3. FATO DO ANIMAL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Sobre o tema, o antigo Código Civil brasileiro (1916) continha a seguinte previsão:
Art. 1.527. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I – que o guardava e vigiava com cuidado preciso; II – que o animal foi provocado por outro; III – que houve imprudência do ofendido; IV – que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior. (BRASIL, 2007b)
Comentando o dispositivo, Pontes de Miranda (1966, p. 315) informa que na expressão "dono ou detentor" há que se entender "dono, possuidor próprio mediato ou imediato, possuidor impróprio mediato ou imediato, tenedor".
Portanto, a regra geral – responsabilidade do dono ou do detentor – comportava apenas as quatro exceções previstas nos incisos, as três primeiras bastante específicas e uma quarta, contida no último inciso, mais abrangente e subjetiva.
A responsabilidade antes prevista pelo art. 1.527. do antigo Código Civil era presumida. Sendo presunção vencível, ocorria a inversão do ônus da prova.
Pontes de Miranda (1966, p. 316-317) entendia que o art. 1521. não constituía exceção ao princípio da culpa, tampouco criava responsabilidade por culpa alheia. Para ele, o artigo regulava "o ônus da prova, estabelecendo, para o lesado, a presunção de que foram culpadas as pessoas que ele enumera nos incisos I a IV."
Porém, o critério de apenas inverter-se o ônus da prova não bastaria, razão pela qual o Código Civil antigo agravou um pouco mais a situação do dono ou detentor, impondo-lhe a prova de que tomou o "cuidado preciso" (MIRANDA, 1966, p. 318) o que é mais do que se dizer que tem que provar que "tomou cuidado". "Cuidado preciso é aquele exigido pelo meio social e pelo local (vigilância que o tráfico impõe). Não só se presume a culpa como também a relação causal entre a infração do dever de vigilância e o dano causado pelo animal." (MIRANDA, 1966, P. 336)
Regulando num mesmo artigo os danos causados por animais domésticos ou danos causados por animais naturalmente agressivos (como feras aprisionadas num zoológico), o Código Civil teve de usar a expressão "cuidado preciso", por ser mais genérica e abranger ambas as situações:
A diligência a que se refere o n. I do art. 1.527. não é o cuidado especial, diverso do que se deve ter em todos os atos da vida, mas é o cuidado indispensável, como o teria, naquele caso e naquela situação, rodeado das mesmas circunstâncias, o homem diligente.
Tratando-se da guarda de um animal doméstico e manso, não serão necessárias as mesmas precauções que devem ser tomadas na hipótese de um animal selvagem ou bravio. A expressão - cuidado preciso - não é pois, uma diligência de natureza especial, mas uma diligência que deva ser a indispensável para evitar que o animal produza o dano ocasionado a terceiro.
Parece-nos que o legislador pátrio, não querendo distinguir os danos causados pelos animais ferozes, daqueles que não o são, como o fizeram certas legislações, encarou a solução do problema englobadamente e daí a razão da expressão "cuidados precisos", que devem variar segundo as circunstâncias. (LIMA, 1963, p. 316-317)
Comentando o inciso do art. 1.527, I do Código Civil de 1916, Pontes de Miranda (1966, p. 300) assevera:
O art. 1.527, I, não pode ser interpretado como se fosse habitualmente guardado e vigiado o animal. O momento do dano é que importa; e quem guardava e vigiava com todo o cuidado, e no momento não tomara a medida necessária (e. g., deixou aberta a porta da rua, ou a janela, pela qual pulou o cão), responsável é. [...]. Não faz o réu uma contraprova, nem luta contra a presunção; prova algo de positivo – o cuidado preciso. Não prova não ter culpa; prova ter tido cuidado preciso. Pode o juiz reconhecer que não houve culpa. Mas, fracassada a prova do cuidado preciso, pode ele condenar o réu.
Contrariamente ao atual Código, a provocação do animal do detentor ou dono, por outro (inc. II do art.1.527 do Código de 1916), afetava o regime da responsabilidade.
