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Advocacia Pública do Estado de São Paulo.

Procurador de Estado e Procurador de autarquia

14/11/2007 às 00:00
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A Advocacia Pública, constitucionalmente definida como uma das "funções essenciais da Justiça" (art. 131 e 132 da CF/88), atua na defesa do Estado (União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações). Integram-na advogados, sujeitos a regime próprio e ao Estatuto da OAB (§ 1° do art. 3°, da Lei Federal n° 8.906/94, que expressamente a eles se refere como sendo os integrantes das Procuradorias Geral da União e da Fazenda Nacional, Defensoria Pública, Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas entidades de administração indireta e fundacional).

Portanto, quando se fala em defesa do Estado, há que se ter em mente o Estado em sentido amplo – considerado o modelo federativo brasileiro –, abrangendo não só as Pessoas Políticas, como também as Pessoas Públicas de natureza administrativa, tais como são as Autarquias e as Fundações de Direito Público. Assim, independentemente do ente a que serve, a natureza das funções é essencialmente a mesma: defesa dos interesses públicos indisponíveis, geridos por pessoas de natureza pública, submetidas a regime jurídico de direito público. É por isso que as carreiras que compõem a advocacia pública possuem leis orgânicas específicas, distintas e destacadas do plano geral do funcionalismo público.

Historicamente, no Estado de São Paulo, as carreiras de Procurador do Estado e de Procurador de Autarquia sujeitam-se ao mesmo regime jurídico público, aplicando-se aos autárquicos os mesmos direitos e deveres, garantias e prerrogativas, proibições e impedimentos, atividade correicional e disposições atinentes à carreira de Procurador do Estado (art. 101, da Constituição do Estado, até a EC n° 19/04, cujo art. 2° acresceu o art. 11-A no ADCT [01], que traça regras de assunção dessas funções pela PGE).

No plano infraconstitucional, os Procuradores de Autarquia ainda se regem, naquilo que lhes pertine, entre outras, pelas Leis Complementares n° 93/74, 205/79, 478/86 e 724/93, pois a Lei Complementar n° 827/97, que pretendeu disciplinar a retribuição pecuniária dos integrantes da carreira de Procurador de Autarquia, foi declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 15.06.2005 [02] . Não é preciso possuir uma mente brilhante para se retirar daí a óbvia conclusão lógico-jurídica e, a partir dela, respeitar o ordenamento legal vigente, primeiro e fundamental dever do gestor público. Com isso, cessarão as incontáveis demandas em que o Estado vem, sistematicamente, sendo condenado por prática de ilegalidade contra essa categoria de seus advogados públicos. [03]

Com efeito, a jurisprudência é uniforme no sentido de reconhecer o direito dos Procuradores de Autarquia ao regime legal vigente, não só quando o Estado tentou alterá-lo por mero decreto, mas principalmente porque há identidade essencial entre as carreiras de advocacia pública na defesa do Estado. Da coletânea existente, tome-se, por exemplo, o V. Acórdão proferido em 02.05.05 pela Colenda Sétima Câmara do Egrégio Tribunal de Justiça, nos Embargos de Declaração nº 089.800-5/2-01, opostos pela Fazenda do Estado, tendo como Relator o ilustre Desembargador GUERRIERI REZENDE, mais a participação dos ilustres Desembargadores WALTER SWENSSON (Presidente) e MOACIR PERES, onde se concluiu que ... "(II) – OS PROCURADORES AUTÁRQUICOS SÃO PROCURADORES DO ESTADO, POIS A DEFESA E REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA AUTARQUIA (PESSOA JURÍDICA DE DIREITO ADMINISTRATIVO) IMPLICAM, SEMPRE, NA DEFESA DOS INTERESSES ESTATAIS. EM OUTRAS PALAVRAS, CONCLUI-SE QUE TAIS PROCURADORES, CONQUANTO NÃO SEJAM FORMAL E CONCEITUALMENTE ‘PROCURADORES DO ESTADO’, ASSIM O SÃO SUBSTANCIALMENTE E, PORTANTO, ENCONTRAM-SE EQUIPARADOS NO MESMO PLANO DE DIREITOS E GARANTIAS." e que "(III) – O PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE NÃO INIBE A EXISTÊNCIA DE LEIS PARELHAS QUE DETERMINARAM A APLICAÇÃO ‘NO QUE COUBER’ A CARREIRA DOS PROCURADORES AUTÁRQUICOS, POIS A NATUREZA DOS INTERESSES DEFENDIDOS POR ELES E PELOS PROCURADORES DO ESTADO É A MESMA, POIS AMBOS EXERCEM ATIVIDADES QUE TEM A MESMA FINALIDADE. O FATO DE SER PRESTADO PELO ORGANISMO CENTRAL DO ESTADO OU POR ENTIDADE QUE ESTE CRIOU PARA COADJUVÁ-LO, EM NADA E POR NADA INTERFERE COM SEUS VENCIMENTOS OU SEUS PROVENTOS QUE NÃO OFENDAM O PRINCÍPIO RETOR DA EQUIPARAÇÃO, POIS EXERCEM CONSTITUCIONALMENTE ATIVIDADES ISONÔMICAS.".

