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O regime jurídico do assentado pela reforma agrária e o extrativismo

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06/11/2007 às 00:00

Resumo:


  • O regime jurídico dos assentados da reforma agrária permite que explorem a cobertura vegetal nativa de suas parcelas, podendo praticar o extrativismo e alienar a vegetação sem necessidade de processo licitatório, desde que esteja previsto no contrato de concessão de uso e no plano de desenvolvimento do assentamento.

  • O assentado, como concessionário de uso ou detentor de título de domínio, tem o direito de explorar o bem com exclusividade, podendo ocupar, transformar e dispor de parte da matéria do bem, incluindo a possibilidade de extrair e alienar frutos e acessões do imóvel.

  • Após a outorga do título de domínio, o assentado torna-se proprietário do imóvel rural e tem autonomia para decidir sobre a administração de sua propriedade, devendo, no entanto, observar a legislação ambiental e obter o necessário licenciamento ambiental para a exploração dos recursos naturais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário:1- Introdução. 2- O regime jurídico dos assentados. 3- Os poderes do assentado. 3.1- Enquanto titular de concessão de uso. 3.2- Enquanto detentor de título de domínio. 4- A exploração da parcela rural mediante extrativismo. 5- Epílogo.


1- Introdução

O presente artigo tem como objetivo tecer breves considerações sobre o regime jurídico das relações estabelecidas entre o Estado e a pessoas beneficiárias de parcelas rurais do programa de reforma agrária, analisando, ainda, se é possível que tais assentados pratiquem o extrativismo e alienação da vegetação nativa existente nestes lotes que lhes foram destinados independentemente de processo licitatório.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas antes de fomentar o debate, passamos à análise do tema.


2- O regime jurídico dos assentados

Certa feita deparamo-nos com um questionamento formulado por pessoas beneficiárias da reforma agrária que indagavam se era possível explorar a cobertura vegetal nativa existente no imóvel rural em que teriam sido assentadas. Perguntava-se se a exploração podia ser implementada pelos próprios assentados, que aufeririam a renda daí proveniente, ou se deveria ficar a cargo do Poder Público, a quem caberia extrair e alienar os produtos florestais mediante licitação, bem como amealhar o lucro daí proveniente.

A indagação justificava-se porque alguns acreditavam tratar-se de patrimônio público, de modo que o gerenciamento e a exploração somente seriam possíveis se executados pela própria Administração.

Diante de tal questionamento perguntei-me: qual o regime jurídico do assentado pela reforma agrária? Vejamos então.

A Constituição Federal prevê em seus artigos 188 e 189 as formas pelas quais se efetiva a destinação de terras públicas reservadas para a reforma agrária, verbis:

"Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.

§ 1º - A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.

§ 2º - Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária.

Art. 189. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.

Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei" (grifos nossos)

Extrai-se da Carta Federal que existem duas formas de destinação das terras afetadas à reforma agrária: a) concessão de uso; ou b) outorga de título de domínio.

Na primeira o Estado retém para si o domínio e a posse indireta do imóvel, transferindo ao particular a posse direta para que explore a terra. Ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO[1] que "concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação". O uso privativo ou especial de bem público possui conteúdo "variável, podendo comportar faculdade de ocupação (como a instalação de bancas na calçada), poderes de transformação (construção de vestiários na praia) ou até poderes de disposição de uma parte da matéria (aproveitamento das águas públicas ou extração de areia)", conforme bem leciona a citada mestra[2]. Em razão disso, caberá ao contrato estabelecer a finalidade e as condições do uso.

Duas questões merecem destaque: a) em razão da natureza contratual, a concessão de uso não é precária, assumindo estabilidade, somente afastada em caso de grave razão superveniente[3]; e b) a concessão de uso constitui um direito de natureza obrigacional, faltando-lhe, portanto, as características de direito real[4] (oposição erga omnes, seqüela, ações reais, constrição por garantia real, etc.).

Noutro giro, a outorga de título de domínio é modo especial de alienação de bem público. Segundo JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, a outorga de domínio "é o instrumento de direito público pelo qual uma entidade de direito público transfere a outrem, gratuita ou onerosamente, bem público de seu domínio"[5]. A transferência deve ser formalizada por escritura pública ou termo administrativo, efetuando-se a transcrição no Cartório de Registro de Imóveis.

