Resumo: Estudo da ordenação jurídica brasileira dos direitos de vizinhança, sob a ótica preferencial do direito civil contemporâneo. Apreciação das mútuas interferências com o direito público, principalmente o direito urbanístico e o direito ambiental. Deveres de vizinhança, interesse coletivo e a função social da propriedade e da posse.
Palavras-chave: direitos de vizinhança; vizinhança; direito de construir
Sumário: 1. Conteúdo e abrangência. 2. Uso anormal da propriedade. 3. Árvores limítrofes. 4. Passagem forçada. 5. Passagem de cabos e tubulações. 7. Limites entre prédios e direito de cercar ou murar. 8. Direito de construir.
1. CONTEÚDO E ABRANGÊNCIA
Os direitos de vizinhança compreendem o conjunto de normas de convivência entre os titulares de direito de propriedade ou de posse de imóveis localizados próximos uns aos outros. Para efeitos legais, vizinhos não são necessariamente os contíguos, mas todos os que possam ser afetados pelo uso do imóvel. As normas de regência dos direitos de vizinhança são preferentemente cogentes, porque os conflitos nessa matéria tendem ao litígio e ao aguçamento de ânimos. Na dimensão positiva, vizinhos devem viver harmonicamente no mesmo espaço, respeitando reciprocamente os direitos e os deveres comuns. Vizinhos são não apenas os que estão ao lado, mas os que habitam imóveis acima ou abaixo, daí porque as normas dos direitos de vizinhança aplicam-se conjugadamente com as do condomínio edilício.
Para o direito brasileiro, os direitos de vizinhança são autônomos e concebidos como limitações ao direito de propriedade. Algumas legislações inserem os conflitos de vizinhança nas servidões legais, como direito real de servidão. Os direitos de vizinhança constituem as mais antigas limitações ao direito de propriedade individual, no mundo luso-brasileiro. As limitações são de natureza majoritariamente negativa e preventiva. Mas há, igualmente, limitações positivas, das quais emergem deveres positivos aos que se qualificam juridicamente como vizinhos.
As situações em que se classificam os direitos de vizinhança são as mais comuns na vida social, a merecerem maior atenção do legislador. Segundo Pontes de Miranda2, a técnica legislativa, a esse respeito, representa a elaboração de alguns séculos, na qual muito se deve aos costumes. Para Orlando Gomes3, o critério regulador das relações de vizinhança é dado por três teorias principais:
(1) a da proibição dos atos de emulação (utilidade ou inutilidade do ato do proprietário);
(2) a do uso normal da coisa própria;
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(3) a do uso necessário (os atos do proprietário são lícitos, se motivados pela necessidade).
O Código Civil de 2002 perfilhou a teoria do uso normal da coisa própria, preconizada por Ihering, que procura estabelecer a linha demarcatória entre as interferências lícitas e ilícitas, com apoio na ideia de que o exercício do direito de propriedade não deve exceder as necessidades normais da vida cotidiana.
O Código Civil reformulou os tópicos cuja disciplina anterior era considerada insuficiente, pela doutrina. Destacam-se as alterações e inovações relativas ao uso anormal da propriedade, à passagem forçada, à passagem de cabos e tubulações, às águas e ao direito de construir, que procuraram resolver demandas contemporâneas.
Os direitos de vizinhança atêm-se às relações jurídicas intersubjetivas que emergem da convivência em determinado espaço territorial. Paralelamente, incidem as normas de direito administrativo, notadamente as de caráter urbanístico, emanadas do legislador federal (Estatuto das Cidades, Lei nº 10.257, de 2001) e do legislador municipal, relativamente às edificações e aos limites de tolerância entre vizinhos. São igualmente incidentes as normas de direito ambiental. Os limites ao uso dos imóveis, entre vizinhos, são tanto de direito privado, onde recebem a denominação de direitos de vizinhança, quanto de direito público. Há outras normas de direito privado correlatas que regulam a convivência entre vizinhos, em determinadas circunstâncias, como a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766, de 1979), a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245, de 1991) e as normas do Código Civil sobre condomínio edilício.