Razões dessa ordem levaram o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, já nos idos de 1.993, a dar provimento ao Recurso Extraordinário n° 104.252-4/SP, assentando que os Procuradores autárquicos paulistas deveriam perceber quotas correspondentes a honorários de advogado, em idênticos valores às percebidas pelos integrantes da carreira de Procurador do Estado, com fulcro no artigo 82, da Lei Complementar n° 205/79.

Na Doutrina pátria é igualmente pacífico o entendimento de que, no âmbito jurídico do serviço público, o termo "Procurador" é utilizado para designar quantos exercem a atividade jurídica – defesa judicial e extrajudicial e consultoria jurídica – dos entes federativos e de suas entidades descentralizadas, com personalidade de direito público (tais como autarquias e fundações públicas). [04]

Então, se no direito positivo – constitucional e infraconstitucional –, na jurisprudência dos nossos Tribunais e na Doutrina mais autorizada, histórica e juridicamente estão imbricadas, em face de suas funções essenciais, as atividades de advocacia pública no Estado de São Paulo, por que discriminar entre as carreiras de Procurador de Autarquia e Procurador do Estado para efeito de teto salarial, como ilegalmente se fez a partir da edição do Decreto n° 48.407/04? Que razões extrajurídicas, preconceituosas ou não, estariam ocultas aí? A imagem de um Estado de Direito, zeloso da sua Constituição e de suas leis, gerido com isenção ética, não haveria de rever seus atos, quando tais atos estão sendo reiteradamente declarados ilegais pelo Poder Judiciário? A Suprema Corte do País já não sumulou que "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;"? (Súmula 473, do STF). Interesses de ordem financeira poderiam sobrepor-se à segurança jurídica e ao Estado de Direito?

Lamentavelmente, parece ocultar-se nessas ilações extrajurídicas o motivo pelo qual o Poder Executivo, ao editar o Decreto Estadual nº 48.407, de 06.01.04, em seu artigo 1º, § 1° efetivamente estabeleceu restrição ilegal e ilegítima à regra constitucional contida no texto do artigo 37, inciso XI, da CF/88, com a redação que lhe deu a EC n° 41/03, ao não incluir os Procuradores de Autarquia na aplicação do mesmo subteto dos Desembargadores, Órgão do Ministério Público e Defensores Públicos, subteto esse que corresponde ao percentual de 90,25% dos subsídios dos Ministros do STF.

Não obstante a clareza do texto constitucional emendado (artigo 37, inciso XI, da CF/88), que mandou aplicar aos PROCURADORES públicos "in genere" o mesmo subteto aplicável aos Desembargadores, Órgão do Ministério Público e Defensores Públicos, a Administração Pública, ignorando essa regra maior, tomou os subsídios do Governador do Estado como limite de corte dos vencimentos dos Procuradores de suas próprias Autarquias!

Essa interpretação restritiva e discriminatória ao termo "Procurador", contida no Decreto 48.407/04, é tão absurda que está a negar a existência de outras carreiras organizadas de procuradores públicos, tais como a dos PROCURADORES MUNICIPAIS, PROCURADORES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, PROCURADORES DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS, PROCURADORES DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS e PROCURADORES DAS AUTARQUIAS FEDERAIS, ESTADUAIS, DISTRITAIS E MUNICIPAIS.

A clareza do texto constitucional emendado e da natureza da função procuratória pública dos Procuradores de Autarquia é tamanha que o próprio EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO já se manifestou a respeito, em várias oportunidades, como, v.g., no Agravo de Instrumento nº 404.505-5/9-00, da Comarca de São Paulo, verbis:

"... TODOS ELES SÃO PROCURADORES AUTÁRQUICOS, PÚBLICOS, PORTANTO (PARTE INICIAL DO CAPUT DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA; ARTIGO 101, JÁ CONSIDERADA A ADIN Nº. 1.434/0, E CAPUT DO ARTIGO 124, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA), DE SORTE QUE O TETO PARA ELES É O MESMO QUE O DOS DESEMBARGADORES, NÃO SE LHES APLICANDO O DECRETO PAULISTA Nº. 48.407/04.

" ... À VISTA DISSO, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL PARA CONCEDER A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PRETENDIDA NA AÇÃO (CAPUT DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL), A FIM DE QUE, NO PAGAMENTO DOS PROVENTOS DOS AGRAVANTES, NÃO SE OBSERVE O TETO PREVISTO NO DECRETO PAULISTA Nº. 48.407/04, DE 6 DE JANEIRO DE 2.004, E SEJAM ELES CREDITADOS COM OBSERVÂNCIA TÃO-SÓ DO TETO A QUE SE REFERE A PARTE FINAL DO INCISO XI DO CAPUT DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, COM REDAÇÃO QUE LHE DEU A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 41. Comunique-se" .