Já o inciso III, da antiga redação, não apenas foi mantido no novo código, mas ampliado e esclarecido: antes, o Código Civil referia-se à mera "imprudência", esquecendo-se da hipótese de negligência ou mesmo imperícia da vítima. O novo Código amplia as hipóteses para o termo "culpa" que parece ser bem mais adequado.
O novo Código Civil introduziu sensível mudança, ao dispor: "Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não prova culpa da vítima ou força maior."(BRASIL, 2007a)
Vê-se que o Código Civil caminhou no sentido de facilitar a situação da vítima, tornando a prova mais objetiva.
Permaneceu, na nova redação, a presunção de responsabilidade do dono ou detentor, mas caiu o número de hipóteses previstas em lei como excludentes da responsabilidade. Apenas em duas situações poderá o responsável presumido ser eximido de suas responsabilidades: culpa da vítima ou força maior.
Salta aos olhos que de nada valerá ao proprietário ou detentor do animal comprovar que o guardava e vigiava com o cuidado preciso, como ocorria no Código revogado (art. 1.527, inc. I do CC de 1916). Esta não é, pois, uma excludente, no atual regramento.
Parece que estamos diante de outra cláusula aberta no presente ordenamento, ainda que sob o império da responsabilidade objetiva. [...]. Há, no entanto, os que entendem que o presente artigo estatui não propriamente uma responsabilidade objetiva, mas uma presunção de culpa. (VENOSA, 2006, p. 114)
No Código Civil de 1916, o inc. I do art. 1.527. funcionava como um dever de prova de inexistência de culpa; provando o autor que não teve culpa na fuga do animal, por exemplo, porque este estava bem guardado, eximir-se-ia da responsabilidade. Pelo Código Civil em vigor, de nada valerá ao responsável produzir tal prova, que tornou-se irrelevante.
Ao comentar o art. 936, Facchini Neto observa (2002, p. 182):
Embora se possa entender que se trate de presunção de culpa, ou de simples inversão do ônus da prova, entendemos que o novo dispositivo prevê uma autêntica responsabilidade objetiva, pois não exige o legislador que se prove a culpa do dono ou detentor do animal. O fato de poder tal pessoa excluir sua responsabilidade não significa tratar-se de responsabilidade subjetiva, pois ser objetivamente responsável não implica o dever de indenizar sempre – significa apenas não ser necessária a demonstração de sua culpa.
Finalmente, interessante se ressaltar a distinção ocasionada sobre o inciso IV da antiga redação, com o disposto no art. 936. do atual código: antes, o dono ou detentor eximia-se comprovando a ocorrência de "caso fortuito ou força maior". Na nova redação, foi suprimida a possibilidade de isenção em razão de "caso fortuito", permanecendo a desobrigação apenas na hipótese de "força maior". Separando-se as duas expressões temos:
Designamos de caso fortuito ou de força maior o acontecimento inevitável e independente de qualquer atividade da pessoa de cuja possível responsabilidade civil se cogita, que foi causa adequada do dano verificado. [...]. Caso fortuito seria o acontecimento (força da natureza ou fato humano) normalmente imprevisível, ainda que pudesse ser evitável, em si mesmo ou nas suas conseqüências, se houvesse sido previsto; força maior seria algo natural ou humano a que não fosse possível resistir, mesmo quando se pudesse prever a ocorrência. Caso fortuito seria um fato acidental, uma fatalidade que acontece; força maior seria a "compulsão irresistível" de que fala o Dicionário Aurélio. (NORONHA, 1993)
Há ainda outro critério, cuja vantagem reside na maior facilidade de diferenciação: o caso fortuito diria respeito à manifestação de forças da natureza (tempestades, terremotos, enchentes etc.) enquanto força maior diria respeito a ações humanas (fato do príncipe, manifestações populares violentas etc.). (NORONHA, 1993)
Qual seria, pois, a intenção do novo Código Civil ao não incluir a expressão "caso fortuito"? A expressão "força maior" a abrangeria? Se se compreender que a omissão da expressão "caso fortuito" foi intencional, isso pode levar à conclusão de que eventuais ocorrências "naturais, derivadas da natureza" não servirão para isentar o dono ou proprietário. Seria o caso, por exemplo, do animal antes pacífico que, por alguma disfunção orgânica, torna-se, repentinamente, sem nenhuma culpa do seu dono, agressivo, causando ferimentos a terceiro. Nesta hipótese, ainda que não se possa imputar qualquer culpa ao proprietário, estaremos diante de uma clara opção pela teoria do risco integral que vai além da responsabilização objetiva. No caso, pode ser que o dono ou detentor tomasse todos os cuidados com a saúde do animal; pode ser ainda que prove, com sobras, que não incorreu em culpa. Não obstante, sobrevindo a doença e o dano a terceiros dela decorrente, responderá o dono ou detentor, porque não seria justo que a vítima arcasse com os danos...
