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Protagonismo dos municípios na Reurb:

Um estudo da Lei Federal nº 13.465/2017

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26/09/2023 às 12:15

Resumo:


  • A Lei nº 13.465/2017 instituiu normas para a regularização fundiária urbana e rural, conferindo aos municípios papel central na regularização fundiária urbana (Reurb), incluindo ações jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais.

  • O processo de Reurb envolve diversas etapas, incluindo requerimento dos legitimados, processamento administrativo, elaboração do projeto de regularização fundiária, decisão da autoridade competente e registro no cartório de imóveis.

  • Críticas à Lei nº 13.465/2017 apontam para uma excessiva valorização dos aspectos econômicos em detrimento da inclusão social e qualidade ambiental, exigindo uma interpretação alinhada às normas constitucionais e ao Estatuto da Cidade para promover uma regularização fundiária que respeite a dignidade humana e o meio ambiente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Além de aprovar o projeto de regularização fundiária, cabe ao Município identificar os ocupantes de cada unidade regularizada – isto é, de cada lote constante no núcleo urbano –, declarando os respectivos direitos reais.

1.Introdução

Este artigo propõe-se a estudar a Lei nº 13.465, datada de 11 de julho de 2017, a qual trouxe uma série de novidades para o campo da regularização fundiária, além de prever maiores responsabilidades e atribuições aos Municípios em matéria de regularização fundiária urbana.

A regularização fundiária é assunto extremamente relevante, notadamente em face do crescimento desordenado das cidades, com consequências significativas na vida da população.

Assim, será feito um estudo da Lei nº 13.465/2017 a partir das diretrizes constantes na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/20010), buscando, com isso, promover o debate sobre a matéria, bem como capacitar os operadores do Direito a trabalhar com as demandas que envolvam a temática.

2. Propriedade Urbana na Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988, ao prever a distribuição de competências entre os Entes da Federação, estabelece, em seu artigo 21, inciso XX, que compete à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”. A Constituição Federal dispõe, no seu artigo 23, inciso IX, ser da competência comum de todos os Entes Federados “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

Em matéria de política urbana, porém, é indiscutível que o Município possui papel de destaque, constando entre suas competências constitucionais o ordenamento territorial, por meio de políticas urbanas voltadas ao planejamento da ocupação do território urbano, consoante o artigo 30, inciso VIII, da Constituição Federal. Ademais, a atual Constituição Brasileira contempla capítulo específico para a política urbana, estabelecendo, no seu artigo 182, caput, que:

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (Grifo nosso).

Nos termos da norma constitucional, o plano diretor municipal “é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (artigo 182, parágrafo 1º, da Constituição Federal). Ademais, o texto da Constituição de 1988 assegura o direito à propriedade, mas esta deve atender a sua função social que, no caso da propriedade urbana, restará concretizada quando atendidas as exigências constantes no plano diretor (artigos 5º, incisos XXII e XXIII, 182, parágrafo 2º, da Constituição Federal).

Não se pode esquecer, ainda, que a propriedade urbana se insere no contexto do direito social à moradia, bem como de que a dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal – passa, necessariamente, pela garantia efetiva à população de moradia adequada, na qual o saneamento básico, o direito ao transporte urbano e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, entre outros direitos, deve ser assegurado a todos.

O Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, consigna, expressamente, no artigo 2º, caput, que a “política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” e estabelece, no inciso I desse mesmo artigo, como uma das diretrizes da política urbana a garantia de cidades sustentáveis, nestes termos:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

É nesse contexto que deve ser estudada a Lei nº 13.465/2017, a qual dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana. Relativamente à regularização urbana, observa-se que, a partir da referida lei, os Municípios possuem destaque nos procedimentos da Reurb – regularização fundiária urbana – cabendo indagar, no entanto, se os Municípios Brasileiros, com suas diferentes realidades, estão preparados para desempenhar esse papel.