Quando em conflito, os interesses coletivos prevalecem sobre os interesses particulares. De acordo com San Tiago Dantas4, há casos em que os conflitos entre vizinhos se compõem pela atribuição de um dever e de um direito fundados no princípio da coexistência. Há outros em que se compõem pela atribuição de um dever e um direito fundados no princípio da supremacia do interesse público. Os direitos de vizinhança, relacionados ao primeiro princípio, são gratuitos, e os ônus do proprietário são encargos ordinários da propriedade. Os relacionados ao segundo princípio são onerosos e quem o suporta tem direito de ser indenizado.
2. USO ANORMAL DA PROPRIEDADE
O uso anormal da propriedade, ou da posse, é o que colide com os padrões comuns de conduta, adotado na comunidade onde ela se insere, ou com as normas legais cogentes. O parâmetro a ser observado nessa matéria é o da razoabilidade, ou da conduta razoável. Conduta normal ou razoável é a que corresponde ao tipo médio de uso do imóvel, de acordo com o consenso da comunidade (cidade, bairro, vila, rua), que permite convivência harmônica, sem prejuízos ou incômodos evitáveis para o outro ou os outros. O conceito é indeterminado, a reclamar a análise de cada caso, mas segundo os parâmetros de razoabilidade. No regime da propriedade privada, o seu titular é responsável pelas atividades de seu direito e pelos atos que se propagam para outros objetos de apropriação5.
As expressões utilizadas na legislação anterior de “uso nocivo” e, principalmente, “mau uso” revelaram-se inadequadas, porque restritivas, tendendo-se ao abuso do direito da propriedade. Segundo Ebert Chamoun6, a parte geral do direito de vizinhança sofreu total remodelação, no anteprojeto (e no Código Civil, que dele resultou). Impunha-se a reforma, por causa da falta de critérios firmes de solução dos variados e graves conflitos de vizinhança, que têm ensejado grandes dificuldades para os juízes. Louva-se na teoria desenvolvida por San Tiago Dantas que conjuga a teoria do uso normal e a da necessidade, que é o estatuto da vizinhança comum, e o princípio da supremacia do interesse público. Devem sempre cessar as interferências anormais que podem ser evitadas ou comprometem a habitação dos imóveis adjacentes.
O uso da coisa é anormal quando repercute no uso normal da outra, em relação às pessoas que a habitam. Inclui-se no conceito legal de uso anormal, o não uso, quando provoca interferências no vizinho (por exemplo, em casa fechada, água não tratada de piscina na qual proliferam mosquitos transmissores de doença). Não se confunde com o abuso do direito (CC, art. 187), que pode também decorrer dos conflitos de vizinhança. O uso anormal não é apenas de imóvel, mas de coisas móveis, que possam provocar tais interferências em quem habita um imóvel. Por exemplo, o barulho excessivo de escapes abertos de veículos automotores. Os que sofrem são os que habitam o imóvel; e, por ser imóvel, não podem deslocá-lo para distanciá-lo dessas interferências prejudiciais.
As interferências são as que causam ou podem causar prejuízos à saúde, ao sossego ou à segurança dessas pessoas, provocadas pelo uso de propriedade vizinha. Não há necessidade se provar que o prejuízo já ocorreu, pois basta a ameaça ou o risco de ofensa à saúde, ao sossego ou à segurança.
O vizinho prejudicado legitima-se às pretensões para prestação tanto negativa, principalmente para cessação dos fatores de perturbação dos direitos de vizinhança, quanto positivas, para prevenir a interferência ou o dano. Legitima-se, igualmente e cumulativamente, à pretensão à indenização por danos materiais ou danos morais. Estes últimos são pressupostos, in re ipsa, pois violam direitos da personalidade, principalmente a integridade psíquica, a intimidade e a vida privada do vizinho prejudicado pela interferência.