Superado o ponto referente às formas de destinação das terras públicas, a Constituição afirma que a alienação ou concessão para fins de reforma agrária não depende de autorização do Congresso Nacional e será procedida nos termos e condições da lei específica. Com o fito de regulamentar tais disposições foi publicada a Lei 8.629/93, que em seus artigos 16 usque 22 disciplina o estatuto jurídico do assentado[6].

A análise da norma ordinária permite a extração de algumas conclusões, conforme se verá a seguir.

Primeira. A distribuição de imóveis rurais seguirá a ordem preferencial estabelecida no art. 19, não podendo figurar como beneficiárias as pessoas apontadas no art. 20. Qualquer indivíduo que atenda os requisitos previstos nestes dispositivos poderá participar do programa de reforma agrária.

Observe-se que, em regra, a alienação ou concessão de bens públicos deve ser precedida de licitação. Não obstante esta constatação, a parte inicial do inc. XXI do art. 37 da Lei Fundamental assevera que não se procederá à licitação nos casos previstos em legislação especial

Neste passo, o art. 188 da Constituição afirmou que a alienação e concessão de terras públicas, quando destinadas à reforma agrária, seriam disciplinadas por lei específica, que no caso, como dito alhures, é a Lei 8.629/93, valendo destacar que esta norma não exige que o pretenso beneficiário da reforma agrária sagre-se vencedor em processo de licitação. Deste modo, o regramento jurídico sob enfoque não exige a licitação para alienação ou concessão de imóveis rurais destinados à reforma agrária.

Segunda conclusão. Quando da implantação do projeto de assentamento, o beneficiário da reforma agrária firmará contrato de concessão de uso, devendo constar do instrumento os direitos e deveres das partes, algumas cláusulas resolutivas, a intransmissibilidade temporária, o compromisso de exploração direta e pessoal, bem como o direito de adquirir o bem (arts. 18, §2º, e 21).

Terceira. Após a medição e demarcação do imóvel a ser alienado, o assentado receberá título de domínio inegociável pelo prazo de 10 (dez) anos, abatido o tempo decorrido desde a celebração do contrato de concessão de uso, pagando pela aquisição o valor definido pelo Conselho Diretor do INCRA, constando do instrumento condições resolutivas (art. 18, §§1º, 2º, in fine, e 3º, bem como art. 22).

Quarta. O beneficiário da reforma agrária poderá explorar o imóvel de forma individual, condominial, cooperativa, associativa ou mista. Por certo, tal exploração deverá adequar-se à finalidade do imóvel, que é eminentemente rurícula (arts. 16 e 21). GURSEN DE MIRANDA, ao comentar o instituto da posse agrária para fins de usucapião especial, explica o que vem a ser atividade agrícola:

"Na verdade, o que se observa na posse agrária é a necessidade de não se permitir que a terra fique ociosa e, desta forma, exige-se que tenha sempre alguém trabalhando e fazendo a terra produzir. Na posse agrária, portanto, não significa que se possa fazer da terra o que lhe agrade. A posse agrária impõe o próprio cultivo da terra, caso contrário, perde-se o direito de nela permanecer"[7].

(...)

"O ato possessório agrário é, assim, o trabalho na agricultura, na pecuária e no extrativismo agrário"[8] (grifo nosso).

O citado autor ensina que o extrativismo agrário abrange o extrativismo vegetal e o animal, não podendo cogitar-se de extrativismo mineral, totalmente alheio à atividade agrária[9]. Adiante o tema será tratado com pormenores.

Quinta conclusão. A forma de exploração das parcelas destinadas à reforma agrária será definida no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) – art. 17, III.

Última. Concedidos os créditos de instalação e concluídos os investimentos, a Administração deverá outorgar título definitivo de domínio a fim de ter por consolidado o projeto de assentamento (art. 17, V).

