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O processo penal sem lide

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24/06/1998 às 00:00
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Notas

  1. Que, segundo a melhor doutrina, na verdade foi um Congresso Constituinte, pois José Sarney, em homenagem póstuma e atendendo as intenções de Tancredo Neves, mandou proposta de emenda constitucional convocando Assembléia Nacional Constituinte, redundando na EC-26, e promulgada em 27.11.85, sendo uma convocação dos deputados e senadores para se reunirem, de forma livre e soberana, em 07.05.87, redundando, sob a presidência de Ulisses Guimarães, na CF/88, que a batizou de Constituição Cidadã.

  2. José Afonso da Silva, chega a dizer que a CF/88 "(...) abre as perpectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana", levando o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho a entender que o autor referido sustentou que o Estado Democrático de Direito significa um Estado em transição para o socialismo (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros-13ª edição, p. 121, e nota de rodapé)

  3. Cf. lição de De Plácito e Silva, Vocabulário Jurídico, V. III, Forense, p. 945

  4. "Embora, por vezes, seja o vocábulo aplicado em sentido equivalente a demanda, traz consigo o significado mais amplo: lide é a demanda já contestada ou aquela em que a luta entre as partes está travada. É a formação já do litígio, nem sempre ocorrente em toda demanda, quando o réu não vem contestar nem se opor às pretenções do autor ", por De Plácito e Silva, op.cit, p. 945

  5. Lex-JTA 151/490, citado por Theotônio Negrão, CPC, 28ª edição, Saraiva, 1997, p. 254.

  6. "No Código de Processo Civil antigo ora significava processo (art. 96), ora o mérito da causa (arts. 287, 684, IV, e 687, §2º). O novo Código de Processo Civil só usa a palavra ´lide´ para designar o mérito da causa ou seja, o objetivo principal do processo, onde se exprimem as aspirações em conflito de interesses ", Dicionário Jurídico, e Repertório Processual, 2º Vol., Editora Didática e Científica, p. 359

  7. E entenda-se jus libertatis com um pouco mais de esforço interpretativo, sendo não só o direito de liberdade, mas, o que se quer dizer, o direito de não sofrer sanção penal, de não ser punido.

  8. Princípio tão relevante que chega a mitigar o princípio da inércia jurisdicional-demanda, levando Paulo Cláudio Tovo, corretamente, a estabelecer que "tão importante é este princípio que não raro chega a obnubilar a visão dos demais e notadamente a necessidade de sua confluência. Não há dúvida de que a verdade é o que se busca em todo processo penal condenatório, ´até o desespero´, diria Eliézer Rosa, em seu Dicionário de Processo Penal .", in Estudos de Direito Processual Penal, Livraria do Advogado, 1995, p. 22.

  9. "Princípio" porque orienta todo o ordenamento jurídico, especialmente a seara criminal.

  10. "Lide Penal. Diz-se do Conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu, resultante da prática de um ato delituoso à primeira vista .", Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e de Brocardos Jurídicos, 3ª edição, 1990.

  11. Se o Estado pudesse, transformaria a presunção juris tantum do art. 5º, inc. 57, da CF/88, em presunção juris et de jure, já que não precisaria de gastança do erário na resolução dos desvios morais, éticos e legais do cidadão brasileiro.

  12. Fase sem contraditório, sem acusação, sem suspeição, sem nulidade, primando pela investigação e existente como preparação da ação, para que o Ministério Público ou o Querelante formem suas opiniões sobre o delito, pois é vedado a ação penal sem um embasamento mínimo de prova. Como disse Jaques de Camargo Penteado, in Garantia do Juiz Natural, Coleção Saber Jurídico, OM, 1997, p. 5: "Importa deixar claro que não se pode incoar a ação penal sem prova pré-constituída"

  13. "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", art. 5º, inc. XXXV, CF/88, havendo exceções, como o desforço imediato - art. 502-CC -, direito de retenção - arts. 1315. e 1279-C.C -, o direito de compensação - art. 1009, CC - e a legítima defesa - arts. 23, II e 25-CP, com a lembrança de que Vicente Greco Filho, in Questões de Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, Saraiva, 1997, p. 01, não considera a legítima defesa como uma autotutela, "porque a autotutela pressupõe a afirmação de um direito e a execução de uma pretensão, o que não ocorre no simples ato de se defender ."

  14. "Quando cada uma dessas funções é exercida pelo órgão correspondente e adeqüado, o sistema que a Justiça Penal adota é o acusatório. Mas será ele de caráter inquisitivo, quando o juiz exerce, além da função de decidir, que lhe é própria, mais uma outra das restantes, ou, na verdade, todas elas. Isto significa que no sistema inquisitivo não existe processo penal, mas tão-só procedimento de autodefesa penal do Estado", segundo o mestre José Frederico Marques, Tratado de Direito Processual Penal, 1ª ed., São Paulo, 1980, vol. 1, p. 81.

  15. Bem elaborado são alguns conceitos de sistema de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa - Básico, Ed. Nova Fronteira, 1ª edição, 3ª impressão, p. 603: "3.Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam com estrutura organizada.(...) 5.Reunião coordenada e lógica de princípios ou idéias relacionadas de modo que abranjam um campo do conhecimento. 6. Conjunto ordenado de meios de ação ou de idéias, tendente a um resultado; plano, método ."

