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A revogação da imunidade do IR sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão recebidos por pessoas com mais de 65 anos de idade

27/09/2023 às 17:40

Resumo:


  • A imunidade tributária é uma garantia constitucional que protege certas categorias de contribuintes do pagamento de tributos, como é o caso de aposentados e pensionistas com mais de 65 anos, em relação ao Imposto de Renda.

  • As leis ordinárias n. 7.713/88 e 9.250/95 e a Instrução Normativa n. 25/96 da Secretaria da Receita Federal regulamentaram a imunidade e isenção para idosos, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que a imunidade não é autoaplicável sem lei que a regulamente.

  • A Emenda Constitucional n. 20/98 revogou a imunidade tributária para maiores de 65 anos, ampliando a competência da União para tributar rendimentos pagos pela previdência social, uma decisão que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal, considerando que a norma não consagrava um direito fundamental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Nem mesmo o poder constituinte derivado poderá revogar ou restringir o alcance de quaisquer imunidades tributárias, sob pena de vulnerar valores humanos fundamentais.

Neste breve estudo, salientaremos a importância da imunidade tributária dentre os direitos e garantias constitucionais do contribuinte, em especial, a imunidade do Imposto sobre a Renda assegurada a pensionistas e aposentados, com idade superior a 65 anos.

Em 1988, foi promulgada nossa Constituição cidadã, bem como sancionada a lei ordinária federal concessiva de isenção parcial do Imposto sobre a Renda (IR), quanto aos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para reserva remunerada ou reforma, recebidos da Previdência Social por pessoas com idade superior a 65 anos. Com efeito, assim dispunha o inciso XV, do artigo 6º, da Lei nº 7.713, de 22.12.1988, abaixo transcrito:

“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte (sic) rendimentos percebidos por pessoas físicas:

[...]

XV - os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, até o valor equivalente a cinqüenta (sic) OTNs, a partir do mês em que o contribuinte completar sessenta e cinco anos de idade, sem prejuízo da dedução da parcela isenta prevista no art. 25 desta Lei;[....].” (Grifamos).

A isenção em apreço alcança apenas os rendimentos, limitados a 50 OTNs, devidos a pessoa física pelo Estado brasileiro – ou seja, sobre rendimentos pagos pela Previdência Social da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o dinheiro proveniente da arrecadação de tributos. O montante que ultrapassar esse limite sujeita-se, para o cálculo do imposto devido, à aplicação de alíquotas progressivas, verbis:

“Art. 25 O imposto será calculado observado o seguinte:

I - se o rendimento mensal for de até duzentas OTNs, será deduzida uma parcela correspondente a sessenta OTNs e sobre o saldo remanescente incidirá a alíquota de dez por cento; (Vide Decreto nº 97.793, de 30.5.1989)

II - se o rendimento mensal for superior a duzentas OTNs, será deduzida uma parcela correspondente a cento e quarenta e quatro OTNs e sobre o saldo remanescente incidirá a alíquota de vinte e cinco por cento. (Vide Decreto nº 97.793, de 30.5.1989)

Parágrafo único. O valor da OTN a ser considerado para efeito dos itens I e II é o vigente no mês em que os rendimentos forem percebidos.”

Frise-se, a hipótese de não incidência acima referida é de isenção tributária. Entrementes, por opção do Poder Constituinte Originário de 1988, assegurou-se expressamente na Carta Magna a não incidência do IR nos rendimentos de pessoa com mais de 65 anos de idade, quando sejam provenientes de pensão e aposentadoria recebidos da previdência social. Noutro giro, o que antes era “isenção”, passou a ser “imunidade” tributária, sob a condição, no entanto, de que a renda total se constitua exclusivamente de rendimentos do trabalho. Consagrou-se, nesses termos, a denominada imunidade tributária dos idosos. Transcreva-se:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:[...]

III - renda e proventos de qualquer natureza;[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso III:[...]

II - não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.” (grifamos)

Nesse passo, convém ressaltar que imunidade e isenção são hipóteses de não incidência tributária, de modo que, em tais casos, tanto a pessoa imune, quanto a pessoa isenta não estarão sujeitas ao pagamento do tributo. Apesar dessa semelhança, há grande relevância na distinção entre imunidade e isenção, levando-se em consideração o grau de proteção da respectiva regra de não incidência tributária. De fato. Conceder e revogar isenção é mera faculdade do legislador infraconstitucional, inerente ao exercício da sua competência para instituir tributo. Nesses termos, a pessoa isenta estará protegida da incidência tributária somente e enquanto estiver vigente a lei concessiva da isenção, a qual, vale gizar, é passível de ser revogada por lei de igual hierarquia normativa, a critério do ente tributante, desde que em conformidade com as diretrizes constitucionais.