Vale realçar que o art. 7º da MP 2.183-56/01 afirma que o órgão federal executor do programa de reforma agrária fica autorizado a baixar atos normativos internos disciplinando a aplicação dos arts. 17 e 18 da Lei nº 8.629/93. Assim, cabe ao INCRA definir as espécies de Planos de Desenvolvimento de Assentamentos, estipulando a forma e o regime de exploração, o prazo mínimo de duração do contrato de concessão de uso, quais são as cláusulas resolutórias, os critérios de valoração do imóvel para fins de alienação, os casos em que o título será individual ou coletivo, o prazo para pagamento do imóvel (respeitado o máximo de vinte anos), a forma de amortização da dívida decorrente da concessão de créditos, o cadastro de áreas e beneficiários, dentre outras.

Visto o regime jurídico do assentado, cabe aplicá-lo ao tema sob análise, a saber, a viabilidade da exploração da cobertura vegetal nativa existente no imóvel pelos próprios assentados da reforma agrária.


3– Os poderes do assentado

Como exposto dantes, a concessão de uso é uma forma de uso privativo ou especial de bem público, assegurando-se ao concessionário o direito de explorar o bem com exclusividade, conferindo-se ao mesmo, nos limites do contrato, poderes de ocupar, transformar e/ou dispor de parte da matéria do bem.

De um modo genérico, o contrato pode permitir, a título de exemplo, que o concessionário aliene as acessões naturais existentes em um imóvel, que aproveite as águas públicas, ou que faça extração de areia.

Caberá ao próprio concessionário coletar os frutos e produtos existentes no imóvel, bem como providenciar a sua destinação, seja pelo consumo, seja pela alienação. O Estado não terá ingerência neste processo, ficando tudo a cargo do concessionário.

Tendo em vista que nesta espécie de contrato o concessionário poderá auferir lucro com a exploração do bem público, a Fazenda Pública poderá instituir uma concessão onerosa, caso em que o concessionário pagará uma remuneração ao concedente, segundo o interesse da Administração[10].

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Adequando-se tais premissas ao contrato de concessão de uso de imóvel rural destinado à reforma agrária, o assentado, enquanto concessionário de uso de bem público, pode, caso assim preveja o contrato, extrair e alienar frutos e acessões do imóvel, inclusive árvores e seiva, desde que a atividade seja agrária. Não poderá praticar extrativismo mineral porque desvinculado dos fins rurais.

3.2– Enquanto detentor de título de domínio

Com a outorga do título de domínio, mesmo que possua condições resolutivas e cláusula de inalienabilidade, o parceleiro passa a ser dono desde logo. É-lhe conferida, portanto, a propriedade limitada e resolúvel.

A propriedade é plena quando se reúnem na mesma pessoa as faculdades de usar, gozar e dispor, bem como o poder de reivindicar, todos previstos no art. 1.228 do NCC. In casu, como o assentado não tem a faculdade de dispor, sua propriedade é limitada, mas isso não lhe retira a qualidade de dono. Poderá, portanto, usar e gozar como bem entender, desde que respeite a função social da propriedade e as cláusulas resolutivas.

Considerando a existência de disposições contratuais resolutórias, a propriedade conferida ao assentado é resolúvel, uma das espécies de domínio, sendo tratada no Livro III, Título II, do Código Civil, na parte atinente ao direito de propriedade. Diz-se que a propriedade é resolúvel quando o título de aquisição está subordinado a uma condição resolutiva ou ao advento de um termo[11]. Embora exista a possibilidade de futura resolução da propriedade, o beneficiário é o legítimo proprietário do lote rural.

Nos termos dos artigos 1.229 e 1.248, inc. V, do CC/02, a propriedade abrange o solo, o subsolo, o espaço aéreo e as acessões artificiais, dentre as quais se incluem as plantações de quaisquer espécies.

Desta forma, pode-se concluir que uma vez concedido o título de domínio o assentado passa a ser proprietário do imóvel rural em sua totalidade, passando a incidir, a partir daí, a autonomia privada na administração do bem particular. Caberá ao Estado auxiliá-lo nesta administração, mas não poderá, de forma alguma, impor o modo de gerenciamento do patrimônio alheio.

Conclui-se, então, que o assentado detentor de título de domínio poderá desenvolver, livremente, a atividade agrária.


