos direitos da criança e do adolescente” (KELLOGG; MENARD, 2003).

Diante do exposto, fica claro que a violência sexual precisa ser consistentemente estudada e combatida. Este trabalho aborda o tema e tem como objetivo descrever o perfil demográfico e epidemiológico de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, bem como sua relação com os agressores e os ferimentos apresentados para exame forense, além de apresentar duas ações penais dos Tribunais de Justiça da Bahia e uma do Tribunal de Justiça de Sergipe.


A CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA

A literatura médica apresenta textos que abordam maus-tratos em crianças e adolescentes, desde o século VIII. Ambroise Tardieu, em 1860, foi o primeiro autor a descrever a síndrome de maus-tratos na infância (RIBEIRO et al., 2004). Lamentavelmente, nos dias de hoje, o conhecimento incompleto desse tipo de evento ainda continua impossibilitando muitos diagnósticos. Muitas crianças e adolescentes que são abusados sexualmente, não apresentam sinais físicos, e mesmo quando sinais de que se acredita serem indicativos de abuso sexual estão presentes, o diagnóstico raramente deve ser feito na investigação, mantendo o agressor livre para continuar abusando cada vez mais (VIODRES; RISTUM, 2008).

A característica individual mais importante em uma denúncia é uma declaração da criança. Essa denúncia ser validada por meio de evidências médicas e forenses, uma confissão do agressor e assim por diante. Entretanto, todas estas são evidências falíveis para o diagnóstico de abuso sexual, que devem ser abordadas com cautela e humildade, pois graves são as consequências do erro diagnóstico em qualquer direção (BARROS, 2010). Várias formas de violência são aplicadas a crianças e adolescentes; entretanto, a violência sexual, incluindo o estupro e outras formas de abuso sexual (obscenidade, sodomia, etc.), sem dúvida acarreta graves consequências imediatas e tardias, sendo considerada um problema de saúde pública. Walker (2015) afirma que:

A palavra estupro é originalmente derivada do verbo latino rapere: agarrar ou tomar pela força, e até uma história relativamente recente, a maioria das definições de estupro referia-se a um ato de coito vaginal forçado perpetrado por meio de violência física real ou ameaça de violência, associada com presunção de resistência por parte da vítima. Felizmente, muitas definições legais modernas substituíram o “uso da força” pela “falta de consentimento” como característica definidora do estupro (WALKER, 2015, p. 175).

Embora muitas formas de violência sexual (como estupro e agressão para submeter ao ato sexual) afetem indivíduos de todas as faixas etárias, a maioria das vítimas são crianças ou adolescentes. Estima-se que, anualmente, em todo o planeta, 1 em cada 5 meninas e 1 em cada 13 meninos sejam abusados sexualmente (HOPPER, 2014).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Abuso Sexual Infantil (ASI) como “o envolvimento de uma criança em atividade sexual que ela não compreende totalmente, é incapaz de dar consentimento informado ou para a qual a criança não está preparada em termos de desenvolvimento e não pode dar consentimento, ou que viole as leis ou tabus sociais da sociedade”. Ela descreve várias formas de crimes sexuais. Abuso Sexual Infantil inclui uma série de atividades sexuais como carícias, convidar uma criança para tocar ou ser tocada sexualmente, relações sexuais, exibicionismo, envolver uma criança em prostituição ou pornografia ou atrair crianças online por predadores cibernéticos (OMS, 1999). Embora o estupro seja um subconjunto da violência sexual, no Brasil, desde 2009, todas as formas de violência sexual são consideradas estupro (BARROS, 2010).