3. Conceitos Importantes

Antes do exame dos procedimentos estabelecidos na Lei nº 13.465/2017, é oportuno apresentar algumas definições que constam na referida lei. Primeiramente é importante dizer que a regularização fundiária urbana contempla ações de diversas ordens, não apenas jurídicas com a titulação dos que habitam a área irregular, mas também urbanísticas, ambientais e sociais. Sobre o enforque multidimensional da regularização fundiária, Ermínia Maricato e Douglas Tadashi Magami2 afirmam que:

A regularização fundiária urbana deve ser compreendida e aplicada sob um enfoque multidimensional em que devem ser considerados os aspectos jurídicos, urbanísticos, ambientais e sociais. A dimensão jurídica se refere à titulação dos ocupantes e respectivo registro. A dimensão urbanística, por sua vez, está ligada à qualidade de vida urbana, à saúde e segurança geotécnica. A dimensão ambiental preocupa-se em compatibilizar a regularização com a preservação do meio ambiente natural, mediante estudo técnico que possa assegurar essa finalidade. Por fim, a dimensão social busca permitir a participação e o protagonismo da comunidade na formulação, execução e acompanhamento do projeto.

O núcleo urbano informal - e aqui já se registra que a regularização fundiária urbana não se destina a situação isolada de uma propriedade irregular, pois visa a regularização de um núcleo urbano – será incorporado à cidade formal. Nesse sentindo, dispõe o artigo 9º da Lei nº 13.465/2017 a seguir transcrito:

Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. (Grifo nosso)

Como bem destaca Vanêsca Buzelato Prestes, a Lei nº 13.465/2017 apresenta dois comandos, a saber, a regularização do perímetro, isto é, da área em que se situa o núcleo urbano informal, assim como a titulação dos lotes daqueles habitam os referidos núcleos. Nas palavras da professora Vanêsca Buzelato Prestes3:

O conceito de REURB engloba as medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes (art. 9º). Este comando normativo dá conta de tratar-se de lei de procedimentos, a qual estabelece a forma encadeada e vinculada a ser observada, para o fim de regularizar um perímetro, bem como proceder à respectiva titulação dos lotes daqueles que dos ocupantes destes. (Grifo nosso)

A Lei nº 13.465/2017 também apresenta a definição de núcleo urbano informal e núcleo urbano informal consolidado, dispondo em seu artigo 11, incisos I, II e III, que se considera:

I - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972 , independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural;

II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;

III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;

Andreia Mara Oliveira e Ivan Carneiro Castanheiro4 explicam que

A regularização fundiária urbana (Reurb) é um conjunto de normas gerais e procedimentais que abrangem medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais, consolidados ou não, ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. Independentemente desses núcleos estarem localizados em área pública, privada, urbana, de expansão urbana ou rural, não havendo vinculação com o plano diretor ou outras leis municipais de zoneamento. Ela objetiva a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda (Regularização Fundiária Urbano de Interesse Social – Reurb-S), de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados, evitando a gentrificação dessas áreas. Também objetiva a regularização fundiária de áreas outras não ocupadas por população de baixa renda (Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico – Reurb-E). (Grifo nosso)

Já Alexandre Gaio e Laura Esmanhoto Bertol5 advertem que a regularização fundiária urbana deve ser feita com cautela, notadamente em áreas rurais com características urbanas, referindo que:

Uma primeira necessária observação é de que a Lei Federal 6.766/1979 determina que o parcelamento do solo para fins urbanos tão somente é admissível em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Em outras palavras, a eventual pretensão do parcelamento do solo de imóvel rural com fins urbanos depende da prévia inclusão da gleba respectiva no perímetro urbano e em zoneamento municipal compatível.

Em adição a isso, sob o vértice da regulação da funcionalidade dos imóveis rurais, a referida vedação é claramente corroborada a partir das previsões contidas na Lei Federal 4.504/1964 (Estatuto da Terra), na Lei Federal 5.868/1972 (Sistema Nacional do Cadastro Rural) e por Instrução Normativa 82/2015 e Nota Técnica 02/2016 emitidas pelo INCRA.

(...)

As únicas exceções que a própria Lei Federal 5.868/1972 prevê no que concerne à vedação de divisão ou desmembramento de imóvel rural em tamanho inferior ao seu módulo rural mínimo dizem respeito a programas de apoio à agricultura familiar no âmbito da reforma agrária, anexação de prédio rústico a outro imóvel lindeiro com a manutenção do módulo rural e a regularização fundiária de interesse social em favor de assentamentos ocupados predominantemente por população de baixa renda, desde que haja a inclusão da gleba em zona urbana.