4– A exploração da parcela rural mediante extrativismo

Como exposto ao norte, o beneficiário pode explorar o imóvel recebido na reforma agrária, devendo desenvolver uma atividade agrária produtiva (Lei 8.629/93, art. 16 e 21). A partir da lição e exemplos do profº. GURSEN DE MIRANDA, o exercício da atividade agrária pode ser classificado em: a) típico; b) acessório; e c) conexo[12].

Atividade típica é aquela que se desenvolve com a manipulação dos recursos naturais, valendo-se da participação ativa da natureza. Ex.: agricultura, silvicultura (reflorestamento), pecuária e hortigranjeira.

A acessória consiste na exploração do meio ambiente, sem que haja orientação humana do processo agrobiológico. Ex.: extrativismo de produtos vegetais, tais como castanha-do-pará, açaí, eucalipto, jacarandá e demais árvores produtoras de madeira, resinas, óleos, gomas e ceras. Envolve ainda o extrativismo animal (caça e pesca).

Conexa é aquela desenvolvida pelo próprio trabalhador rural para a manufatura da produção agrária. Ex.: conservação, transformação, armazenagem, secagem, moagem, etc.

Conforme leciona o d. agrarista multicitado, "o titular da posse agrária pode desenvolver qualquer tipo de atividade agrária, porém, somente será titular da posse agrária quando sua atividade principal for a atividade agrária produtiva, ou seja, quando exerça agricultura, a silvicultura, a hortigranjearia, a pecuária ou o extrativismo agrário"[13].

Não é outra a compreensão de FERNANDO PEREIRA SODERO, que afirma: "a expressão ‘atividade rural’ compreende, além da posse e uso da terra, a sua exploração em qualquer das várias modalidades, quer agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa"[14].

A profª GISELDA HIRONAKA, como sói ocorrer, demonstra com clareza os contornos da atividade agrária em nosso país, in literis:

"As dimensões do nosso território nacional permitem o surgimento de uma gama de situações, todas com características próprias, diversas entre si, em que sugerem, consequentemente, um tratamento doutrinário e legislativo especial, flexível, dotado de tal elasticidade que possa contemplar todas e cada uma das circunstâncias mencionadas.

O ponto de maior desacordo observado entre a posição da doutrina dos demais países e sua aplicação à situação peculiar brasileira é, sem dúvida, o que se refere à análise do extrativismo e à conclusão de que esta atividade deve ter seu lugar garantido no quadro classificatório das atividades ditas agrárias".

(...)

"Quando se examina a classificação das atividades proposta por Vivanco, mestre argentino em cujo país ainda é possível contemplar o exercício da atividade extrativa, verifica-se que ele a inclui entre as atividades agrárias acesórias.

Os autores, não europeus, que contemplaram, como ele, a atividade extrativa no exame da classificação das atividades agrárias, seguiram-lhe a linha de pensamento e optaram por também enquadra-la entre as acessórias.

Tais atividades, como o próprio nome indica, são desenvolvidas pelo rurícola num caráter secundário em relação à atividade produtiva principal. Mas, no Brasil, no caso particular do extrator do látex – para citar apenas um exemplo dentre outros – tal classificação não se adapta, pois a situação é diversa. Nesse exemplo, portanto, com facilidade se observa que a atividade extrativa ocupa o lugar da atividade principal desempenhada, apresentando-se como atividade acessória qualquer outra exercida pelo extrator como complemento daquela. Assim, se ele planta uma pequena roça ou se cria algumas aves para sua própria subsistência, esta atividade produtiva estará ocupando um lugar secundário, em relação à ocupação principal, que é a extrativa"[15].

(...)

"Desta forma, podemos concluir que, no Brasil, a atividade extrativa poderá figurar, no quadro classificatório das atividades agrárias, ora como atividade acessória, ora como atividade principal, de acordo com o grau de projeção que ela possua sobre as demais atividades desenvolvidas num determinado imóvel rural"[16].

(...)

"Se o homem substituiu a natureza, com seu próprio labor, a ponto de dominar a gênese do recurso tradicionalmente visto como florestal, neste caso existe o exercício de um cultivo de bem florestal, e essa exploração florestal é da espécie silvicultura. Mas se o homem ainda está submetido à força inicial da natureza, buscando os recursos gerados pela terra em meio da floresta, sem qualquer participação em tal afloramento, nesta hipótese a respectiva utilização dos mesmos consubstancia o agro-extrativismo florestal, ou a exploração florestal extrativista"[17].