Essa discussão não ocorria com o antigo regramento do Código Civil revogado: no inciso IV do artigo 1.527, havia expressa previsão de que o caso fortuito eximia o dono ou detentor. Contrariando o pensamento de que a expressão "força maior", contida no art. 936. do Código Civil está em sentido amplo (abrangendo o caso fortuito), tem-se que a antiga legislação fazia expressa menção a caso fortuito e força maior, o que não foi repetido pelo legislador do Código de 2002.
Caberia, pois, o questionamento sobre a correção da decisão do legislador que, na hipótese do caso fortuito, impõe toda a responsabilidade ao dono ou detentor, mas no caso da força maior, exime-o por completo. Talvez fosse mais simples e correto atribuir, em qualquer hipótese, toda a responsabilidade ao proprietário do animal, salvo na comprovação de culpa da vítima, o que representaria uma corajosa aproximação à teoria do risco. Evidentemente que as circunstâncias do caso seriam levadas em conta no instante da fixação do quantum indenizatório.
Em qualquer hipótese, permaneceu, claramente, a eximição em razão da ocorrência comprovada de força maior. Dessa forma, no caso do policial que, arrombando residência de forma atabalhoada, por estar ao encalço de criminoso e que, deixando aberto o portão da casa, permite a fuga de animal bravio que, em seqüência, venha a ocasionar dano a transeunte, estaremos diante de caso de força maior, podendo, nesta hipótese, o dono ou detentor pugnar por sua isenção de responsabilidade.
4. CLASSIFICAÇÕES E CASOS PROBLEMÁTICOS
Importante distinção doutrinária é a correlação entre "fato de um animal" e "fato do homem". Suponhamos o seguinte exemplo: o proprietário de um feroz cão de raça solicita a amigo que leve o cão a passeio. Durante o passeio, o amigo, detendo o cão, encontra um terceiro, inimigo seu. Desejando feri-lo, permite que o cão o alcance e, mesmo preso à coleira, fere o terceiro. Cabe questionar: tratou-se de "fato do animal" ou de "fato humano"? A distinção contém importância evidente: se se tratar de simples fato humano, a vítima terá de comprovar a culpa do conducente do animal. Tratando-se de "fato do animal", a vítima poderá valer-se do art. 936. do Código Civil, que impõe a responsabilidade de prova de força maior ou culpa da vítima ao terceiro que conduzia o animal.
Pelo espírito do novo Código Civil, a idéia é simplificar a situação da vítima. Num primeiro momento, no âmbito processual, a vítima poderia alegar que se tratou de "fato do animal" e processar o proprietário e o detentor, com base no art. 936. Importaria, pois, ao proprietário do cão, comprovar que o conducente provocara o dano, e não exatamente o cão que, neste caso, foi usado como arma. De qualquer forma, a indenização da vítima estaria garantida: provando atitude dolosa do conducente, este responderia. Não provando atitude dolosa, da mesma forma, o conducente precisaria indenizar, agora com base no art. 936.
Outra questão interessante é a distinção entre "fato do animal" e "fato da coisa inanimada". No caso de um cavalo que, por uma ação muito brusca e inesperada, derruba seu cocheiro, estamos diante de um "fato do animal". (MAZEAUD et al., 1962, p. 97). Entretanto, se a queda foi provocada pelo rompimento da sela de má qualidade, estaremos diante de "um fato da coisa" e que, portanto, não seria regulado pelo art. 936. do Código Civil. Neste último caso, poderíamos estar diante de um vício do produto, responsabilizando-se o fabricante ou comerciante da sela.
