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Notas sobre a organização do Júri Popular

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A lei prescreve uma série de cautelas a fim de garantir a isenção do corpo de jurados por ocasião dos julgamentos. Nesse sentido, exige que os jurados sejam escolhidos mediante sorteio, a partir da lista geral formada pelo próprio juiz.


Alistamento

Anualmente, serão alistados pelo juiz-presidente do Júri, sob sua responsabilidade e mediante escolha por conhecimento pessoal ou informação fidedigna, 300 (trezentos) a 500 (quinhentos) jurados no Distrito Federal e nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes, e 80 (oitenta) a 300 (trezentos) nas comarcas ou nos termos de menor população. O juiz poderá requisitar às autoridades locais, associações de classe, sindicatos profissionais e repartições públicas a indicação de cidadãos que reunam as condições legais. A lista geral, publicada em novembro de cada ano, poderá ser alterada de ofício, ou em virtude de reclamação de qualquer do povo, até à publicação definitiva, na segunda quinzena de dezembro, com recurso, dentro de 20 (vinte) dias, para a superior instância, sem efeito suspensivo (art.439). Nas comarcas ou nos termos onde for necessário, organizar-se-á lista de jurados suplentes, depositando-se as cédulas em urna especial (art.441)(1).

A praxis forense tem demonstrado, com o decorrer do tempo, que nas grandes aglomerações urbanas, a maior parcela de pessoas que têm seus nomes na lista geral são funcionários públicos. Já nas pequenas, as características são assemelhadas, não obstante a incidência de um maior número de pessoas realmente do povo. Em todo caso, por não se tratar de função remunerada, tampouco que forneça subsídios ou comodidades extras aos jurados, os encargos profissionais ou familiares do cidadão acarretam sua exclusão da possibilidade de participar como jurado, daí decorrendo a perda de representantivade social do Conselho de Sentença. Resta prejudicada, portanto, uma das principais notas de destaque e de legitimidade do Júri Popular, vale dizer, a sua representatividade popular. Os principais argumentos em defesa da instituição giram em torno da idéia de que o Júri representa a sociedade e seus interesses. Entretanto, diante de tais distorções, quando somente uma determinada parcela ou algumas poucas classes sociais têm ingerência sobre o Júri, vê-se que os julgamentos poderão denotar ideologias próprias desses grupos. Quero crer que isso não se coaduna com os princípios de um Estado Democrático de Direito e, que, portanto, põe em risco a incolumidade do direito do réu a ter um julgamento justo.

De todo modo, a lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa, onde houver, ou em editais afixados à porta do edifício do tribunal, lançando-se os nomes dos alistados, com indicação das residências, em cartões iguais que, verificados com a presença do órgão do Ministério Público, ficarão guardados em urna fechada a chave sob a responsabilidade do juiz (art.440).

O sorteio dos jurados far-se-á a portas abertas, e um menor de 18 (dezoito) anos tirará da urna geral as cédulas com os nomes dos jurados, as quais serão recolhidas a outra urna, ficando a chave respectiva em poder do juiz, o que tudo será reduzido a termo pelo escrivão, em livro a esse fim destinado, com especificação dos 21 (vinte e um) sorteados (art.428). Percebe-se, nesse dispositivo, um claro sinal do conteúdo místico originalmente apresentado pela instituição do Júri Popular. Com efeito, nada justifica que seja um menor o responsável em extrair os nomes dos jurados da urna, senão a crença de que tal fato garantiria a prevalência do acaso no sorteio e a lisura do procedimento(2).

Não obstante, concluído o sorteio, o juiz mandará expedir, desde logo, o edital a que se refere o art.427 do Código de Processo Penal, dele constando o dia em que o Júri se reunirá e o convite nominal aos jurados sorteados para comparecerem, sob as penas da lei, e determinará também as diligências necessárias para intimação dos jurados, dos réus e das testemunhas. O edital será afixado à porta do edifício do tribunal e publicado pela imprensa, onde houver. Em todo caso, entender-se-á feita a intimação quando o oficial de justiça deixar cópia do mandado na residência do jurado não encontrado, salvo se este se achar fora do município (art.429).