(...) Nessa toada, não se pode olvidar que a implantação ou consolidação de loteamentos ou chacreamentos em desrespeito ao módulo rural traz como resultado o adensamento humano em regiões não planejadas para essa finalidade e acaba por violar a ordem urbanística e o planejamento estabelecido no Plano Diretor (e demais políticas setoriais como a de saneamento, habitação, mobilidade, defesa civil), o que inclui, exemplificativamente, o direcionamento de investimentos públicos em equipamentos públicos de educação e de saúde, e de estrutura de saneamento (água, drenagem, esgoto, resíduos sólidos), de transporte público e de implantação de vias de circulação. É de se registrar ainda a existência de vários outros problemas e consequências negativas relacionadas ao fracionamento ilegal do solo rural. (Grifo nosso)

Outros conceitos fundamentais são os de Reurb de Interesse Social (Reurb-S) e de Reurb de Interesse Específico (Reurb-E). Trata-se de modalidades da regularização fundiária urbana, as quais se diferenciam por ser a primeira aplicável aos núcleos cujas ocupações se dão predominantemente por população de baixa renda, o que não ocorre na Reurb-E. O artigo 13 da Lei nº 13.465/2017 assim define esses institutos:

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Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:

I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e

II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.

Além disso, parte da doutrina identifica outra modalidade de Reurb, qual seja, a Reurb Inominada, prevista no artigo 69 da Lei nº 13.465/2017, que assim estabelece:

As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que não possuírem registro, poderão ter a sua situação jurídica regularizada mediante o registro do parcelamento, desde que esteja implantado e integrado à cidade, podendo, para tanto, utilizar-se dos instrumentos previstos nesta Lei.

A Reurb Inominada facilita a regularização fundiária, já que não será necessário observar todo o procedimento que a seguir será estudado para que seja regularizada a situação jurídica do núcleo urbano informal, exigindo-se apenas que o solo tenha sido parcelado para finalidade urbana antes de 19 de dezembro de 1979 e que o parcelamento esteja implantado e integrado à cidade.

4. Procedimento da Reurb

O Município é o Ente Federativo responsável pelo processamento da regularização fundiária urbana – Reurb. Nesse sentido, valiosa a explicação de Vanêsca Buzelato Prestes6, a qual destaca a função cartorial do Município na Reurb:

A teor do que dispõe a Lei, há um protagonismo na atuação dos municípios, que são os entes federativos responsáveis pelo processamento da REURB, tanto para declaração da perda da propriedade tabular, quanto para a validação e registro dos direitos dos possuidores. Deste modo, os municípios passam a ter uma função cartorial, ou seja, os procedimentos adotados devem observar a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos para que seus efeitos possam ser validamente produzidos.

Assim, entre as funções do Município estão a de declaração da perda da propriedade tabular daquele que consta na matrícula do imóvel e o registro do direito dos ocupantes dos lotes.

O procedimento da Reurb é composto de diferentes fases, as quais estão assim expressas no artigo 28 da Lei 13.465/2017:

Art. 28. A Reurb obedecerá às seguintes fases:

I - requerimento dos legitimados;

II - processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes;

III - elaboração do projeto de regularização fundiária;

IV - saneamento do processo administrativo;

V - decisão da autoridade competente, mediante ato formal, ao qual se dará publicidade;

VI - expedição da CRF pelo Município; e

VII - registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado perante o oficial do cartório de registro de imóveis em que se situe a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada.

Parágrafo único. Não impedirá a Reurb, na forma estabelecida nesta Lei, a inexistência de lei municipal específica que trate de medidas ou posturas de interesse local aplicáveis a projetos de regularização fundiária urbana.

O artigo 14 Lei nº 13.465/2017 contempla o rol de legitimados para requerer o procedimento da Reurb, dispondo que:

Art. 14. Poderão requerer a Reurb:

I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta;

II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana;

III - os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores;

IV - a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes; e

V - o Ministério Público.

Uma vez realizado o requerimento por um dos legitimados, cabe ao Município decidir sobre a instauração ou não do procedimento da Reurb e, sendo caso de instauração, classificar a modalidade a ser adotada – se Reurb de Interesse Social (Reurb-S) e de Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) -, bem como processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária e, ainda, emitir a Certidão de Regularização Fundiária (artigo 30 da Lei nº 13.465/2017).