No mesmo sentido, o Agravo de Instrumento nº 405.383-5/8-00, também da Comarca de São Paulo, verbis:

" ... HÁ REGRA CONSTITUCIONAL A INDICAR SER APLICÁVEL AOS PROCURADORES O TETO FIXADO PARA SUBSÍDIO DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COMO SE CONCLUI DO ARTIGO 37, XI, DA CARTA MAGNA E OS AGRAVANTES SÃO PROCURADORES, COMO DEMONSTRADO COM A PETIÇÃO INICIAL.".

" ... ENTÃO, É DE SE APLICAR, RECAINDO AÍ AQUELES CRITÉRIOS DE CREDIBILIDADE E VEROSSIMILHANÇA, POIS NÃO SE PODE CONCLUIR ESTEJA O RECORRENTE SITUADO NO TÓPICO "PODER EXECUTIVO", QUE O PRÓPRIO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL OS ALOCOU NO DIRECIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.".

" ... DIANTE DO EXPOSTO, E PORQUE A PRETENSÃO TEM MESMO CUNHO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E NÃO IMPLICA ORDEM PARA PAGAMENTO, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, LIMITADA ESTA CONCESSÃO A DETERMINAR QUE A RECORRIDA CONSIDERE O TETO REMUNERATÓRIO DOS AGRAVANTES O EQUIVALENTE AO PREVISTO EM FACE DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

DECORRENTE DISSO, A RECORRIDA HAVERÁ DE ABSTER DE REDUZIR VENCIMENTOS OU PROVENTOS DOS AUTORES, RELEGADA PARA OUTRA ÉPOCA OS DEMAIS TERMOS DO PEDIDO DOS AGRAVANTES.".

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Mais recentemente (21.05.07), a 11ª Câmara do Egrégio Tribunal de Justiça proferiu acórdão na Apelação Cível n° 628.984-5-7, concedendo a segurança impetrada por André Wilson Martinelli, determinando ao DER ... "que se abstenha de, ‘quodammodo’, reduzir o total da remuneração bruta do apelante, restituindo-lhe o quanto se descontou indevidamente de seus proventos, na forma indicada no item 2° da fundamentação supra." [05]

Inúmeros outros mandados de segurança e ações ordinárias com pedido de tutela antecipada estão sendo acolhidos em Primeiro Grau de Jurisdição e fatalmente serão providos nas instâncias superiores e irão onerar moral e financeiramente o Estado, razão mais que suficiente para que o gestor público, afeito aos princípios insculpidos no artigo 37, "caput" [06], da Constituição Federal, reveja o ato gerador de tais ilegalidades, acercando-se de assessoramento isento de preconceitos extrajurídicos, incompatíveis com a impessoalidade que deve haver no trato da coisa pública.


Notas

01 - A EC n° 19, de 14.04.04, absorveu, no campo de atuação da PGE, a representação das Autarquias, inclusive as de regime especial (artigo 99, inciso I). Com essa opção político-administrativa, para o futuro, serão extintos, na vacância, os cargos de procurador de autarquia (artigo 11-A, do ADCT, da CE/89), fato que comprova a natureza essencialmente idêntica de "defesa do Estado", hoje desempenhada pelos autárquicos. Enquanto não extintos, na vacância, seus titulares detêm as mesmas prerrogativas, direitos e deveres, proibições e impedimentos, atividade correcional e tudo quanto submetem seus pares, Procuradores do Estado.

02 - Decisão proferida no julgamento de incidente suscitado na Apelação Cível nº 119.239-0/3, da 9ª Câmara de Direito Público, em Acórdão relatado pelo ilustre Desembargador Walter de Almeida Guilherme. Portanto, tal decisão plenária excluiu do ordenamento jurídico, "ab ovo", a citada Lei Complementar n° 827, pois lei contrária à lei Maior não é lei. É nula, nunca existiu e, portanto, jamais produziu efeitos de direito.

03 - Até o momento, o Estado foi condenado em mais de ...... pleitos judiciais, entre mandados de segurança individuais ou coletivos, ações ordinárias e trabalhistas, como poderá ser facilmente comprovado diretamente nos foros ou mesmo no Sindicato e Associação de classe dos Procuradores e Procuradores de Autarquia.

04 - Entre tantos de igual renome, cite-se a Professora Ana Cândida da Cunha Ferraz, especificamente debruçada sobre o tema, em parecer ofertado à Associação dos procuradores Autárquicos do Estado de são Paulo, em 03.11.04.

05 - Ap. Cív. n° 628.984-5-7, em Mandado de Segurança n° 22.382/2005, da 5ª Vara da Fazenda Pública, em que foi Relator o Eminente Desembargador RICARDO DIP, em julgamento datado de 21/05/07, com a participação dos Ilustres Desembargadores Francisco Vicente Rossi (Presidente) e Pires de Araújo e Luis Ganzerla, com votos vencedores.

06 - "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:".

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Sobre o autor
Antonio Carlos Bloes

advogado atuante no Foro da Fazenda Pública do Estado, escritório José Augusto dos Santos e Antonio Carlos Bloes - Advogados, ex-procurador de autarquia do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BLOES, Antonio Carlos. Advocacia Pública do Estado de São Paulo.: Procurador de Estado e Procurador de autarquia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1596, 14 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10650. Acesso em: 24 nov. 2024.

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