O presidente do Tribunal do Júri, depois de ordenar, de ofício, ou a requerimento das partes, as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse à decisão da causa, marcará dia para o julgamento, determinando sejam, portanto, intimadas as partes e as testemunhas (art.425 ).

A convocação do Júri Popular far-se-á mediante edital, depois do sorteio dos 21 (vinte e um) jurados que tiverem de servir na sessão periódica (art.427). Antes do dia designado para o primeiro julgamento, será afixada na porta do edifício do tribunal a lista dos processos que devam ser julgados (art.432).

Salvo motivo de interesse público que autorize alteração na ordem do julgamento dos processos, terão preferência, sucessivamente: a) os réus presos; b) dentre os presos, os mais antigos na prisão e; c) finalmente, havendo igualdade de condições, os que tiverem sido pronunciados há mais tempo (art.431).

O Tribunal do Júri Popular, conforme adotado pela legislação pátria, vem constituído de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de 21 (vinte e um) jurados que se sortearão dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento (art.433).


Prerrogativas, funções e deveres

O serviço do júri será obrigatório, dele não podendo se afastar nenhum cidadão, salvo nos casos de excusa legítima ou por previsão legal. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 21 (vinte e um) anos, isentos os maiores de 60 (sessenta) (art.434).

Nenhum desconto será feito nos vencimentos do jurado sorteado que comparecer às sessões do Júri (art.430). Não obstante, em tempos de estagnação econômica e aumento dos indíces de desemprego, nada parece atrair um cidadão assalariado a compor um Júri Popular, diante do perigo em que incorre com o seu afastamento do posto de trabalho. De igual modo, os profissionais liberais, que não podem abdicar da labuta diária.

A recusa ao serviço do júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importará a perda dos direitos políticos (art.435). Nesse sentido, dispõe a Constituição Federal que:

          "Art.5.° omissis.

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".(3)

Os jurados serão escolhidos dentre cidadãos de notória idoneidade, a critério do juiz. Entretanto, nas grandes cidades, ocorre que nem todos os nomes – senão uma pequena parte – inseridos na lista geral correspondem a cidadãos de conhecimento pessoal do juiz, ali sendo adicionados por indicação de serventuários da Justiça, terceiros em geral, e mesmo de outras pessoas cujos nomes já se acham insertos na lista. Não há previsão de nenhum mecanismo efetivo de averiguação da idoneidade desses cidadãos, salvo as informações prestadas por órgãos públicos, em se tratando de candidatos a jurado que sejam funcionários do Estado. O viés ideológico do corpo de jurados, portanto, é uma incógnita, não se sabendo como verificar as tendências e opiniões de seus membros.

São isentos do serviço do Júri, no entanto, todas as pessoas enquadradas no art.436, a saber: o Presidente da República e os ministros de Estado; os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal e seus respectivos secretários; os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais, enquanto durarem suas reuniões; os prefeitos municipais; os magistrados e órgãos do Ministério Público; os serventuários e funcionários da justiça; o chefe, demais autoridades e funcionários da Polícia e Segurança Pública; os militares em serviço ativo; as mulheres que não exerçam função pública e provem que, em virtude de ocupações domésticas, o serviço do júri Ihes é particularmente difícil, e; por um período de 1 (um) ano, mediante requerimento, os que tiverem efetivamente exercido a função de jurado, salvo nos lugares onde tal isenção possa redundar em prejuízo do serviço normal do júri. Ainda, é prevista pelo citado artigo a dispensa do jurado quando o requererem e o juiz reconhecer a necessidade da dispensa: os médicos, os ministros de confissão religiosa, os farmacêuticos e as parteiras.

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O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, bem como preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas (art.437). Apesar de tais regalias conferidas pela lei, a função de jurado permanece como algo sem maiores atrativos para o cidadão comum. Excetuando-se o funcionário público - que, além da garantia de permanência no setor onde trabalha, goza de licença remunerada - profissionais liberais, donas-de-casa, assalariados em geral, autônomos, enfim, pessoas que carecem do esforço diário para o autosustento e de suas famílias, não encontram respaldo para abdicar de suas atribuições normais e dedicar-se exclusivamente à, como diz a lei, relevante função de jurado.