A seu turno, o Estatuto da Terra prevê em seu art. 24, III, que a distribuição de terras na reforma agrária pode destinar-se à formação de glebas direcionadas à exploração extrativa, verbis:

Art. 24. As terras desapropriadas para os fins da Reforma Agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, respeitada a ocupação de terras devolutas federais manifestada em cultura efetiva e moradia habitual, só poderão ser distribuídas:

III - para a formação de glebas destinadas à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, por associações de agricultores organizadas sob regime cooperativo;

A citada norma estabelece ainda que o órgão federal responsável pela reforma agrária deverá prestar assistência técnica nos assentamento visando transmitir conhecimentos, técnicas, métodos e práticas extrativistas (art. 73 e 75).

Ao tratar do cooperativismo rural a mesma Lei 4.504/64 afirma no art. 79, §10, que todas as disposições daquela seção aplicam-se, no que couber, às demais cooperativas, inclusive às destinadas à atividade extrativa.

Em adição a tudo isto, é oportuno citar que o Código Florestal em seu art. 37-A, §6º (inserido pela MP 2166-67/01) prevê a possibilidade de implantação de projeto de assentamento agro-extrativista.

Assim, pode-se concluir que na parcela recebida o assentado da reforma agrária deve desenvolver, pessoalmente, uma atividade agrária produtiva, seja típica, acessória ou conexa. Poderá, então, desenvolver a agricultura, a silvicultura, o extrativismo vegetal, a secagem, moagem e/ou manufatura, dentre outras. Como dito ao norte, o extrativismo vegetal abrange tanto a coleta de seiva, quanto a extração de madeira mediante corte raso ou manejo florestal.

Ante isto, nota-se a existência de autorização legislativa ao desempenho do extrativismo pelos próprios assentados, ao passo que tal atividade é plenamente compatível com os institutos da concessão de uso e da outorga de domínio.

A partir desta noção, entende-se também que a alienação da madeira extraída não necessitará de licitação, pois a exploração será feita diretamente pelos parceleiros.

Ainda que fosse a autarquia a alienante da madeira/seiva (o que não é, pois caberá ao assentado efetuar as vendas como titular do direito de concessão ou do domínio), deveria ser aplicado o princípio de que o acessório acompanha a sorte do principal. Como visto, para que o INCRA efetue a distribuição de terras para fins de reforma agrária, seja por alienação ou concessão, não é necessária licitação em razão de não constar tal exigência no art. 189 da Carta Magna, nem na Lei 8.629/93. Se para alienar o imóvel não é necessária a licitação, a venda de suas acessões também não demandaria o processo concorrencial.

Não resta dúvida que, de fato, enquanto vigente o contrato de concessão de uso o INCRA é proprietário do imóvel, de modo que o solo e suas acessões são bens públicos. Contudo, se a alienação da madeira dependesse de licitação, a venda da soja também a exigiria, e a mesma sorte seguiria a venda do arroz, da mandioca, do milho, do alface, da cenoura, do tomate, da cana-de-açúcar, etc., pois todos são acessões e seguem o mesmo regime jurídico. Pode-se, então, chegar ao extremo de afirmar que o capim existente no imóvel, transformado em farelo, somente pode ser alienado mediante licitação! Data máxima vênia, não se crê ser esta a melhor interpretação do direito.

Uma vez outorgado o título de domínio cessam quaisquer discussões, pois o assentado passará à categoria de proprietário, cabendo-lhe definir qual e como será a exploração do imóvel.

Obviamente, em qualquer das situações jurídicas em que se encontre o assentado (concessionário ou proprietário) deverá ser observada a legislação ambiental quanto aos requisitos necessários à exploração dos recursos naturais, principalmente o licenciamento ambiental.

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Sobre o autor
Daniel Leite da Silva

procurador federal, coordenador de processos agrários da Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário, ex-procurador do IBAMA e do INCRA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Leite. O regime jurídico do assentado pela reforma agrária e o extrativismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1588, 6 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10619. Acesso em: 26 dez. 2024.

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