O tratamento destinado à atenuante da confissão espontânea, sobretudo no que diz respeito ao seu confrontamento com a agravante da reincidência, foi objeto de extenso debate no âmbito da Corte Superior.
Contudo, para os fins propostos no presente artigo, cumpre destacar cenário cujo tratamento no Superior Tribunal de Justiça, bem como nos Tribunais Estaduais, não vem recebendo a devida minúcia.
É o caso da (im)possibilidade de ver ambas circunstâncias se compensarem quando mais de uma condenação for apta a caracterizar a mencionada agravante.
O Tema 585 do STJ foi recentemente reanalisado a partir do julgamento dos Resp’s 1.91.145/SP e 1.947.845/SP, sendo firmada a seguinte tese:
“É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, seja ela específica ou não. Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade”
Como se nota, o paradigma firmado no âmbito da Corte Superior veda a compensação entre a confissão espontânea e a reincidência nos casos em que esta for múltipla. Em tais situações, de acordo com o entendimento da Corte Superior, prepondera a agravante
Contudo, a práxis forense reiteradamente traz situações em que é necessária a devida distinção ao paardigma referencial.
Trata-se da hipótese em que, existentes duas ou mais condenações transitadas em julgado em momento anterior ao fato, apenas uma delas é utilizada para caracterizar a reincidência, sendo a outra ou as demais utilizadas para valorar negativamente os maus antecedentes.
Em tais circunstâncias, embora existente mais de uma condenação, não se pode, propriamente, falar em multirreincidência, na medida em que apenas um dos processos foi utilizado na caracterização da agravante, enquanto os demais tiveram sua aplicação na primeira fase do processo dosimétrico.
Desta forma, os antecedentes são múltiplos, mas a reincidência é una, não incidindo o óbice jurisprudencial na compensação entre as circunstâncias.
É de se observar, ademais, que os casos a partir dos quais se firmou e foi feita a revisão do Tema 585 do STJ tratavam de situações distintas, afastando qualquer similitude com o aqui colocado.
O REsp 1.947.845/SP, cujo acórdão foi de relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior, tinha como caso concreto a possibilidade de compensação integral em razão da reincidência específica, sendo a conclusão no sentido de que a especificidade do crime anterior não representava óbice à compensação integral.
Por seu turno, o REsp 1.391.145/SP, de mesma relatoria, analisou a negativa de vigência ao artigo 67 do Código Penal, a partir de situação concreta em que o réu ostentava quatro condenações com trânsito em julgado anterior ao fato em apuração, entendendo configurada a multirreincidência impeditiva da compensação integral.
É de se notar, contudo, pois pertinente à discussão aqui travada, que a sentença a partir da qual se desenrolou o processo até o julgamento do REsp 1.391.145/SP reconheceu expressamente a multirreincidência, referenciando diversos processos caracterizadores da agravante.
Os paradigmas, no entanto, não ilustram de forma correta a hipótese em que, existentes diversos processos aptos a configurar a agravante da reincidência, apenas um é utilizado para tal finalidade, enquanto os demais incidem na primeira fase do processo dosimétrico.
Tal distinção já foi reconhecida em mais de uma ocasião pela Corte Superior 1, embora sejam poucas as decisões que analisem a questão com o necessário detalhamento.
Desta forma, ainda que o entendimento predominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Estaduais seja pela impossibilidade de compensação integral entre a atenuante da confissão e a agravante da reincidência quando essa última for múltipla, há que se atentar para o processo dosimétrico concreto, de forma a reconhecer a distinção entre a mencionada posição da jurisprudência, e o caso aqui tratado, em que a reincidência é una, e os antecedentes são múltiplos.
Só assim será possível a correta adequação da pena ao caso e respeito à garantia de individualização.
Nota
1 HC n419.402/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 25/10/2017.