Por causa da sensibilidade. e tabu da questão, é extremamente difícil acessar essa população de vítimas de ASI para pesquisa. A sociedade é afetada por tradições socioculturais e muitas vezes o abuso não é denunciado, pois uma cultura de privacidade, medo da indignidade e humilhação social impedem a divulgação de tais crimes (GANGRADE et al., 1995). Além disso, certas formas de ASI, tais como tocar, acariciar os órgãos genitais ou seios da criança, são erroneamente percebidas como tipos menores e muitas vezes são ignoradas. E qual deve ser o escopo da lei penal? A maneira mais familiar de abordar essa questão é considerar quais restrições morais podem existir na decisão de criminalizar alguma conduta. Pode-se argumentar que não é permitido criminalizar alguma conduta, a menos que essa conduta seja prejudicial, ou publicamente injusta, ou mereça punição, ou alguma combinação destes (HOPPER, 2014).

Respostas desse tipo provavelmente serão altamente indeterminadas. Os melhores esforços para produzir restrições de princípios ao direito penal, mesmo que fossem endossados por formuladores de políticas, pouco poderiam fazer para restringir seu escopo expansivo e em expansão. Mesmo que pensemos que existem muitos princípios restritivos e cada um deve ser satisfeito para que a criminalização seja permissível, nossos princípios justificariam a criminalização de muitas coisas que não desejamos ver criminalizadas (KELLOGG & MENARD, 2003).


CONTEXTO E CIRCUNSTÂNCIAS DO ABUSO SEXUAL INFANTIL NA BAHIA E EM SERGIPE

O abuso sexual infantil abrange uma gama de comportamentos ofensivos e tipos de infratores. Os promotores devem, portanto, levar em consideração o contexto e as circunstâncias em que o crime supostamente ocorreu, pois isso determinará como o caso probatório deve ser construído e quais são as linhas de investigação relevantes (BARROS, 2010). Baseado nas palavras de Barros (2010), pode-se analisar o caso ocorrido na Bahia, ocorrido em 2019:

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(...) o acusado aproveitou-se da tenra idade de vítima e sua relação de parentalidade, circunstância que eleva a reprovabilidade da ação, bem como durante o ingresso da ação encontrava-se em local incerto e não sabido, posto que não encontrado no endereço informado aos autos, sequer durante o Inquérito Policial (TJ-BA, 2019).

De acordo com o processo supracitado (TJBA, 2019), não existe um modelo único de abuso sexual infantil. O abuso sexual de crianças e jovens pode ser perpetrado por familiares, amigos da família, namoradas e namorados, gangues, estranhos, adultos via internet e pessoas em cargos de confiança, como professores ou cuidadores, no caso o pai da vítima. O abuso sexual institucional pode ocorrer em qualquer ambiente assistencial, de saúde, religioso ou acadêmico e pode ser realizado por um indivíduo ou grupo de indivíduos. As crianças muito pequenas ou com necessidades especiais podem ser particularmente vulneráveis ao abuso (HABIGZANG et al., 2005).

A coerção e a manipulação geralmente aparecem em situações abusivas, de modo que a percepção do que está acontecendo às vezes é difícil para a criança ou jovem entender. Os ofensores podem aliciar não só a criança ou o jovem, mas também a sua família, o que pode significar que os pais ou tutores confiam no ofensor como amigo da família ou potencial namorado. Por outro lado, um ofensor pode fazer ameaças à criança ou jovem ou membros de sua família, a fim de mantê-los em uma situação abusiva (GAWRYSZEWSKI et al., 2009). Mas ao serem descobertos, presos e julgados de acordo com a lei, muitos tentam se inocentar, apelando para a liberdade provisória. Mas de acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia (2018), crimes desse nível geralmente não deixam vestígios:

Penal e processo penal. Embargos de declaração opostos pelo réu contra acórdão que negou provimento ao seu apelo e manteve a sentença que o condenou pela prática do crime de estupro de vulnerável. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa devido a um dos causídicos não ter sido intimado acerca da sessão de julgamento da apelação. Reproche. Todos os patronos do embargante foram previamente intimados através do Diário Oficial de Justiça. Alegação de omissão e obscuridade. Inexistência de vício a ser sanado no julgado. Tentativa de rediscutir a matéria. Impossibilidade. não preenchimento dos requisitos elencados no art. 619 do CPP. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados. Acórdão mantido integralmente (TJ-BA, 2018).

