Sumário: 1. Considerações iniciais 2. Evolução histórica do processo penal no Brasil 3. Sistemas processuais 3.1. Inquisitivo 3.2. Acusatório 3.3. Misto 4. Sistema processual adotado no direito pátrio 5. Princípio da correlação entre acusação e sentença 6. Mutatio libelli 7. Conclusões 8. Notas 9. Bibliografia.
1. Considerações iniciais
Na última metade deste século, ocorreram profundas transformações no cenário político ocidental, tanto no âmbito interno, como no internacional, repercutindo a nova onda de valores na forma de operacionalizar o sistema persecutório penal.
Após a inclinação inquisitorial verificada nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, tendo como expressão maior o Código Rocco italiano, com suas conseqüentes influências sobre nossa legislação processual em vigor, o modelo inquisitório perde definitivamente espaço para o sistema acusatório, no qual há nítida separação das funções entre julgar, acusar e defender, além de retirar o acusado da condição de objeto do processo penal para alçá-lo a sujeito de direitos na relação processual.
A Constituição de 1988, ao atribuir ao Ministério Público a exclusividade de exercício da ação penal pública, consagrou a concepção publicista que hoje domina o Direito Processual Penal.
Através do Ministério Público, o Estado assumiu a titularidade da persecutio criminis in judicio, sem precisar comprometer a neutralidade judicial.
No entanto, passados quase doze anos da promulgação da Lei Maior, sem nenhum reflexo do seu texto, juízes e tribunais permanecem aplicando o caput do art. 384, do Código de Processo Penal, que trata da mutatio libelli mudança da imputação - conforme sua redação original.
Neste breve ensaio, iremos discorrer sobre a recepção ou derrogação do supra citado artigo, face ao sistema acusatório contido no art. 129, inciso I, da Constituição Federal, através do estudo da evolução histórica do processo penal no Brasil, dos sistemas processuais utilizados ao longo do tempo, assim como, de vários princípios processuais, alguns encartados, inclusive, na Carta Magna.
2. Evolução histórica do processo penal no Brasil
Os primeiros processos criminais no Brasil eram iniciados por "querelas" delações de crimes feitas em juízo por particulares, no seu ou no interesse público e por "denúncias" feitas nos casos de "devassas". As "devassas" e o processo se faziam sem a presença do acusado. Vigia à época as Ordenações Manoelinas.
Posteriormente, entrou em vigor o Código de D. Sebastião, de curta aplicação, tendo em vista o reinado de Felipe II, de Castela, em 1580, sobre Portugal. Em 1603, foram promulgadas as Ordenações Filipinas legislação que refletia ainda o direito medieval -, só substituídas, após a Independência do Brasil, pelo Código de Processo Criminal do Império, em 1832.
Podemos citar como os primeiros tribunais criados no Brasil:
- o Tribunal de Relações, em 1609, na Bahia, que se destinava a julgar os recursos das decisões dos Ouvidores Gerais, os quais conheciam das apelações interpostas às sentenças proferidas pelos Ouvidores das Capitanias e dos juízes ordinários;
- o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro, em 1751, com competência semelhante ao da Bahia, mais tarde elevado à categoria de Casa da Suplicação, constituindo o Superior Tribunal de Justiça;;
- o Supremo Conselho Militar e da Justiça, coincidindo com a vinda de D. João VI, além do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordem.
Após a proclamação da Independência, continuou a vigorar as normas editadas pelos reis de Portugal até que fossem editadas novas disposições legais.
A organização básica do Poder Judiciário foi concedida pela Constituição de 1824 com a edição do Código de Processo Criminal em 29.11.1832, abolindo as "devassas" e as "querelas", que assumiram novas formas, agora com o nome de "queixas". As denúncias podiam ser oferecidas pelo Promotor Público ou por qualquer do povo, sendo possível o procedimento ex officio em todos os casos de denúncia. Como regra geral, a competência para o julgamento era centrada no Júri, estando excluídas as contravenções e os crimes menos graves.
Com a promulgação da República e a Constituição de 1891, os Estados passaram a ter suas próprias constituições e leis, inclusive as de caráter processual, no entanto poucos se utilizaram dessa faculdade de legislar.
A legislação processual penal foi unificada com a Carta de 1934 e, com o advento da Carta Constitucional de 1937, providenciou-se a promulgação do atual Código de Processo Penal Decreto-lei n. 3.689/41 - que entrou em vigor em 01.01.42, tendo sido bastante influenciado pelo Código Rocco italiano.
