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Muros da infâmia: vergonha internacional para Bogotá

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1. Os Muros da Infâmia em Bogotá

Na capital colombiana, há vários cartazes espalhados pelas regiões mais transitadas da cidade, cada um com dimensões de dez metros de largura por três de altura, onde se exibem fotografias, nomes, idades das vítimas e as penas cominadas a homens condenados à prisão por abuso sexual de menores de idade.

A lei municipal dos "muros da infâmia" tem como justificativa a preservação dos direitos e garantias das crianças e adolescentes, em consonância com o art. 48 do Código da Infância e da Adolescência da Colômbia, promulgado em 2006. A autora do projeto da lei, Gilma Jimènez, atesta que o objetivo desta norma é oferecer uma reparação às vítimas, por ser o abuso sexual de menores um tema tratado como de menor importância. Alega também que a exposição dos apenados terá o efeito de incentivar que as vítimas de crimes similares denunciem a violência que vivem, o que, aduz Jimènez, só ocorre em 30% dos casos.

Em que pese a alta reprovação social a tais crimes e a indubitável gravidade de tais condutas, é correto ou mesmo eficaz que sejam tomadas tais providências para tratar esta forma de criminalidade? Ainda, afigura-se uma medida consentânea com os ideais do Estado colombiano, consagrados em sua Constituição de 1991, e os tratados internacionais do qual é signatário?


2. Muros da infâmia X Preceitos constitucionais

A exposição de motivos da "Lei dos Muros da Infâmia" aduz que o referido diploma legislativo cumpre os mandamentos constitucionais presentes no art. 44 da Carta Política, ao garantir os direitos da criança, que prevalecem sobre os direitos dos demais, como dispõe o texto do artigo supra. Em que pese o radicalismo da tese, não nos debruçaremos sobre ela.

Assevera-se também, na exposição de motivos da dita lei, que a sociedade estará em perigo quando os criminosos finalmente voltarem à liberdade, sendo necessária a exibição de suas figuras para a própria proteção da população. Tal lógica se mostra completamente deturpada: em lugar de procurar formas de melhor acompanhá-los ou lutar para ser criada uma pena que melhor responda ao delito, incitam a revolta da sociedade contra os egressos, o que certamente causará violações à sua integridade física.

O Art. 6º da referida lei afirma:

El Gobierno Distrital [...] presentará a la opinión pública en los diferentes medios de comunicación de amplia circulación escritos, televisivos y radiales, las fotos de todos los condenados en Bogotá por delitos sexuales cometidos durante el año anterior, contra niños y adolescentes, señalando los nombres de los condenados, los delitos cometidos y la condena impuesta a cada uno; así mismo la edad de las víctimas. (grifos adicionados)

Enquanto isso, a Constituição colombiana, promulgada em 1991, assevera, em seu art. 12: "Nadie será sometido a desaparición forzada, a torturas ni a tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes" (grifos nossos).

Mostra-se completamente contrário a essa concepção o Código da Infância e da Adolescência (lei 1.098, de 2006), que preconiza, em seu art. 48, que

En alguno de estos espacios [da programação dos serviços de radiodifusão e televisão] y por lo menos una vez a la semana, se presentarán con nombres completos y foto reciente, las personas que hayan sido condenadas en el último mes por cualquiera de los delitos contemplados en el Título IV, ‘Delitos contra la Libertad, Integridad y Formación Sexuales’, cuando la víctima haya sido un menor de edad.

Esta exibição representa-se, pois, com um caráter de complementação à pena privativa de liberdade já aplicada aos criminosos. É uma pena a mais, não prevista quando da sua condenação. O dispositivo mostra que, para os bogotanos, não basta punir tais crimes de pedofilia com a prisão, não obstante seja a previsão legal para quem comete tais ilícitos: na Colômbia, como um todo, se fala em dar publicidade excessiva aos infratores, numa medida degradante, atentando contra a imagem, a honra e a dignidade não só do apenado, mas de sua família e pessoas próximas, às quais se estendem os efeitos do escárnio público.

A disposição citada do Código da Infância e da Juventude se mostra flagrantemente contrária ao preceito constitucional supra, o que denota a inconstitucionalidade de tal artigo, que, já por este motivo, não deveria integrar o ordenamento jurídico colombiano, ainda que realize o disposto no art. 44 da Carta Magna – os direitos das crianças se sobrepõem aos demais. A lei dos muros da infâmia, baseada no referido artigo inconstitucional do Código, também carece de constitucionalidade, o que já basta para que seja expurgada do sistema jurídico.


3 Muros da infâmia X Tratados internacionais dos quais a Colômbia é signatária

A Constituição da Colômbia afirma, em seu art. 93:

Los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que reconocen los derechos humanos y que prohiben su limitación en los estados de escepción, prevalecen en el orden interno. Los deberes y derechos consagrados en esta Carta se interpretarán en conformidad con los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia.

Exemplo destes é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, datada de 1945, preconiza no art.V que "toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos a sua honra, a sua reputação e a sua vida particular e familiar". De cristalina, é desnecessário trabalhar a lição daí depreendida: os muros da infâmia contrariam cabalmente a Declaração, o que acaba por ferir o art. 93 da Constituição da Colômbia, país que ratificou o documento.