Cumpre assinalar, por fim, que nos termos do art.438, os jurados serão responsáveis criminalmente, na mesma forma em que o são os juízes de ofício, por concussão, corrupção ou prevaricação (arts. 316, 317, §§ 1º e 2º, e 319, do Código Penal).


NOTAS

          1. O anteprojeto existente que objetiva a alteração de diversos dispositivos referentes ao Tribunal do Júri demonstra preocupação, como assinala o professor WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR, com a renovação da lista geral dos jurados, deixando expresso que ‘nenhum jurado poderá permanecer na lista por mais de dois anos consecutivos’, o que levará o Presidente do Tribunal do Júri a uma renovação periódica dos alistados, mas poderá trazer dificuldades, em determinados locais, à formação da lista. Seria mais razoável, acredita o autor, se a proibição recaísse nos alistados que viessem a participar de algum julgamento e não de todos, como parece ( cf. SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da, in op.cit. p.403)

          2. O anteprojeto prevê uma série de alterações com relação ao sorteio dos jurados, ampliando de um modo geral a participação das partes, ao garantir que ele só será realizado depois de organizada a pauta de julgamento, intimando-se, para esse fim, tanto o representante do Ministério Público quanto os defensores dos acusados que serão julgados ao longo da concretização da pauta. De igual sorte, não mais será necessário que um menor retire as cédulas. O número de jurados sorteados, que atualmente se conta em 21 (vinte e um), passará para 35 (trinta e cinco), segundo o mesmo anteprojeto. A inovação mais acentuada, contudo, conforme observa o professor WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR, é que no ato convocatório dos jurados, a ser realizado pelo correio, deverão ser encaminhadas cópias da pronúncia e do relatório. Procura-se, com isso, munir os jurados de peças importantes para o processo, para situá-los melhor sobre os casos que irão julgar. Com essa determinação, o relatório do juiz, sobre o processo a ser submetido a julgamento, não mais deverá ser feito em plenário, mas antes dele (cf. SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da, in op.cit. p.403/403).

          3. Complementa a Carta Magna, ainda, dispondo que é vedada a cassação de direitos políticos, que só se dará, entre outros, nos casos de recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa (art.15, inciso IV)


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, Campus, Rio de Janeiro, 1992.

          BORENSZTAJN, David. A busca da verdade no Tribunal do Júri, RT 618, abril de 1987, pp.420/423.

          CAVALCANTE, Francisco Bezerra. O Procedimento processual penal na prática – doutrina e jurisprudência, Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Fortaleza, 1999.

          GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade, in GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord) et alli. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997.

          HUIZINGA, Johan. Homo Ludens, Perspectiva, 1ª edição, 1996.

          MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 4ª edição, Atlas, São Paulo, 1994.

          MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 5ª edição, Atlas, São Paulo, 1999.

          MORAIS, Ana Cláudia de. A necessidade de reforma do Júri Popular como forma de compatibilização e aprimoramento de seu mecanismo ao Estado Democrático de Direito, in Revista Cearense do Ministério Público, ano I, n.°2, agosto de 1998.

          MOREIRA GONÇALVES, Flávio José. Notas para a caracterização epistemológica da teoria dos direitos fundamentais, in GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord) et alli. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997.

          PLATÃO. Defesa de Sócrates, Nova Cultural, São Paulo, 1996.
          Projeto de Lei do Senado n.°73, de 21 de março de 1995. Autoria do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy.

          SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Tribunal do Júri e as modificações propostas, RT 720, outubro de 1995, pp.399/406.

          TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume 4, 15ª edição, Saraiva, São Paulo, 1994.

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Sobre o autor
Marcus Vinícius Amorim de Oliveira

promotor de Justiça no Ceará, professor de Direito Processual Penal na Unifor e de Criminologia na Faculdade Christus, mestre em Direito pela UFC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim. Notas sobre a organização do Júri Popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1067. Acesso em: 22 nov. 2024.

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