Destaca-se que a Reurb deverá ser indeferida quando não se tratar de núcleo urbano informal, ou seja, o procedimento de regularização fundiária não se presta para atender a casos individuais. Além disso, embora existam entendimentos contrários, entende-se que a Reurb deve ser aplicada a situações anteriores a vigência da Lei nº 13.465/2017. Nesse sentido, Michely Freire Fonseca Cunha7 explica que:

A legislação atinente à regularização fundiária (REURB) se aplica para situações pretéritas, ou seja, ao que já existe. Não se deve usar o procedimento de REURB para aprovação de parcelamentos do solo ou empreendimentos novos, ante a disponibilização de flexibilizações de natureza urbanística, ambiental e registral.

No mesmo sentido, Vanêsca Buzelato Prestesa8, ao tratar dos requisitos da instauração do procedimento da Reurb, explica que:

São requisitos para o deferimento da REURB: a) estar caracterizado o núcleo urbano. Isto significa que não cabe REURB para casos individuais, isolados, pois o núcleo urbano deve ser preexistente, estar implantado. Neste particular, destaca- se que os municípios podem e devem definir o que consideram núcleo urbano a ser regularizado, para os fins desta Lei; b) cumprir os requisitos quanto ao marco temporal, ou seja, o núcleo urbano a ser regularizado deve ser preexistente à Lei nº 13.465/2017; no caso de REURB-S com titulação dos lotes por meio de legitimação fundiária, o núcleo urbano deve ser anterior a dezembro de 2016 (Lei nº 13.465/2017, art. 9º, §2º); e, em área de preservação permanente, deve ser observado o disposto no Código Florestal.

Em se tratando de núcleos urbanos informais em Áreas de Preservação Permanente é possível a regularização fundiária urbana desde que o respectivo projeto inclua estudo técnico com a demonstração de melhora das condições ambientais com a aplicação das medidas preconizadas em comparação com a situação anterior. É nesse sentido o disposto nos artigos 64 e 65 do Código Florestal, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, os quais se transcrevem:

Art. 64. Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas.

§ 2º O estudo técnico mencionado no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:

I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;

II - especificação dos sistemas de saneamento básico;

III - proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações;

IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;

VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e

VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.

Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos: (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;

II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;

III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;

IV - a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;

V - a especificação da ocupação consolidada existente na área;

VI - a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;

VII - a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

VIII - a avaliação dos riscos ambientais;

IX - a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.

§ 2º Para fins da regularização ambiental prevista no caput , ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.

§ 3º Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento. (Grifo nosso)

Nos termos do artigo 30, parágrafos 2º e 3º, da Lei nº 13.465/2017, o Município terá o prazo de até 180 (cento e oitenta) dias para indeferir o requerimento ou classificar a Reurb, de modo que, ultrapassado esse prazo sem manifestação do Município, haverá “a automática fixação da modalidade de classificação da Reurb indicada pelo legitimado em seu requerimento”, podendo, porém, o Município proceder à revisão da modalidade adotada, mediante estudo técnico.

Importante ressaltar o disposto no parágrafo 4º do artigo 30 da Lei nº 13.465/2017, incluído pela Lei nº 14.620/2023, segundo o qual:

Para as terras de sua propriedade, os órgãos da administração direta e as entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ficam autorizados a instaurar, processar e aprovar a Reurb-S ou a Reurb-E e a utilizar os demais instrumentos previstos nesta Lei. (Grifo nosso)

Procedida à instauração da Reurb, deverá o Município identificar os titulares da propriedade imobiliária onde se localiza o núcleo urbano informal e notificá-los. Além de notificar os titulares de domínio, competirá ao Município a notificação dos responsáveis pela implantação do núcleo urbano informal, dos confinantes e dos demais interessados, a fim de que impugnem a Reurb instaurada em 30 (trinta) dias do recebimento da notificação, sendo a falta de impugnação interpretada como concordância com o procedimento da Reurb (artigo 31, caput, parágrafos 1º e 6º da Lei nº 13.465/2017).

O artigo 35 da Lei nº 13.465/2017 consigna os elementos essenciais que devem constar no projeto de regularização fundiária, assim estabelecendo:

Art. 35. O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo:

I - levantamento planialtimétrico e cadastral, com georreferenciamento, subscrito por profissional competente, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), que demonstrará as unidades, as construções, o sistema viário, as áreas públicas, os acidentes geográficos e os demais elementos caracterizadores do núcleo a ser regularizado;

II - planta do perímetro do núcleo urbano informal com demonstração das matrículas ou transcrições atingidas, quando for possível;

III - estudo preliminar das desconformidades e da situação jurídica, urbanística e ambiental;

IV - projeto urbanístico;

V - memoriais descritivos;

VI - proposta de soluções para questões ambientais, urbanísticas e de reassentamento dos ocupantes, quando for o caso;

VII - estudo técnico para situação de risco, quando for o caso;

VIII - estudo técnico ambiental, para os fins previstos nesta Lei, quando for o caso;

IX - cronograma físico de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas, ambientais e outras, quando houver, definidas por ocasião da aprovação do projeto de regularização fundiária; e

X - termo de compromisso a ser assinado pelos responsáveis, públicos ou privados, pelo cumprimento do cronograma físico definido no inciso IX deste artigo.