O abuso sexual infantil ocorre em várias formas diferentes e não apenas dentro do lar da vítima (OMS, 1999). O abuso sexual por redes coordenadas é uma forma de abuso sexual infantil que se tornou mais proeminente recentemente e é referido como exploração sexual infantil. Essas redes podem ser grupos informais de pessoas ligadas por meio de um conjunto de vítimas ou grupos de “amizade” ou podem ser grupos criminosos mais organizados ou gangues. Crianças e jovens podem ser educados em estilos de vida de “festa”, onde eles vão para casas, apartamentos, hotéis e acomodações com vários homens e outras vítimas infantis (HABIGZANG; CAMINHA, 2004). Às vezes, um único relacionamento pode ser formado, mas, em alguns casos, não existe um relacionamento único e, em vez disso, existe uma rede geral. As 'festas' são geralmente organizadas por adultos com jovens às vezes sendo coagidos a trazer amigos (ABDALLA-FILHO, 2004).

Os infratores podem evitar suspeitas levando as vítimas para serem abusadas apenas por um curto período, ou durante o horário escolar, ou devolvendo-as para casa antes que alguém as considere desaparecidas ou ausentes, ou as coagindo para que elas mesmas permitam, não abusos, mas aliciamentos, o que também pode ser enquadrado na lei (BRASIL, 2009). Em uma matéria publicada no site Click Sergipe (2016), em processo oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ-SE), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela prática de estupro de vulnerável, onde um homem foi condenado a trinta e nove anos por coagir uma adolescente a permitir que lhe deixasse “passar a mão” em suas partes íntimas:

O Ministério Público Sergipano, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça reverteu desclassificação promovida pelo Tribunal de Justiça Estadual (TJ/SE), obtendo êxito no Superior Tribunal de Justiça (STJ), concretizado na condenação de réu acusado da prática de estupro de vulnerável. No caso tratado, inicialmente, o MP/SE logrou vitória, haja vista a condenação do demandado à pena de 39 (trinta e nove) anos pelo cometimento do crime inserido no art. 217-A, do Código Penal (estupro de vulnerável).

No entanto, após a decisão do Juízo de primeiro grau, a defesa do acusado recorreu ao TJ/SE, que desclassificou o crime reportado para a contravenção penal prevista no art. 61, do Decreto-Lei 3.688/41(importunação ofensiva ao pudor).

Na decisão, o Tribunal Local assinalou que: “(...) Ainda que a Vítima seja adolescente, apoiar e passar a mão, por cima das roupas, sobre o órgão genital não significam atos inequívocos dirigidos ao fim libidinoso, elemento subjetivo específico necessário para a caracterização do delito previsto, hoje, no art. 217-A do Código Penal.(...)”.

Diante da situação, a Procuradoria-Geral de Justiça, com o auxílio técnico da Coordenadoria Recursal, interpôs Recurso Especial ao STJ, indicando violação ao art. 217-A, do Código Penal, ao tempo em que pleiteou a condenação pela prática do crime de estupro de vulnerável.

Distribuído o feito, o Excelentíssimo Ministro Relator Rogério Schietti Cruz acolheu a pretensão do Ministério Público de Sergipe apontando que: “(…) o delito de estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima (...)”.

Na opinião do Dr. Paulo José Francisco Alves Filho, Promotor de Justiça integrante da Coordenadoria Recursal: “a decisão do STJ observou a mensagem imposta pela legislação, refletida na proteção da dignidade sexual do menor, que no caso específico foi claramente ofendida” (CLICK SERGIPE, 2016).

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Assim como nesses casos em que os aliciadores usam de coação para suas práticas libidinosas, os promotores também devem estar cientes de que os infratores podem usar vários elementos de controle como uma ferramenta para impedir que as vítimas denunciem o abuso sexual (WALKER, 2015). Por exemplo, o controle pode assumir a forma de ameaça de publicar fotografias ou gravações delas, incluindo imagens de nudez ou em atos sexuais, ou até mesmo ameaçando ferir a vítima e/ou seus familiares (VIODRES; RISTUM, 2008).