O novo Código manteve o inquérito policial e o procedimento escrito, instalou a instrução contraditória e a separação das funções julgadora e acusatória, restringiu a competência do júri e eliminou, quase por completo, o procedimento de ofício.
A Constituição de 1988 pôs fim aos últimos procedimentos ex officio, ao dispor em seu art. 129, inciso I, que é função institucional do Ministério Público "promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei" (grifos nossos), e o art. 5º, inciso LIX, ao permitir "ação privada, se esta não for intentada no prazo legal".
Com a afirmação da exclusiva titularidade do Ministério Público para o exercício da ação penal pública, ficaram revogados os preceitos que autorizavam a instauração do processo por portaria ou auto de prisão em flagrante (contravenções arts. 531 a 538, do Código de Processo Penal; homicídios e lesões corporais, cuja autoria fosse conhecida no prazo de quinze dias Lei n. 4.611/65) e, também, os que possibilitavam aos agentes de outros órgãos públicos, diversos do Parquet, o oferecimento da acusação, como era o caso da Lei n. 4.771/65, que dispõe sobre crimes e contravenções florestais.
3. Sistemas processuais
Segundo as formas com que se apresentam e os princípios que os informam, são três os sistemas processuais utilizados na evolução histórica do direito, quais sejam, o inquisitivo, o acusatório e o misto.
3.1. Inquisitivo
"Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do Século XV diante da influência do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa."(1)
No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva de administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade.
Compunham-se de três fases: a primeira, das informações; a segunda, da instrução preparatória; e, a última, do julgamento.
O procedimento inquisitorial tinha caráter secreto e sigiloso, sempre escrito, não jungido ao contraditório e reunia na mesma pessoa as funções de acusar e julgar, e, às vezes, até mesmo, defender.
O réu, nesse sistema, é visto como mero objeto de persecução, motivo pelo qual, práticas como a tortura eram freqüentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe ou rainha das provas: a confissão.
3.2. Acusatório
"O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma, instalado com fundamento na acusação oficial, embora se permitisse, excepcionalmente, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de qualquer do povo." (2)
Tal sistema floresceu na Inglaterra e na França, após a Revolução de 1789, sendo hoje adotado na maioria dos países americanos e em muitos da Europa.
Historicamente, o que caracteriza o processo acusatório é a rígida separação entre o juiz e acusador, a imparcialidade, a ampla defesa, o contraditório e, em decorrência, a paridade entre a acusação e a defesa, a publicidade e a oralidade dos atos processuais, entre outros.
Luiz Flávio Gomes(3), citando o italiano Luigi Ferrajoli, considerado um dos maiores defensores do garantismo, enfatiza que se pode chamar acusatório "todo sistema processual que configura o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o processo como iniciativa da acusação, a quem compete provar o alegado, garantindo-se o contraditório(...) podemos, ao contrário, chamar inquisitório o processo em que o juiz procede de ofício na busca de provas, atuando em segredo e por escrito, com exclusão de qualquer contraditório ou limitação deste. Em suma: é acusatório o modelo que respeita a proibição do ne procedat iudex ex officio".
Da análise dessas principais características, nota-se a tendência garantista do modelo acusatório, enquanto o inquisitório aproxima-se do autoritarismo e da eficiência repressiva.
3.3 Misto
No sistema misto, ou acusatório formal, há uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do sistema acusatório.
Surgiu após a Revolução Francesa com a introdução, em 1808, do Code dInstruction Criminelle, seguindo-lhes as pegadas quase todas as legislações da Europa Continental, daquele mesmo século.
Fernando da Costa Tourinho Filho(4) informa que, dada a tendência liberal à época, o sistema misto começou a sofrer sérias modificações, "e realmente, na própria França, a Lei Constans, de 8-12-1897, assegurava ao acusado o direito de defesa no curso da instrução preparatória. Antes mesmo daquela lei francesa, outros Códigos europeus, como o austríaco, o alemão e o norueguês, já haviam sido atingidos pela corrente liberal."
Entretanto, a França, deixando-se levar por tendências autoritárias, restaurou o processo de tipo misto desde 1935, à semelhança do que ocorreu, também, em vários países europeus e até mesmo na América latina, como foi o caso da Venezuela.