A imunidade tributária, por outro lado, é uma proteção aos direitos individuais expressa e especialmente acolhida pela Lei mais importante do Brasil, cuja efetividade deve ser assegurada por toda legislação infraconstitucional. Noutras palavras, o ente tributante não tem competência para tributar pessoas que gozam de imunidade tributária. Nesse sentido se diz, didaticamente, que a imunidade é uma das “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, cuja eventual regulamentação deve ser veiculada por Lei complementar, (inc. II, do art. 146, da CF/88). Entendimento contrário, s.m.j., implicaria reconhecer que não há hierarquia entre a Carta Magna e a lei infraconstitucional e, de conseguinte, que não há relevância jurídica na distinção entre imunidade e isenção.

Registre-se, por oportuno, que a imunidade dos maiores de 65 anos de idade foi disciplinada, como se isenção fosse, pelas Leis ordinárias n. 7.713/88 e 9.250/95. E mais, a “Instrução Normativa” n. 25/96, da Secretaria da Receita Federal, fixou o valor de R$900,00, por mês, para os referidos fins. Em 1997, decidiu o Supremo Tribunal Federal,1 por maioria de votos, que não é autoaplicável o disposto no inc. II, do §2º, do art.153, da CF/88, sendo, no seu entender, pertinente ao Poder Legislativo editar lei limitadora do benefício da não incidência em apreço. Ante à ausência da referida lei regulamentadora, afastou-se, no caso sub judice, a aplicação do disposto na Instrução Normativa n. 25/96, frise-se, por falta de amparo legal.

Em 2002, a Suprema Corte2 refutou, ademais, a necessidade de Lei complementar para regulamentar a imunidade insculpida no inc. II, do §2º, do art. 153, da Lei Maior. No entanto, não analisou a arguição de inconstitucionalidade da indigitada legislação ordinária, por considerar que, em sua função de Corte de Precedentes, não lhe cabe reexaminar matéria fática para, sendo o caso, proferir julgamento diverso do proferido pelos Tribunais de origem (Súmula n. 279). Diante disso, presume-se válida a regulamentação da imunidade em apreço, efetuada por lei ordinária federal. Transcreva-se:

“[...]Subsistência da L. 7.713/88, com a redação da L. 9.250/95, para os fins de regulamentação do dispositivo constitucional: entendimento firmado pelo Supremo Tribunal no julgamento plenário do MS 22.584, Jobim, DJ 28.4., do qual não discrepa o acórdão recorrido.

2. Recurso Extraordinário: descabimento: ofensa indireta à Constituição: alegação de violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que decorreria da má aplicação da legislação ordinária, sendo, pois, insusceptível, de reexame em recurso extraordinário.”

Outrossim, vale lembrar que, logo após o advento da CF/88, ante a alegada crise fiscal do País, o Congresso Nacional aprovou o “Arcabouço Político, Social e Econômico-Financeiro da EC n. 3/93 e LC n. 77/93”, por meio do qual também se instituiu o Imposto sobre Movimentações Financeiras (IPMF) – posteriormente, exigido (1997 a 2007) sob o rótulo Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) -, observando-se parcialmente o regime jurídico constitucional tributário, porém, com a elevada missão de contribuir para o financiamento de obras e serviços de interesse social e, principalmente, para a redução do déficit público, considerado o principal responsável pela alavanca da inflação. Em 1994, na ADI n. 939, por meio da qual se impugnava aludida Emenda, o relator, no tocante às imunidades genéricas dos impostos, teve a oportunidade de assim salientar, verbis:

“De qualquer forma, a previsão, via Emenda Constitucional, de uma única provisória exceção ao princípio da imunidade, com tributação temporária com ínfima alíquota de 0,25% sobre movimentações financeiras, evidentemente, não representa tendência à abolição deste princípio, de sorte que a criticada Emenda Constitucional não descura ao disposto no art. 60, §4º, incisos I a IV, da Lei Suprema.” (grifamos)

Na ocasião, a Suprema Corte,3 por maioria de votos, decidiu que não pode ser suprimido da Lei Maior o princípio da anterioridade tributária (alínea “b”, do inc. III, do art. 150) nem as imunidades genéricas dos impostos (inc. VI, do art. 150), ventilando-se, todavia, a ideia de que nem todas as imunidades tributárias são irrevogáveis. Transcreva-se:

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“A Emenda Constitucional n. 3, de 17.2.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo segundo desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, ‘b’ e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros) [...].” (grifamos).

Saliente-se, de passagem, que o princípio da anterioridade tributária protege o virtual contribuinte do “susto” de ter sua liberdade e propriedade vulnerada, de uma hora para outra, por meio da tributação. A CF/88, por essa razão, veda a incidência de tributo no mesmo ano em que tenha sido publicada a lei que o instituiu a aumentou.