Não se exige a cessação de todas as interferências, razão porque a lei refere aos “limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”. A lei leva em conta certa tolerância indispensável para a viabilidade da vida contemporânea, especialmente nos espaços urbanos. Os limites ordinários de tolerância são os que resultam do uso normal da propriedade, segundo o tipo médio e razoável, além dos quais o prejuízo não deve ser suportado. Por exemplo, a realização de uma festa eventual ou episódica, com grande movimentação de pessoas no imóvel, animadores e músicas está dentro dos limites ordinários de tolerância; mas estes são excedidos quando feitas com muita frequência ou quando prejudicam o descanso noturno dos vizinhos. É normal que, eventualmente, sejam modificadas as posições dos móveis, porque os moradores desejam alterar a ambientação do apartamento; mas é anormal que todos os dias sejam arrastados móveis, repercutindo o barulho nos vizinhos contíguos. Não há uso anormal da propriedade se a interferência resultar de fato natural, não imputável ao titular do imóvel.
Não se inclui nos limites ordinários de tolerância a existência anterior do uso anormal; no direito brasileiro não prevalece o modo de uso anterior ou da pré-ocupação, porque tal conduta não configura direito adquirido. Assim, as atividades poluentes, que existiam antes de a urbanização delas se aproximar ou cercá-las (por exemplo, depósito de cal e cimento), não servem como óbice a que os direitos de vizinhança a elas não se apliquem, uma vez que passaram a causar interferências na saúde, na segurança e no sossego dos que habitam em suas proximidades. O STJ decidiu que determinado Município se abstivesse de utilizar antiga pedreira como depósito de lixo, pois o “interesse de poucos não podia prevalecer sobre o interesse de muitos” (REsp nº 163.483). Por igual, o novo proprietário ou possuidor é responsável pelo uso anormal praticado pelo anterior, pois os direitos de vizinhança constituem obrigações propter rem, vinculando-se ao imóvel e responsabilizando quem detenha sua titularidade.
O fato de permitirem as leis de direito público que se instalem indústrias ou serviços em lugar em que não os havia, ou eram proibidos, de modo nenhum basta para se entender que cessou o direito de vizinhança, pois a permissão somente pode entender-se para eficácia no plano do direito público. Por essa razão, o art. 1.278. do Código Civil estabelece que, se as interferências forem justificadas pelo interesse público, o causador delas terá de pagar ao vizinho, ou vizinhos, indenização cabal.
A tolerância às interferências, imposta por decisão judicial, não suprime do vizinho afetado a totalidade do exercício dos direitos de vizinhança. Se o juiz se convencer que a situação é de interferência que deva ser tolerada, considerando que o prejuízo à saúde, ou ao sossego, ou à segurança é fato, o vizinho afetado tem direito de exigir sua redução ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis, a qualquer tempo. Cabe-lhe o ônus de provar tal possibilidade, o que demonstra que a decisão judicial não é definitiva, mas sim alterável rebus sic stantibus, de acordo com as circunstâncias supervenientes.
É imensa a casuística dos tribunais sobre o que se considera uso anormal da propriedade: a fumaça que invade os imóveis vizinhos, a queima de material inflamável, o badalar de sinos de igrejas sem necessidade de culto, a poluição das águas, os odores fortes, o canto alto de aves, as águas não tratadas que facilitam a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, a pulverização com inseticidas, a manutenção de fossa junto ao prédio de outrem, o barulho excessivo em bares, festas e cultos religiosos, a prostituição em imóveis residenciais, a guarda e manuseio de explosivos, produtos químicos e agrotóxicos. No caso dos cultos religiosos, a liberdade de religião há de se harmonizar com os direitos de vizinhança.
Saúde é direito fundamental, constitucionalmente tutelado, abrangente do físico ou da mente. A saúde psicofísica não pode ser prejudicada, por conduta de terceiro vizinho, quando a conduta é evitável. A saúde é de quem habita ou tem de frequentar o imóvel. Segurança é material e moral, tanto do imóvel quanto de quem o habita. Sossego é a tranquilidade normal que a pessoa tem como legítima expectativa de usufruir em sua habitação. Sossego não é ausência de barulho, mas convivência com barulho por todos tolerável. O barulho que se tolera de dia não é tolerável à noite. O sossego é comprometido não apenas pelo som insuportável, mas também pela luz, pelos odores e por outros motivos de inquietação.