Parágrafo único. O projeto de regularização fundiária deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público, quando for o caso. (Grifo nosso)

É fundamental que a regularização fundiária prime pela dignidade dos moradores do perímetro ocupado, notadamente nos casos Reurb de Interesse Social (Reurb-S). Assim, não basta a titulação dos ocupantes dos lotes - isso, sem dúvida, é importante por lhes ensejar segurança jurídica -, porém não é o suficiente. A titulação deve ser acompanhada de condições ambientais adequadas, com investimento em infraestrutura na localidade, o que inclui programas voltados ao saneamento básico e a implantação de serviços públicos que atendam aos moradores do local – como de educação, saúde e transporte.

Com efeito, a regularização fundiária deve ser promovida à luz das normas constitucionais que asseguram os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigos 6º e 225 da Constituição Federal) e as que preveem o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (artigo 182, caput e parágrafo 2º, da Constituição Federal), bem como das normas preconizadas no Estatuto da Cidade, em especial as diretrizes previstas no artigo 2º, incisos I (garantia do direito a cidades sustentáveis), V (oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados) e XIV (regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação).

Especificamente no caso da Reurb de Interesse Social (Reurb-S), o artigo 37 da Lei nº 13.465/2017, com redação dada pela 14.620/2023, determina que compete ao Poder Público a implementação da infraestrutura, dos equipamentos comunitários e das melhorias habitacionais preconizadas nos projetos de regularização fundiária, tendo o artigo 37-A da Lei nº 13.465/2017, o qual foi incluído pela citada Lei nº 14.620/2023, autorizado a adoção do instrumento de transferência do direito de construer, previsto no artigo 35 do Estatuto da Cidade, a fim de viabilizar projetos de Reurb-S, assim constando nos referidos artigos:

Art. 37.  Na Reurb-S, caberá ao poder público competente, diretamente ou por meio da administração pública indireta, implementar a infraestrutura essencial, os equipamentos comunitários e as melhorias habitacionais previstas nos projetos de regularização, assim como arcar com os ônus de sua manutenção, podendo utilizar-se de recursos financeiros públicos e privados.      (Redação dada pela Lei nº 14.620, de 2023)

§ 1º  Os projetos e as obras de infraestrutura essencial na Reurb-S ou Reurb-E, incluindo vias de acesso, iluminação pública, solução de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais, ligações domiciliares de abastecimento de água e de energia elétrica e valores despendidos com indenizações aos antigos proprietários, poderão ser financiados com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), bem como por outras fontes de financiamento públicas, privadas ou internacionais.     (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

§ 2º  Garantida a previsão de restituição integral dos valores disponibilizados, ficam autorizados a realizar as operações financeiras para as obras de infraestrutura referidas no § 1º os órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive sociedades de economia mista, que operem na execução de política habitacional e de infraestruturas conexas.    (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

§ 3º  As garantias para as operações financeiras para as obras de infraestrutura e melhorias essenciais para a Reurb são as previstas no art. 17 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, e deverão ser incluídas na Certidão de Regularização Fundiária (CRF). (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

§ 4º  O cálculo dos valores devidos pelos beneficiários da Reurb poderá ser realizado adotando-se como critério as áreas dos imóveis regularizados, individualmente considerados.    (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

Art. 37-A. Fica autorizada a transferência do direito de construir correspondente ao potencial construtivo passível de ser utilizado em outro local, prevista no art. 35 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), para fins de viabilizar a elaboração de projetos, a indenização e a realização das obras de infraestrutura em projetos de Reurb-S.      (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

Parágrafo único. As prefeituras poderão receber imóveis para o atendimento das finalidades previstas neste artigo, oferecendo como contrapartida ao proprietário a possibilidade de transferência do potencial construtivo do bem doado ou desapropriado amigavelmente.     (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023) (Grifo nosso)