  16. No Brasil, ainda persistem alguns resquicios de inquisitoriedade, e portanto, de duvidosa constitucionalidade, cf. se vê no próprio CPP, no seu art. 5º, II, em que o juiz poderá requisitar a abertura do Inquérito Policial, no seu art. 39, prevendo a possibilidade de representação, no crime de ação penal pública condicionada a ela, da vítima perante o juiz, e no seu art. 40, prevendo a possibilidade do juiz ou tribunal remeter ao "Parquet" as cópias e os documentos da prova de crime em autos ou papeis que conhecerem, para oferecer a denúncia, no seu art. 383, ementatio libelo, e no seu art. 384, caput, e seu parágrafo único, mudatio libelo, assim como em leis esparsas, como a Lei 9.034, de 03 de maio de 1995 - Repressão das Ações Praticadas por Organizações Criminosas -, que no seu art. 2º, II, c/c art. 3º, caput e §§, que dá ensejo ao juiz de diligenciar na investigação de dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, no caso de possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei.

  17. Não podendo ser parte do Exetutivo, como querem alguns, já que a própria Constituição Federal veda o Ministério Público de exercer consultoria e representação judicial de entidades públicas (art. 129, IX), e relembrando que o Poder Político tem como características a unidade, a indivisibilidade e a indelegabilidade, e o Ministério Público, além dessas, tem também a independência, a autonomia e a permanência, e, ademais, deve-se ter a idéia pré-concebida de que não se pode ler somente o prefácio de um livro para entender todo o conteúdo do mesmo, como se lesse somente o art. 2º da CF para entendê-la toda, e sua verdadeira intenção, expressada em suas entrelinhas, na sua alma e no seu espírito. Na verdade, a realização da Constituição só é cabível através de um Poder, que é uno, mas que originariamente foi dividido justamente para que seja cumprida as normas constitucionais, seja elas absolutas, contidas, limitadas e até programáticas e, dessa forma, aparece o Ministério Público como subdivisão para realizar o intento constitucional. Pelo fato do art. 2º do Constituição Federal do Brasil não elencar expressamente como um dos Poderes o Ministério Público, não quer dizer, simplesmente, que ele não é um deles. Ler o prefácio do livro não demonstra a profundidade do conteúdo contido no decorrer das suas idéias e, assim, também o é com a Constituição, como foi dito, pois o seu artigo 2º não pode ser interpretado gramaticalmente, verbo pro verbum, e sim sistematicamente, depois de uma análise profunda dos dispositivos que orientam o Estado brasileiro. Na verdade, o Poder é contraface do dever, e o Ministério Público tem, junto com os demais Poderes, a missão-dever de fazer valer a Constituição Brasileira, daí porque ficamos tendenciosos no sentido de acreditá-lo como Poder...

  18. Interesse não se confunde com direito, pois este é o interesse protegido pela lei, enquanto que aquele, muitas das vezes, não tem proteção legal. Cabe, a propósito, a lição de Franciso Wildo Lacerda Dantas, Jurisdição Ação (Defesa) e Processo, Dialética, 1997, p. 21: "Ora, quando se diz, no conceito supramencionado, que o interesse consiste na posição favorável à satisfação de uma necessidade, pode-se concluir que somente se concebe como interesse jurídico aquele que se encontra protegido por uma norma, daí porque se menciona ´posição favorável´(...). Embora se reconheça, na hipótese, a existência de um interesse, este não será, enquanto não tutelado pelo direito, um interesse jurídico." Assim, se alguém demonstra o interesse em matar alguém, esse interesse não será jurídico, mas se deseja matar alguém, usando moderadamente dos meios necessários, repelindo injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, estará em posição favorável, e seu interesse será um direito, pois protegido pela lei - art. 25. do Código Penal, assim como ter interesse em constranger uma mediante prisão, não sendo um interesse jurídico, mas passando à "posição favorável" estabelecida no art. 23, III, in fine, do CP - exercício regular de um direito -, caso esteja a pessoa em flagrante delito.

  19. E, para o estudo teórico proposto, cabe a desconsideração do que acontece na prática de determinados processos penais em todo o território nacional.

  20. Autodefesa é o direito de participação do réu no processo, podendo exercê-la por meio do seu interrogatório, e também presenciando a inquirição das testemunhas, influenciando para o seu melhor julgamento possível. O interrogatório no Código de Processo Penal Brasileiro está tido como meio de prova - art. 185/196, Capítulo III, do Título VII - Da Prova. No entanto, mesmo que no CPP o interrogatório está como constiuição de prova, há tendência para considerá-lo, na verdade, como defesa, e não prova, porque "É certo, por intermédio do interrogatório - rectius, das declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório -, o juiz pode tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova, mas não meio de prova: não está ordenado ad veritatem quaerendam", por Ada P. Grinover, Antônio S. Fernandes e Antônio M. G. Filho, As Nulidades do Processo Penal, RT, 6ª edição, p. 79. E mais: "A ampla defesa desdobra-se em autodefesa e defesa técnica. A primeira, também chamada defesa pessoal, é feita pelo próprio acusado quando procura justificar-se no seu interrogatório, em juízo, ou colabora com seu defensor, no curso do processo, dando-lhe informações sobre as pessoas que vão sendo ouvidas, ou ainda, sobre as demais provas que foram ou vão sendo colhidas. Sua presença pessoal e palpitante, portanto, é de suma importância.", no dizer de Paulo Cláudio Tovo, Estudos de Direito Processual Penal, Livraria do Advogado, 1995, pp. 14/15.