Pode ocorrer que a vítima mantenha com o proprietário algum vínculo contratual, situação em que poderá ser afastado completamente o regramento imposto pelo art. 936. do Código Civil, salvo se a contratação não tiver relação direta com o animal. É o caso da empregada doméstica, atacada pelo cão da família: indubitavelmente, aplicar-se-á o art. 936.
Outra solução se daria caso o contratado seja profissional da área veterinária, contratado justamente para tratar do animal que, por acidente, o fere. Nesta hipótese, aplicar-se-iam as regras contratuais existentes entre as partes, jamais o art. 936.
Novas situações, lucubradas pela doutrina ou ocorridas na jurisprudência, podem ser analisadas, agora tendo-se em vista a nova disposição contida no Código Civil brasileiro.
Por exemplo, que solução nosso Código apresentaria para a hipótese em que o próprio animal ocasiona-se um dano, como um cavalo puro-sangue que, por acidente, enforca-se aos arreios? Na hipótese de o dono ser também o detentor, nenhuma responsabilidade existiria. Mas e na situação em que o dono confiara o animal a terceiro? Mesmo que este não tenha concorrido com culpa pela perda do animal, poderia o proprietário valer-se do disposto no artigo 936 do Código Civil? Ora, obviamente, não se trata de "força maior" e, portanto, a pretensão não seria tão absurda. Neste exemplo, MAZEAUD et al., (1962, p. 101) entendem que não seria o caso (comentando a aplicabilidade, no exemplo, do art. 1.385. do Código Civil francês), porque os redatores do Código por certo não tinham em mente a situação exposta.
Situação comumente recordada pela doutrina, é o furto do animal que, em mãos criminosas, ocasiona danos. Em alguma hipótese poderá o proprietário ser responsabilizado, provando-se que houve descuido de sua parte ao guardar o cão, facilitando o furto? Poderia ser abordada a "culpa in vigilando"?
O problema não deixou de ser abordado por Aguiar Dias (2006, p. 664):
Parece-nos acertado remeter a solução ao exame do caso concreto com atenção à culpa do proprietário. Se o roubo se deu por fato que se possa atribuir ao proprietário, como a negligência na guarda do animal, nada há de injusto em fazê-lo responder pelo dano. O roubo dificilmente constitui caso fortuito. Mas pode caracterizá-lo. Nesse caso, não se poderia, evidentemente, obrigar o dono do animal à reparação, porque o caso fortuito é causa da exoneração, em face do dispositivo do art. 936.
Vê-se que, por essa visão, o caso fortuito foi integrado ao conceito de força maior, contido no artigo em questão. Sendo, lamentavelmente, tão comuns os casos de furto em nosso país, dificilmente se encontrarão casos em que o proprietário de um cão, causador de dano, tenha sido responsabilizado, uma vez comprovado o furto. No direito francês, porém, essa probabilidade seria bem maior, em razão da redação atribuída ao art. 1.3856: "O proprietário de um animal, ou aquele que dele se serve, é responsável pelo dano que ele cause, esteja o animal sob sua guarda, tenha-se extraviado ou escapado."(FRANÇA, 2007, versão nossa)
Vê-se que a responsabilidade imposta ao proprietário é bastante ampla; passa-se à impressão de que o responsável pelo dano ocasionado pelo animal seria, em qualquer hipótese, responsabilizado, criando-se uma presunção jure et de jure, o que, entretanto, foi amenizado pela jurisprudência:
O dispositivo correspondente ao nosso art. 936. prevê a culpa do proprietário, ainda quando o animal se tenha extraviado ou fugido. Lá, portanto, a dúvida tem ainda mais fundamento. Não obstante, a maioria dos autores de pronuncia pela exoneração do proprietário. (DIAS, 2006, p. 664)
Aguiar Dias (2006, p. 665) também afirma que na expressão "extravio", contida no texto do art. 1.385. do Código Civil Francês, estaria a previsão de furto ou roubo.