Já na Reurb de Interesse Específico (Reurb-E), o artigo 38, incisos I, II e III, e parágrafo 2º, da Lei nº 13.465/2017, estabelecem que o Município ou o Distrito Federal devem definir, quando da aprovação dos respectivos projetos, o responsável pela implantação dos sistemas viários, da infraestrutura e dos equipamentos públicos ou comunitários, bem como das medidas de mitigação e compensação urbanística e ambiental, e dos estudos técnicos, devendo os responsáveis pelas medidas de mitigação e compensação urbanística e ambiental celebrar termo de compromisso com as autoridades competentes para que seja aprovada a Reurb-E.

A autoridade competente para decidir o processamento administrativo da Reurb tem como atribuições indicar as intervenções que devem ser executadas, aprovar o projeto de regularização fundiária resultante do processo de regularização e identificar os ocupantes de cada unidade imobiliária regularizada e os respectivos direitos reais (artigo 40 da Lei nº 13.465/2017).

Percebe-se, pois, que além de aprovar o projeto de regularização fundiária, cabe ao Município identificar os ocupantes de cada unidade regularizada – isto é, de cada lote constante no núcleo urbano –, declarando os respectivos direitos reais. O artigo 15 da Lei nº 13.465/2017 prevê diversos instrumentos hábeis a implementar o direito à titulação dos ocupantes das unidades regularizadas, entre os quais a legitimação fundiária, a legitimação de posse e a usucapião.

A legitimação fundiária é um instituto novo, trazido pela Lei nº 13.465/2017, que a define como “mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb” (artigo 11, inciso VII). Ou seja, tal como a usucapião, a legitimação fundiária a propriedade do lote é reconhecida ao beneficiário estando livre de ônus. O artigo 23 da citada lei disciplina a legitimação fundiária, estabelecendo como requisito temporal para a aquisição do direito de propriedade a ocupação da unidade integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016, estando assim previsto no referido artigo:

Art. 23. A legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016. (Grifo nosso)

Diferentemente é a legitimação de posse, a qual, nos termos do artigo 11, inciso VI, da Lei nº 13.465/2017, constitui-se no:

ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse;

Observa-se que o artigo 25 da Lei nº 13.465/2017 prevê expressamente em seu em seu parágrafo 2º que a “legitimação de posse não se aplica aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público”. Ademais, o artigo 26, caput, da referida lei estabelece que:

Art. 26. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo, aquele em cujo favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão automática dele em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da Constituição Federal , independentemente de prévia provocação ou prática de ato registral.

Por fim, compete ao Município expedir a Certidão de Regularização Fundiária, o qual será encaminhado para o Registro de Imóveis para as respectivas anotações e conterá as principais informações da regularização. O artigo 41 da Lei nº 13.465/2017 contempla os elementos mínimos que devem constar na a Certidão de Regularização Fundiária, nestes termos:

Art. 41. A Certidão de Regularização Fundiária (CRF) é o ato administrativo de aprovação da regularização que deverá acompanhar o projeto aprovado e deverá conter, no mínimo:

I - o nome do núcleo urbano regularizado;

II - a localização;

III - a modalidade da regularização;

IV - as responsabilidades das obras e serviços constantes do cronograma;

V - a indicação numérica de cada unidade regularizada, quando houver;

VI - a listagem com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro, bem como o estado civil, a profissão, o número de inscrição no cadastro das pessoas físicas do Ministério da Fazenda e do registro geral da cédula de identidade e a filiação.

O Registro de Imóveis da situação do imóvel, por sua vez, efetuará o registro da Certidão de Regularização Fundiária e do projeto da regularização aprovado.

5. Considerações finais

Parte da doutrina critica o fato de a Lei Federal nº 13.465/2017 dar primazia à regularização registrária - valorizando os aspectos econômicos da medida, uma vez que promoveria a compra e venda formal desses imóveis -, em relação à inclusão social e à qualidade do meio ambiente das cidades. Segundo Debora Sotto9:

Especificamente quanto aos aspectos urbanísticos, detecta-se na Lei da Reurb uma flexibilização excessiva dos parâmetros mínimos aceitáveis de parcelamento do solo em relação ao que dispõem as normas gerais de direito urbanístico postas pela Lei Federal nº 6.766/1979, sem distinções significativas entre a Reurb-S, de baixa renda, e a Reurb-E, de interesse específico.