O barulho é, certamente, o maior problema decorrente dos crescentes adensamentos populacionais em áreas urbanas. Os prédios, cada vez mais altos e próximos, e os apartamentos cada vez menores, desafiam os limites da suportação dos sons provocados pela utilização das propriedades vizinhas. O barulho adoece e compromete a qualidade de vida. De acordo com estudos referidos pela revista de saúde The Lancet (v. 383, p. 1.270, abr. 2014), o barulho pode provocar irritação e perturbação do sono, aumentando a prevalência de estresse, doença cardiovascular e mortalidade nos grupos expostos. Em crianças, o ruído ambiental também pode afetar negativamente os resultados de aprendizagem e o desempenho cognitivo. Segundo os estudos, mesmo quando não é forte, o ruído pode perturbar o sono, desencadeando reações no organismo, como aceleração dos batimentos cardíacos.
O Código Civil assegura ao proprietário ou possuidor direto do imóvel o direito e a pretensão a que o dono do imóvel vizinho promova a demolição ou a reparação necessária deste, quando haja ameaça de ruína. Pode, conjuntamente, exigir caução pelo dano que julga iminente, também conhecida como caução de dano infecto. A caução tem como pressupostos a grande probabilidade do dano e antecipação da indenização. O vizinho, a quem cabe demolir ou reparar, não pode definir quais as medidas que julgar adequadas.
Também pode o proprietário ou possuidor do imóvel exigir do vizinho, que esteja a promover construção nova em terreno deste, garantias contra prejuízo eventual, em caso de dano iminente ou provável. Pouco importa que a obra tenha recebido autorização da administração pública competente, ou alvará de construção, ou que o vizinho comprove que observa o projeto assim aprovado, ou que não teve culpa. Se ficar constatada a probabilidade de dano iminente, é lícito ao vizinho, sob risco, exigir garantias, que podem ser fiança pessoal, caução em dinheiro, penhor, hipoteca, seguro ou fiança bancária. Não se obsta a obra, mas a garantia tem por fito prevenir sua segurança. No caso de recusa à prestação de garantia, cabe ação judicial para sua obtenção. Enquanto não se constrói a obra, o direito do vizinho pode ser exercido para que se abstenha. Se já construiu, constatado o dano iminente, a pretensão é para a demolição ou reparação necessária antes de qualquer dano.
A pretensão ou exigibilidade, no âmbito extrajudicial, e a ação judicial pelo uso anormal da propriedade, podem ser dirigidas contra o proprietário do imóvel, fonte das interferências prejudiciais, ainda que o causador seja locatário ou outro possuidor direto (por exemplo, usufrutuário, usuário, comodatário). Do mesmo modo, a pretensão e a ação judicial podem ser dirigidas ao possuidor direto, pois a obrigação de não causar interferências não é apenas do proprietário, mas de quem esteja na qualidade de vizinho. A legitimidade passiva expandida, na ação judicial, tem sido admitida pelos tribunais (STJ, REsp 480.621 e REsp 622.203).
O uso é também anormal quando viola princípios fundamentais da Constituição, tais como a garantia da vida privada, da intimidade, da inviolabilidade da moradia e da proteção do meio ambiente. O Código Florestal (Lei nº 12.651, de 2012) considera que, na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às suas disposições são consideradas uso irregular da propriedade, conceito análogo ao do uso anormal, passíveis, além de responsabilidade civil, de sanções de caráter administrativo, civil e penal. As obrigações previstas na Lei nº 12.651 têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, ou seja, não podem ser afastadas por ato de autonomia privada.
3. ÁRVORES LIMÍTROFES
As árvores integram o imóvel, quando localizadas dentro de seus limites. O direito distribui as titularidades, quando as árvores têm seu tronco na linha divisória, quando as raízes e galhos de árvores ultrapassam os limites e alcançam o imóvel vizinho e quando os frutos estão pendentes ou caídos no imóvel vizinho, que são fontes permanentes de conflitos. Essa matéria não diz respeito apenas ao conflito entre particulares, mas também à proteção do meio ambiente, que sobre aquele prevalece.
