Uma das grandes conquistas no aperfeiçoamento das decisões tributárias pelos órgãos colegiados de 2ª instância administrativa aconteceu no governo anterior com o advento da Lei nº 13.988/2020, que introduziu o art. 19-E na Lei 10.522/2002, para prescrever que no caso de empate aplica-se a tese favorável ao contribuinte. É a aplicação do princípio in dubio pro reo.
De fato, o critério previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/72, afastado pela Lei nº 13.988/2020, não tem sentido lógico e racional: o representante da Fazenda no órgão colegiado (CARF) provoca o empate para em seguida promover o desempate a favor da Fazenda.
Contudo, o governo atual, logo no início de sua gestão, editou a Medida Provisória de nº 1.160, de 13 de janeiro de 2023, para restabelecer a vigência daquele § 9º, do art. 25, do Decreto nº 70.235/72.
A justificativa para essa alternativa legislativa é a de que a União precisa aumentar a sua arrecadação.
Em outras palavras, o governo pretende interferir na autonomia e independência do órgão julgador valendo-se da prerrogativa de demitir ad nutum o Presidente do CARF, um órgão autônomo que não se subordina à estrutura da Secretaria da Receita Federal como os órgãos representados pelas Delegacias Regionais de Julgamento.
O CARF subordina-se diretamente ao Ministro da Fazenda, situando-se no mesmo patamar do Secretário da Receita Federal.
Em face da previsível caducidade da MP nº 1.160/23 (13-7-2023), o governo, antecipando-se ao prazo fatal, apresentou, em 1/6/2023, o PL nº 2.384/2023 para restabelecer o voto de qualidade, conhecido como voto de minerva em homenagem à Minerva, filha do poderoso deus Júpiter. Só que Minerva era a deusa da sabedoria e da inteligência, qualidade que não ostenta o julgador da Fazenda enquanto investido do poder de proferir voto de desempate. Nessa ocasião, eventual brilho de inteligência que o agente possa ter desaparece como que por um passe de mágica.
O agente fazendário em sua função judicante invariavelmente é motivado por sentimentos menos nobres de bem servir a quem lhe dá o emprego de provocar o empate para, ao depois, desempatar a favor da Fazenda. Esse voto de minerva é absolutamente incompatível com o princípio do devido processo legal e com a natureza de órgão paritário. Se a Fazenda pode votar duas vezes, o CARF deixa de ser um órgão paritário.
Uma forma de se livrar de vez dessa legislação casuística seria revezar o voto de qualidade entre o presidente do órgão (representante do Fisco) e o vice-presidente do órgão (representante do contribuinte).
Melhor, ainda, seria a introdução do contencioso administrativo com órgãos singulares e coletivos de 2ª instância compostos de julgadores concursados e com garantia e privilégios dos integrantes da Magistratura.
Julgadores especializados com quadro estável contribuirão para a melhoria da qualidade das decisões de natureza tributária, ao mesmo tempo em que irão desafogar o Poder Judiciário que lida com grande quantidade de processos de natureza tributária.
Dessa forma, a jurisdição deixaria de ser una, no que tange às questões de natureza tributária.
A reintrodução do contencioso administrativo existente ao tempo do Brasil Império trará melhoria de monta na distribuição da justiça tributária, porque os julgadores administrativos formarão um corpo de especialistas estáveis, sem a multiplicidade de matérias que os juízes togados são obrigados a lidar, sem contar as frequentes remoções de um juízo para outro que lida com matéria diferente.