4. Sistema processual adotado no direito pátrio
A Constituição Federal assegura o sistema acusatório no processo penal, haja vista que:
- as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais incumbem às polícias civis e à polícia federal, e inclusive à militar, no que diz respeito aos crimes militares art. 144 e §§;
- estabelece o contraditório e a ampla defesa, com o meio e recursos a ela inerentes art. 5º, inciso LV;
- a ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público art. 129, I, embora seja assegurado ao ofendido o direito à ação penal privada subsidiária da pública art. 5º, LIX;
- a função de julgar está afeta a juízes constitucionalmente investidos arts. 5º, LIII e 92;
- assevera a motivação das decisões judiciais art. 93, IX, e a publicidade dos atos processuais, podendo a lei restringi-la apenas quando a defesa da intimidade ou o interesse público o exigirem art. 5º, LX.
Às partes é garantida, ainda, uma gama de recursos na legislação infraconstitucional. Alguns são exclusivos da defesa, como o protesto por novo júri e revisão criminal.
Como bem disse Afrânio Silva Jardim(5): "é certo que o atual Código de Processo Penal ainda consagra alguns resquícios do inquisitorialismo, consoante se pode constatar do exame dos arts. 5º, inc. II, 13, inc. III, 26, 10, § 3º, 531 e outros. Entretanto, a provável legislação processual penal varrerá de nossa ordem jurídica tais indesejáveis dispositivos, preservando o juiz dessas funções anômalas, porque persecutórias. Aliás, melhor seria que a própria Constituição da República, ainda que a nível de princípio, dispusesse no sentido de vincular o legislador ordinário à forma acusatória do processo penal brasileiro."
As disposições dos arts. 26 e 531 do CPP, acima referidas, encontram-se revogadas pelo texto constitucional, como dissemos anteriormente.
Com efeito, restam no processo penal brasileiro, nos dias atuais, poucas reminiscências do sistema inquisitório, afora as supra citadas, podemos lembrar, por exemplo, o recurso ex officio se bem que ponderáveis opiniões já sustentam sua extinção e a possibilidade de o juiz determinar prova ex officio art. 156, do Código de Processo Penal.
Sendo assim, o modelo adotado não se trata do acusatório puro, mas é inegável que se aproximou do ideal.
5. Princípio da correlação entre acusação e sentença
O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado de congruência da condenação com a imputação, ou, ainda, da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, liga-se ao princípio da inércia da jurisdição, todos corolários lógicos do sistema processual acusatório adotado por nosso ordenamento jurídico.
Conforme ensinamentos de Tourinho Filho(6), "iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os contornos da res in judicio deducta, de sorte que o Juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Daí se segue que ao Juiz não se permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e no limite das exceções deduzidas pelo réu. Quer dizer então que, do princípio do ne procedat judex ex officio, ou, como dizem os alemães, do princípio Wo kein Ankläger ist, Da ist auch kein Richter (onde não há acusador não há juiz) decorre uma regra muito importante, de aplicação tanto no cível como no penal: ne iudex ultra petita partium, isto é, o Juiz não pode dar mais do que foi pedido, não pode decidir sobre o que não foi solicitado".
Dessa forma, a sentença deve guardar plena consonância plena correlação com o fato delituoso descrito na acusação, estando vedados, pois, os julgamentos ultra e extra petita, sob pena de violação na separação orgânica entre órgão acusador e o órgão julgador.
Convém lembrar que a defesa do acusado se baseia nos fatos imputados, e são tais fatos que efetivamente vincula o juiz criminal, definindo a extensão do provimento jurisdicional.
6. Mutatio libelli
Pode acontecer que no decorrer da instrução processual surjam provas indicativas da existência de elementos essenciais não contidos, expressa ou implicitamente, na acusação denúncia ou queixa.
Se deve haver correlação entre sentença e fato contestado, e se este é o descrito na peça acusatória, é evidente que com a nova capitulação, não pode o juiz proferir sentença sem que se tomem certas providências.
O art. 384, do Código de Processo Penal, assim dispõe:
"Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de 3 (três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas."
Como dito no início deste trabalho, nosso objeto de estudo restringe-se à mutatio libelli sem aditamento, ou seja, a disposição contida no caput, do supracitado artigo, razão pela qual não iremos abordar a outra modalidade de mudança da imputação mutatio libelli com aditamento.
Vimos que o processo penal brasileiro adota o sistema acusatório, onde há nítida separação entre o Estado-juiz e o Estado-acusador, não podendo o juiz proceder de ofício, e, em decorrência disto, deve haver perfeita consonância entre a imputação deduzida da denúncia ou queixa e a sentença, sob pena de violação ao princípio ne iudex ultra petita partium.
Será que tais princípios estão sendo observados pelo disposto no caput do art. 384, do Código de Processo Penal? Deixa de haver alteração da imputação fática só porque será aplicada pena menos grave ao acusado?