Há presunção legal de pertencimento da árvore a ambos os titulares de imóveis vizinhos, quando o tronco situa-se na linha divisória entre eles, tendo em vista sua função de marco divisório. Pouco importa que o tronco esteja mais em um imóvel que em outro. O tronco, para ser considerado comum, deve estar na linha divisória em sua parte mais próxima da raiz. Cada vizinho é dono de metade, em parte indivisível. Não é comum a árvore se o tronco enraíza-se inteiramente em um imóvel e inclina-se sobre o outro. A lei (CC, art. 1.282) alude a tronco de árvore, mas há plantas que não são árvores, como as palmeiras, principalmente os coqueiros, cujas plantações são comuns no litoral tropical brasileiro. Não são consideradas árvores porque estas se caracterizam pelo crescimento do diâmetro do seu caule para a formação do tronco, que produz a madeira e tal não acontece com as palmeiras. Para os fins da lei, no entanto, as palmeiras se enquadram no conceito genérico de árvore. Quando a árvore cresce, pode vergar-se para um dos lados, podendo, inclusive, ultrapassar a linha divisória, no espaço aéreo; ainda assim, pertence exclusivamente ao titular do imóvel onde estão suas raízes. Quando a árvore inclina seu tronco sobre o imóvel vizinho, causando-lhe prejuízos (por exemplo, quedas dos frutos ou palhas do coqueiro sobre telhado), o titular prejudicado tem pretensão à indenização. A pretensão ao corte da árvore depende de parecer favorável das autoridades ambientais, quanto ao risco de tombar, causando prejuízo aos que forem por ela alcançados, ou de decisão judicial.
O Código Civil mantém antiga regra, anterior ao advento do direito ambiental, autorizativa do corte das raízes e ramos de árvores que ultrapassem o limite do imóvel, pressupondo-se a existência de dano ou risco de dano para o imóvel vizinho. O corte da raiz ou das raízes, que assim ultrapassam os limites, pelo titular do terreno invadido, pode acarretar a morte do vegetal, mas essa é uma possível consequência que a lei desconsidera. A norma legal alude a ramos e raízes, não se admitindo o corte do tronco ou parte do tronco. O vizinho tem direito de se apropriar dos galhos e raízes que cortar, sem necessidade de justificar ou alegar dano. Tem sido decidido ser dispensável o pedido de autorização judicial para fazer o corte, que já é dada por lei. O direito ao corte dos galhos e raízes não é admitido por algumas legislações estrangeiras e outras o condicionam à prova de que são prejudiciais.
Com relação aos frutos, os que estão pendentes não podem ser colhidos pelo titular do terreno sobre o qual parte da árvore se projeta; o dono da árvore pode colhê-los, se for possível fazê-lo a partir de seu próprio imóvel. Porém, os frutos que caírem sobre o terreno vizinho passam a pertencer ao titular deste, que livremente os pode recolher e dar o destino que pretender. O fato do pertencimento é a queda sobre o terreno do vizinho. Nesse sentido, Pontes de Miranda7: o direito de propriedade, no caso dos frutos caídos, não é oriundo do direito de apropriação, mas de fato jurídico stricto sensu, tal como acontece com a propriedade dos frutos da árvore que caem. A queda dos frutos é natural, não pode ser provocada, tal como sacudir os galhos ou a árvore.
Para Serpa Lopes8, a solução do direito brasileiro é contrária à doutrina romanista, consistente em manter no dono da árvore a propriedade dos frutos, mesmo quando caídos além dos limites de sua propriedade. Os romanos entendiam que o dono da árvore tinha o direito de colher e recolher os frutos que se encontrassem no terreno do vizinho. O Código Civil português prevê, igualmente, o direito à apanha dos frutos, que pode ser exigível contra o vizinho, sendo responsável pelo prejuízo que causar. A norma do Código Civil brasileiro alude apenas ao vizinho particular; assim, se os frutos caírem em terreno pertencente ao domínio público, eles continuam na titularidade do dono da árvore, que os pode recolher.