Nessa toada, foi aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, [EC 20/98], que revogou a imunidade dos idosos, ora em apreço. Ampliou-se, assim – por meio da Reforma do Texto Constitucional -, o campo reservado à União para tributar os rendimentos que são pagos pela previdência social com o dinheiro proveniente da contínua arrecadação de tributos. Deveras, a revogação da referida imunidade estende a competência da União para tributar, isentar ou revogar isenção do imposto federal sobre a renda constituída de rendimentos provenientes de pensão e aposentadoria recebidos por pessoa com mais de 65 anos de idade.

Em 2004, na esteira do precedente acima mencionado, a Suprema Corte4 manifestou-se favoravelmente a respeito da revogação da imunidade dos maiores de 65 anos de idade, em comento. Entendeu a Excelsa Corte que não houve violação de cláusula pétrea. Transcreva-se:

“IMUNIDADE. ART. 153, §2º, II DA CF/88. REVOGAÇÃO PELA EC Nº 20/98. POSSIBILIDADE.

1. Mostra-se impertinente a alegação de que a norma art. 153, §2º, II, da Constituição Federal não poderia ter sido revogada pela EC nº 20/98 por se tratar de cláusula pétrea.

2. Esta norma não consagrava direito ou garantia fundamental, apenas previa a imunidade do imposto sobre a renda a um determinado grupo social. Sua supressão do texto constitucional, portanto, não representou a cassação ou o tolhimento de um direito fundamental e, tampouco, um rompimento da ordem constitucional vigente.

3. Recurso extraordinário conhecido e improvido.” (Grifamos)

No seu voto, assim se manifestou a min. relatora, verbis:

“[...]embora seja inegável que tal imunidade representava um benefício importante para os idosos, sua finalidade não era proteger direito fundamental. Sua supressão do texto constitucional, ao contrário do que ocorreu com o afastamento do disposto no art. 150, VI, da Constituição, pela EC n. 03/93, não representou uma ameaça de rompimento da ordem constitucional vigente ou de retirada de uma garantia fundamental.” (grifamos)

De nossa parte, continuamos convencidos de que a Carta Magna, incisivamente, protege da sanha arrecadatória os rendimentos que são pagos pela previdência social às pessoas com mais de 65 anos - em decorrência de toda uma vida de trabalho - cuja remuneração já fora, a seu tempo e de diversas formas, devidamente tributada. Cabe, deste modo, ao intérprete e aplicador do Direito zelar pela máxima efetividade de seus comandos.

Deveras, considerando-se que o dinheiro proveniente da arrecadação de impostos demanda uma gestão transparente e eficiente com vistas à satisfação de despesas gerais do Estado (inc. IV, do art. 167, da CF/88), seria, de certo modo, estapafúrdia a interpretação da festejada Constituição cidadã, que admitisse a possibilidade de os “idosos” - cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho -, contribuir para o custeio de despesas com políticas públicas tendentes a amparar “pessoas idosas”, na condição de contribuintes do Imposto sobre a Renda incidente nos seus rendimentos, os quais, num ciclo vicioso, são pagos pela previdência social com o dinheiro da arrecadação de tributos. Transcreva-se:

“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.

§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”

Ancorados nessas breves considerações, a EC 20/98, a nosso sentir, violou o direito fundamental do contribuinte de somente ser tributado nos casos expressamente delimitados pela Lei das leis. E mais. Propugnamos que nem mesmo o Poder Constituinte Derivado poderá revogar ou restringir o alcance de quaisquer imunidades tributárias, uma vez que sua revogação implica vulnerar valores fundamentais para o ser humano (inc. IV, do §4º, do art. 60), sem o quais, vale frisar, não se justifica a cooperação social sob o denominado Estado Democrático de Direito.


Notas

  1. MS n. 22.584-0/MG, Pleno, rel. min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão, min. Nelson Jobim, j. 17.14.1997, p. m., DJ 24.4.2008.

  2. RE n. 331.340-1,1ªT., rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22.10.2002, p. u., DJ 14.11.2002.

  3. ADI n. 939, rel. Min Sidney Sanches, p. m., DJ 18.3.1994.

  4. RE n. 372.600-5, 2ª T., rel. min. Ellen Gracie, v.u., j. 16.12.2003, DJ 23.04.2004.

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Sobre a autora
Valéria Furlan

Professora Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, com pós-doutorado pela Universidade de Bologna/Itália.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURLAN, Valéria. A revogação da imunidade do IR sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão recebidos por pessoas com mais de 65 anos de idade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7392, 27 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106423. Acesso em: 25 dez. 2024.

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