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Os juízes podem julgar processos cujos advogados sejam seus parentes?

27/08/2023 às 10:52
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O STF declarou inconstitucional a norma que impedia juízes de julgar processos em que a parte fosse cliente de escritório de parente.

Recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5953, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), declarou a inconstitucionalidade da norma prevista no inciso VIII do Código de Processo Civil.

O dispositivo em questão prevê o impedimento dos juízes para julgar processos em que a parte for cliente de escritório de advocacia de cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, ainda que representada por advogado de outro escritório.

A partir da divulgação do resultado do julgamento, instaurou-se polêmica, sobretudo no âmbito das redes sociais, em razão da interpretação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal passara a autorizar que magistrados julgassem processos em que a parte fosse cliente de escritório de seus parentes.

Tal interpretação, contudo, não corresponde ao que foi decidido pelo STF.

O inciso VIII do artigo 144 do CPC, declarado inconstitucional pela Corte, impunha impedimento de julgamento nos casos em que a parte, ainda que por advogado e escritório distintos, fosse também cliente do escritório do parente do magistrado.

De acordo com tal regra, o magistrado, ao receber qualquer processo, deveria avaliar se a parte em questão era também cliente de algum parente seu em outro processo. Tal dinâmica, implicaria que os juízes conhecessem todos os clientes dos escritórios de todos os seus parentes até o terceiro grau, se declarando impedidos de julgar qualquer processo em que fossem partes, mesmo que patrocinado por outro escritório e outro advogado.

Imaginemos, agora, uma magistrada estadual casada com um advogado integrante de um escritório com atuação na área trabalhista, que possuísse milhares de clientes em processos na Justiça do Trabalho. A magistrada, de acordo com a regra declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ao receber uma inicial proposta por qualquer outro escritório, deveria, a fim de avaliar eventual impedimento, verificar se a parte demandante é um dos milhares de clientes com processo na Justiça do Trabalho patrocinado pelo escritório de seu cônjuge advogado. Para isso, por evidente, deveria ter conhecimento de quem são todos os milhares de clientes do escritório em questão, tarefa de quase impossível execução, inclusive por motivos de proteção de dados, uma vez que a magistrada, ao menos em teoria, não poderia ter acesso às listas com os nomes dos clientes.

Nesse sentido foi o voto do Min. Gilmar Mendes, relator da ADI 5953, para quem “a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar”, assinalou. Segundo o ministro, essa previsão viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.

Cabe destacar, ademais, que a interpretação de que o STF teria autorizado aos magistrados julgarem processos de escritórios de seus parentes, ou cujas partes fossem seus parentes, amplamente divulgada e criticada, sobretudo no âmbito das redes sociais, é, de todo, equivocada.

Com efeito, como dito, o dispositivo analisado pela Corte foi o inserido no inciso VIII do artigo 144 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, os incisos III e IV do artigo 144, que, reitere-se, não foram objeto de análise pelo STF, assim determinam:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

Assim, de acordo com os dispositivos, é regra inequívoca que os magistrados estão impedidos de julgar processos quando houver como postulante seu cônjuge ou parentes, ou quando forem parte seu cônjuge ou parentes.

Mas e se quem assinar a peça como postulante não for o cônjuge ou parente, mas outro advogado do mesmo escritório?

Em tal hipótese, incide o impedimento previsto na regra extensiva do §3º do artigo 144 do CPC:

§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Assim, na hipótese de a parte ser representada por outro advogado, que não tenha relação de parentesco com o magistrado, mas que integre os quadros profissionais do escritório em que também atua o cônjuge ou parente, permanece a regra de impedimento, nos termos previstos no §3º do artigo 144 do CPC.

Desse modo, não há que se falar em autorização por parte do Supremo Tribunal Federal de que juízes julguem processos que tenham como parte cônjuge ou parente seu, tampouco que julguem processos que tenham como patrono advogado que integre os quadros do escritório em que atua seu cônjuge ou parente, pois tais regras não foram objeto de análise pela Corte e permanecem hígidas no artigo 144 do Código de Processo Civil, incisos III, IV e §3º.

Por outro lado, a partir do julgamento da ADI 5953, resta afastada a regra processual que impunha aos magistrados, em todas os processos sob sua jurisdição analisar se alguma das partes era também cliente do escritório em que seu cônjuge ou parente componha os quadros, mesmo que em processos sem qualquer relação, inclusive de outras esferas da Justiça, sendo este o único objeto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Thiago Bataioli Lobato

Analista Processual da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOBATO, Thiago Bataioli. Os juízes podem julgar processos cujos advogados sejam seus parentes?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7361, 27 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105803. Acesso em: 28 abr. 2024.

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