Para mitigar essas questões, entende-se que a Lei Federal nº 13.465/2017 deve ser interpretada em consonância com as normas constitucionais e com as diretrizes traçadas no Estatuto da Cidade.

Nesse contexto, é necessário que a regularização fundiária seja promovida de forma a implementar a segurança da posse dos ocupantes dos lotes. Assim, embora Lei Federal nº 13.465/2017 não preveja o princípio da prioridade da permanência do ocupante na área ocupada, este pode ser extraído do direito social à moradia. Nesse sentido, volta-se, novamente, às palavras de Debora Sotto10:

Diversamente da Lei Federal nº 11.977/2009, a Lei da Reurb não incluiu o direito de permanência entre os princípios orientadores da regularização fundiária. Não obstante, o direito de permanência mantém-se implicitamente como um valor a ser prestigiado nos procedimentos de regularização fundiária, como uma decorrência da previsão constitucional do direito à moradia como um direito social (CF/88, artigo 6º, caput). Assim, na Reurb-S, admite-se excepcionalmente a redução da destinação de espaços livres ao mínimo necessário à sadia qualidade de vida urbana para, em prestígio ao direito de permanência, privilegiar o acesso à moradia no próprio assentamento regularizado.

É indiscutível a importância do registro imobiliário para a segurança da posse dos ocupantes dos lotes regularizados. Entretanto, além disso, é fundamental que sejam concretizadas as normas constitucionais do direito ao transporte, à saúde, à educação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, Ermínia Maricato e Douglas Tadashi Magami11 ensinam que:

A simples regularização jurídica é importante na medida em que traz segurança emocional, econômica e tranquilidade aos moradores, mas o acesso à segurança física contra riscos de enchentes e desmoronamentos, ao endereço postal, à coleta de lixo, à água encanada, à coleta de esgotos, à iluminação pública, entre outros serviços, é indispensável à garantia da dignidade da pessoa humana. Ignorar que os assentamentos a serem regularizados impactam áreas ambientalmente frágeis tampouco pode ser ignorado na regularização. Para tanto, prevê-se que a regularização jurídica deve ser acompanhada de projetos urbanísticos e investimento público, pois essa população foi historicamente excluída dessas ações.

Diante disso, deve haver efetiva fiscalização da realização da implantação da infraestrutura indicada no Termo de Compromisso pelos órgãos de controle externo e interno da Administração Pública. Nesse sentido, Vanêsca Buzelato Prestes12 aponta:

Ainda, o procedimento criado prevê os Termos de Compromisso como requisito para regularização. Contudo, não há previsão de fiscalização do cumprimento destes. Neste sentido, considerando que a regularização fundiária integra o conteúdo da ordem urbanística definido pelo Estatuto da Cidade como direito difuso, sugerimos que esta aferição seja incorporada às atribuições do Ministério Público Estadual e das Cortes de Contas, esta última quando examinam os atos das respectivas gestões. A infraestrutura mínima nos loteamentos regularizados já foi bastante restringida nesta Lei, bem como pode ser feita ao longo do tempo, não sendo requisito prévio à CRF. Deste modo, fiscalizar a efetiva implantação da infraestrutura mínima, no tempo ajustado no Termo de Compromisso, é tarefa essencial e integra o conteúdo de ordem urbanística, motivo pelo qual o cumprimento destes precisa ser devidamente monitorado.

Observa-se, portanto, que o procedimento da regularização fundiária urbana envolve um conjunto de atos a serem observados pelo Município, o qual adquiriu protagonismo na matéria com a Lei Federal nº 13.465/2017. É fundamental, assim, que os Entes Municipais estejam preparados para o rol de atribuições que passaram a deter, bem como que os órgãos de controle interno e externo da Administração Pública acompanhe o cumprimento das obrigações assumidas nos Termos de Compromisso, a fim de que a regularização fundiária urbana, especialmente a Reurb de Interesse Social (Reurb-S), não se limite a sua dimensão jurídica.

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Sobre a autora
Deise Alda Estivalet Junges

Procuradora do Município de Canoas/RS Ex- servidora pública do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNGES, Deise Alda Estivalet. Protagonismo dos municípios na Reurb:: Um estudo da Lei Federal nº 13.465/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7391, 26 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106398. Acesso em: 22 dez. 2024.

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