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  21. É o direito de silêncio, garantido não só no processo penal, como no inquérito policial, cf. art. 5º, LXIII, o que levou Ada Pelegrine Grinover, Antônio S. Fernandes e Antônio M. G. Filho, opus citado, a dizerem que "o acusado, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova. Ainda que se quisesse ver o interrogatório como meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade de o acusado não responder. A autoridade estatal não pode dispor dele, mas deve respeitar sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se. O direito ao silêncio é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado."

  22. Pessoalmente, pois se for citado por edital, o processo não poderá correr se o réu não comparecer nem constituir advogado, devendo ser suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, cf. art. 366, com redação dada pela Lei 9271/96.

  23. "A pretensão estatal decorrente do ´jus puniendi´ não se inclina, substancialmente, para condenação do réu, mas para descoberta da verdade real, a fim de que, com lastro nela, faça-se a correta aplicação da lei.", cf. Fernando de Almeida Pedroso, in Direito de Defesa, p. 32.

  24. Como induzir, instigar, ou oferecer vantagem para a testemunha depor favoravelmente ao réu.

  25. Melhor condenação também é forma de defesa, não sendo obrigado à defesa pedir a absolvição, se o pedido de condenação, mas sem agravantes, causa de aumento, qualificação etc., seja a melhor defesa, ou a única.

  26. O in dubio pro reo também tem incidência na interpretação da lei, se o intérprete não conseguir descobrir a intenção da lei depois da utilização de todos os meios interpretativos. Damásio Evangelista de Jesus, Direito Penal, V.1, pág. 37, diz, citando Asua e Alípio Silveira: "se a vontade da lei não se forma nítida, se não chegar o juiz a saber se a lei quis isso ou aquilo, ou se nem ao menos consegue determinar o que ela pretende, deverá seguir a interpretação mais favorável ao réu (desde que usados todos os meios interpretativos)"

  27. A composição civil é feita entre acusado e vítima, impedindo a indenização cível; a transação penal é feita entre acusado e o Estado, com imposição de multa ou prestação de serviços à comunidade, não impedindo a indenização cível.

  28. Vide ementa do Recurso Especial nº 13.375 - RJ, sob o registro nº 91.0015724-4: "EMENTA: RESP - RECURSO - ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO - O processo penal é complexo de relações jurídicas que tem por objeto a aplicação da lei penal. Não há partes, pedido ou lide, nos termos empregados no processo civil. Juridicamente, acusação e defesa conjugam esforços, decorrência do contraditório, e defesa ampla, para esclarecimento da verdade real. Ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal. O assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O interesse não se restrige à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público, se dá quando a sentenção absolveu o réu, ou postulado aumento da pena. A hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima, como o réu, tem direito à decisão justa. A pena, por seu turno, é a medida jurídica do dano social decorrente do crime." Da mesma forma, durante o voto, no Recurso Especial 11.722-0 - SP, sob o registro nº 91.0011496-0 SP, em que foi relator: "no processo penal não há lide, no sentido de conflito de intereses. Substancialmente, Ministério Público e réu conjugam esforços para a verificação de infração penal, com todas as suas circunstâncias ."

  29. "A palavra interesse, no particular, expressa os desejos, as exigências, os anseios, as aspirações, a cobiça, a ambição a respeito de um bem da vida. É a relação entre o homem e os bens", cf. lição de Tourinho, opus cit. p. 7.

  30. O Promotor, na verdade, deve pedir, sim, a condenação, mas se ficar provada a imputação. "Requer a citação do réu no endereço mencionado para que compareça para interrogatório e para ver-se processar e, ao final, se provada a imputação, ser condenado nas sanções preceito secundário do artigo..."

  31. Rejeição é questão meritória, quando o fato evidentemente não constituir crime - art. 43, I, CPP -, e não recebimento é questão preliminar, quando faltar alguns dos requisitos do artigo 41 e do 43, II e III. "Pode-se observar, porém, que a tipicidade é matéria de mérito (art. 386, III, do CPP), de modo que a sua ausência, reconhecida preambularmente, equivale a um julgamento antecipado da lide, precluindo, pela coisa julgada, a reapresentação do pedido .", cf. Ada P. Grinover, Antônio S. Fernandes e Antônio M. G. Filho, opus citado, p. 66.

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Sobre o autor
Bruno Cezar da Luz Pontes

analista processual do Ministério Público Federal de Goiás, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar Luz. O processo penal sem lide. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1834, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1064. Acesso em: 25 nov. 2024.

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