Pensamos que não. O procedimento deste dispositivo legal é um resquício do procedimento de ofício, totalmente indesejável num sistema acusatório.
Se o acusado, por exemplo, é denunciado pela prática, em tese, de crime de estelionato, e, o juiz, após a providência encartada no caput, do art. 384 do Código de Processo Penal, condena-o por apropriação indébita, perante a diversidade fática entre estes crimes, tal magistrado assume claramente a posição de órgão acusador, age como se fosse o dominus litis da ação, visto que modificou, de ofício, a imputação dos fatos trazidos na acusação, não importando, pois, o quantum da pena aplicada.
Sendo assim, a sentença condenatória, em que há mutatio libelli sem aditamento, afronta os princípios da separação de poderes, da inércia da jurisdição, da exclusividade do Ministério Público na promoção da ação penal pública, da imparcialidade, da congruência entre acusação e sentença, do contraditório, entre tantos outros.
Jaques de Camargo Penteado(7) defende que a nova ordem constitucional revogou o art. 384 e seu parágrafo único, impedindo a baixa dos autos pelo juízo inovando a acusação ou a convocação do autor para suprir narrativa e pedido, alegando:
"Primeiramente, esta regra afeta a inércia do julgador e, a seguir, fazendo-o parte, modula seu ato de forma similar à denúncia. Começando por outorgar iniciativa acusatória ao que deveria constitucionalmente permanecer inerte, termina por exigir de seu movimento as mesmas características formais da denúncia. Em nome da defesa social aproxima o juiz do acusador como o faz ao lhe ensejar iniciativa do procedimento sumário (art. 531 do CPP revogado pela Constituição da República, RT 638/314). Praticamente, julga com antecipação, motivado que está ao acolhimento da matéria que espontaneamente levantou nos autos. Falta de denúncia, acusa para condenar ou convoca o acusador a delatar para acolher pretensão que ajudou a criar. É parte não julgador."
Concordamos que esta regra afeta a inércia do julgador e aproxima o juiz do acusador, no entanto o juiz ao proceder de acordo com o disposto no dispositivo legal em comento, não antecipa seu julgamento.
Com efeito, a manifestação judicial deve ser singela, sem aprofundamento, sem avaliação prévia, mencionando somente quais são as circunstâncias surgidas durante a instrução processual que poderão alterar a definição jurídica do fato. Adotada tal providência, o acusado poderá ser condenado tanto pela imputação inicial, que subsiste, como pelo fato diverso referido na manifestação judicial.
Ainda em relação à mutatio libelli sem aditamento, eis o posicionamento de Afranio Silva Jardim(8):
"Verdade que o legislador abriu a indesejável exceção prevista no caput do art. 384 do Código de Processo Penal. Entretanto, tal norma é de duvidosa constitucionalidade, sendo certo que, por ser de direito estrito, não deve ser interpretada extensivamente ou aplicada por analogia."
Malgrado as respeitáveis opiniões acima descritas, a solução mais adequada ao sistema processual penal pátrio será o entendimento de que o dispositivo em comento é inconstitucional?
A jurisdição tem como um de seus escopos a pacificação social, e o Estado, ao tomar para si o monopólio da função jurisdicional, passou a ter o poder-dever de pacificar os conflitos de interesses. E qual seria o conflito de interesses no processo penal?
A processualista Ada Pellegrini Grinover(9) afirma que "da violação efetiva ou aparente da norma penal nasce a pretensão punitiva do Estado, que se opõe à pretensão do indigitado infrator à liberdade". E continua dizendo que o processo penal "é um processo de partes, em que existe lide e através do qual a jurisdição se opera; lide entre o Estado e o réu, com a pretensão punitiva de um lado e a pretensão à liberdade de outro."
É fundamental a identificação do fato imputado ao réu, uma vez que tal causa petendi será a base para a definição da coisa julgada, que no processo penal corresponde ao evento naturalístico trazido à apreciação judicial.
Valendo-se ainda como exemplo da denúncia pela prática do crime de estelionato, na hipótese de, concluída a instrução processual, o conjunto probatório demonstrar, ao contrário da acusação, a prática do crime de apropriação indébita, se acaso entendermos pela inconstitucionalidade do art. 384, do Código de Processo Penal, não restará outra alternativa ao juiz senão a absolvição do acusado.
In casu, a jurisdição não terá pacificado o conflito de interesses entre a pretensão punitiva do Estado e a pretensão à liberdade do acusado, pois como vimos, pela particularidade da coisa julgada no processo penal, não poderá o Ministério Público promover nova ação penal sobre o mesmo fato.