Devido a vários fatores emocionais, sociais e culturais, as vítimas destes tipos de crimes podem não ser capazes de expressar seus sentimentos e experiências. A principal justificativa para isso é que as crianças e os adolescentes estão traumatizados e não têm certeza das palavras adequadas para expressar seus encontros com os abusadores. Dessa forma, têm-se efeitos negativos duradouros na saúde mental. Os efeitos podem ser imediatos, intermediários e de longo prazo. Deve ser feita referência ao psicólogo e psiquiatra em todos os casos necessários para a avaliação e tratamento de reações agudas de estresse e, consequentemente, para transtorno de estresse pós-traumático (WALKER, 2015).

Além disso, outra referência deve ser feita a outros especialistas, como Unidades Distritais de Proteção à Criança, especialistas em desenvolvimento infantil, assistentes sociais médicos, conforme necessário, tanto para cuidados médicos quanto para assistência jurídica. A coordenação e a convergência entre todos os principais especialistas podem apoiar a criança e ajudar a reduzir o estresse emocional do trauma. Medidas apropriadas devem ser tomadas para evitar mais violência, trauma e vitimização.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Abuso Sexual Infantil, na seara criminal (tipificado no Brasil em muitos casos como estupro de vulnerável, art. 217-A do CP), é uma grande preocupação de saúde pública e, como tal, precisa de iniciativas. Os fatores preventivos devem ser direcionados à população e devem discutir os motivos mais comuns e significativos que afetam crianças e adolescentes vítimas de abuso. O conhecimento sobre sua prevalência, a incidência em todas as comunidades e, em particular, os agressores comuns, as implicações legais e os meios de sua prevenção devem ser amplamente divulgados. Os pais devem pedir à criança que relate qualquer comportamento suspeito por parte de adultos ou jovens mais velhos que elas.

Os programas de educação comunitária para prevenção e denúncia de ASI, devem também ser expandidos e adequadamente direcionados às populações de alto risco delineadas neste estudo, no caso os grupos mais vulneráveis: crianças e adolescentes. Mudanças legislativas precisam ser feitas para garantir processos judiciais amigáveis, acelerar o julgamento de infratores e garantir sentenças justas e dissuasivas para os sujeitos ativos destes crimes.

A coleta de evidências forenses deve ser padronizada e deve ser realizada por profissionais médicos experientes em um ambiente seguro e adequado para crianças, sem causar mais danos psicológicos aos pais ou filhos. A administração deve encorajar a educação de enfermeiras examinadoras de agressão sexual treinadas em todos os aspectos do cuidado e acompanhamento da criança agredida sexualmente.

Conforme Pitcher e Bowley (2002), “os médicos não podem ficar de braços cruzados e apenas tratar esses ferimentos horríveis; é necessária uma ação concertada para deter este crime abominável”. Para que as mudanças acima sejam implementadas, o poder público precisa alocar mais recursos para serviços médicos, policiais e sociais.

Para concluir, os profissionais de saúde muitas vezes são a primeira fonte de contato com as vítimas de ASI e, portanto, precisam ter experiência e treinamento para sua avaliação clínica e tratamento adequado, bem como conhecer os aspectos legais, para que a vítima possa chegar até onde a justiça possa ser feita em seus meios legais.

É necessária uma resposta multidisciplinar para uma gestão integral que inclua apoio médico, psicológico e jurídico à vítima e à família. E tanto na Bahia, quanto em Sergipe, pais, professores e a sociedade civil em geral devem superar as tradicionais atitudes hostis de silêncio e vergonha e tomar medidas educativas adequadas para prevenir, não somente o ASI, mas também a conivência de quem permite que ele aconteça.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Carlos Luiz da Silva Júnior

Defensor Público do Estado de Sergipe Graduado e Especialista em Direito Público – Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Carlos Luiz. Abuso sexual infantil: : uma análise do estupro de vulnerável em casos na Bahia e em Sergipe. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7335, 1 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105310. Acesso em: 21 nov. 2024.

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