Comentando o artigo 1.385 do Código Civil francês, Pontes de Miranda (1966, p. 313) destaca que a expressão "qui sén sert" abrange tanto os possuidores quando os tenedores, que "usam o animal, em sentido largo de uso". "O proprietário deixa de ser responsável desde o momento em que outro se serve do animal; mas, provado que também se serve, responde com aquele". (CHIRONI apud MIRANDA, 1966, p. 320)
Portanto, muito mais correto é atribuir ao proprietário uma presunção elidível de culpa, cabendo-lhe comprovar que não detinha a guarda do animal quando da ocorrência do dano e que, eventual extravio, não deveu-se à sua responsabilidade. A doutrina francesa, de forma ampla, entende que o proprietário é responsabilizado não exatamente pelo fato de ser proprietário, mas pela presunção de que sendo proprietário, ele é quem tira proveito do animal e, portanto, deve responder pelos danos. Por exceção, havendo outras pessoas que não proprietárias, tirando algum tipo de proveito do animal, elas responderão. (MIRANDA, 1966, p. 320)
Podem-se criar exemplos ainda mais complexos de responsabilização como, por exemplo, aquele elaborado por Aguiar Dias (2006, p. 665): "Consideremos, agora, outra hipótese curiosa. O detentor, terceiro, desempenha essa função por incumbência do dono do animal, como depositário, por exemplo. Quem responde pelo dano: o detentor ou o proprietário?"
Nessa hipótese, pode-se afirmar que há responsabilidade direta por pare do depositário e há culpa in eligendo do proprietário? Aguiar Dias (2006, p. 665) conclui pela responsabilidade de ambos:
Deve decidir-se que tanto o detentor como o proprietário, embora a lei se refira expressamente ao detentor. Porque, como recordam os autores franceses, para que haja transferência completa da obrigação de guarda, é preciso que o detentor tenha adquirido sobre o animal um poder de direção, a que tenha renunciado o dono do animal.
Como afirmado, a solução não é tão simples, pois pode ocorrer que exista contrato entre o proprietário e o possuidor. Nesta hipótese, a solução seria distinta: "Outra solução, porém, há de ser dada, se se trata de locatário, comodatário, ou pessoa que se sirva do animal mediante contrato com o dono. Não há que hesitar: o poder de direção pertence ao detentor e o proprietário não pode ser responsabilizado". (MAZEAUD e MAZEAUD apud DIAS, 2006, p. 665)
Tem-se, ainda, outro exemplo de solução duvidosa, desta feita elaborado pelos irmãos Mazeaud. Suponha-se que o dano tenha sido causado por animais em grupo, pertencentes a donos distintos. Por exemplo, três cães, pertencentes a diversos proprietários. Havendo vários donos, os Mazeaud entendem haver responsabilidade solidária entre eles, mas negam responsabilidade caso não se possa distinguir quais dos animais agrupados ocasionaram os danos. Diante da dúvida sobre qual dos animais agrupados teria ocasionado o dano, o proprietário do animal que participava do grupo não seria responsabilizado. (MAZEAUD e MAZEAUD apud DIAS, 2006, p. 666). No entanto, Dias (2006, p. 666) adota posição contrária, que soa mais razoável: "Se há presunção contra o dono do animal, qualquer prova no sentido de sua escusa deve ser trazida por ele. Prove que não foi o seu animal que causou o dano ou, não o fazendo, suporte sua parte na responsabilidade."
Aguiar Dias (2006, p. 667-668) relata outra interessante possibilidade: um turista, pouco precavido, entra num campo aberto, desprovido de cercas, pretendendo tirar fotos do grupo que o acompanha quando é ferido gravemente por um touro que transitava pela propriedade. O touro não pertencia ao proprietário do imóvel onde ocorreu o infeliz evento, mas a terceiros que o conduziam. A vítima não provocara o animal. Haveria alguma responsabilidade por parte do proprietário do animal? O caso foi analisado pela Câmara Federal de Apelação da Argentina onde decidiu-se que o proprietário não haveria de ser responsabilizado: apesar de aberto o imóvel, o fotógrafo incauto o invadira sem autorização, o que importa em aceitação dos riscos. Dias (2006, p. 667-668) afirma ser equivocada a solução que poderia redundar em exoneração dos guardadores do animal, salvo se o evento se desse em local público ou na propriedade da vítima.