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A famosa Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual a Colômbia também é signatária, consagra em seu art. 3º que "todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal", e em seu art. 5º que "ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes", fórmula que foi repetida na Constituição desse país.

O artigo 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) diz, também, que ninguém "poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes". Aqui é demonstrada a importância e o cuidado que há em sempre reafirmar-se o compromisso dos Estados para com o respeito à dignidade da pessoa humana, que constantemente é violada, de todas as formas possíveis.

O Pacto de San José da Costa Rica (1969) contém a disposição, em seu art. 2º, de que todos os Estados-partes — entre eles, claro, a Colômbia —, devem adotar disposições de direito interno que efetivem os direitos e liberdades arrolados em seus preceitos seguintes, dos quais ressaltamos o presente no art. 5º. Aí se resguarda a proteção à integridade pessoal, em que se inclui a integridade física, a psíquica e a moral. Desta forma, "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano". Este preceito, novamente trazido nos tratados internacionais, revela a grande preocupação com a sua freqüente violação, não obstante os esforços e a presença de dispositivo semelhante nos ordenamentos jurídicos dos países. Também se vê que "a pena não pode passar da pessoa do delinqüente", o que é cabalmente confrontado pelos muros da infâmia.

A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradante, tem-se o conceito de tortura no seu artigo primeiro que diz:

O termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim (...) de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido (...) quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.


4 Conclusão

A medida dos muros da infâmia se revela uma tentativa de estabelecer uma ampliação da pena que cumprem pessoas já condenadas por crimes de pedofilia, por entenderem que a punição prevista é insuficiente por não assegurar a segurança da sociedade uma vez que o apenado retorne ao convívio social. Com a mesma preocupação, vêem-se pessoas que instigam o estabelecimento da pena de morte e outras punições severas, demonstrando a força que o movimento de Lei e Ordem tem sobre a população e os legisladores em uma época em que crimes aterrorizantes são notícia diária. Trata-se de uma escola penal que crê, piamente, que a adoção de punições mais graves e longas, somado à retirada de garantias do preso e uma maior criminalização de condutas contribuiria para a diminuição da criminalidade. Esta tendência é contrária à atualmente seguida pelos Estados Democráticos de Direito, adeptos do direito penal mínimo, que conta com amplas garantias aos acusados e condenados na investigação e na aplicação das penas.

A instigação ao escárnio público dos apenados por prática de crimes repulsivos é apresentada como forma de proteger os interesses das vítimas. Todavia, logo se vê que a exposição pública da figura dos condenados não traz nenhum bem a quem sofreu com suas práticas. Trata-se de uma forma de infligir a estes um suplício moderno, que recai inclusive sobre seus familiares.

Ademais, demonstra-se assim a falência do sistema penal colombiano — o que não é característica somente desse país: não se toma a prisão como pena suficiente e necessária para a repressão e prevenção do crime, fazendo-se uso de outras medidas, muitas vezes contrárias às disposições do próprio ordenamento.


REFERÊNCIAS

BOGOTÁ. Acuerdo 280, de 08 de maio de 2007. Registro Distrital 3.753, publicado em 08 de maio de 2007, Bogotá. Disponível em: < http://www.alcaldiabogota.gov.co/sisjur/normas/Norma1.jsp?i=24274>. Acesso em: 21 out. 2007.

COLÔMBIA. Constituição (1991). Ato Legislativo nº 4, de 2007. Diário Oficial 46.686, 11 de julho de 2007, Bogotá. Disponível em: <http://www.secretariasenado.gov.co/desarrollo_constitucional1.htm>. Acesso em: 21 out. 2007.

______. Lei 1098 de 8 de novembro de 2006. Diário Oficial 46.446, de 08 de novembro de 2006, Bogotá. Disponível em: <>.Acesso em: 21 out. 2007.

CONCEJO de Bogotá. Exposición de Motivos: Proyecto de Acuerdo nº 272 de 2007. Disponível em: <http://www.elabedul.net/Documentos/Temas/Otros/proyecto_muro_de_la_infamia.pdf>. Acesso em: 21 out. 2007.

LOS "muros de la infamia" generan polémica. Agencia Nova Colombia, Bogotá, 10 de maio de 2007. Disponível em: <http://www.novacolombia.info/nota.asp?n=2007_5_1 0&id=37491&id_tiponota=15>. Acesso em: 21 out. 2007.

PIOVESAN, Flávia; GOMES, Luiz Flávio. (coordenadores). O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VIOLADORES, em el muro de la infamia. El pais, Cali, 26 de julho de 2007. Disponível em: <http://www.elpais.com.co/paisonline/notas/Septiembre262007/infamia.html>. Acesso em: 21 out. 2007.

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Sobre a autora
Cíntia Bezerra de Melo Pereira Nunes

bacharelanda em Direito pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Cíntia Bezerra Melo Pereira. Muros da infâmia: vergonha internacional para Bogotá. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1593, 11 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10618. Acesso em: 24 abr. 2024.

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