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Retroatividade da lei tributária interpretativa

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26/11/2007 às 00:00
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4. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DO ART. 168, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

Antes de adentramos na celeuma jurídica trazida pelo artigo 3º da Lei Complementar nº 118/2005 [35], cumpre fazermos um retrospecto da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no tocante ao prazo prescricional do direito de pleitear a restituição ou compensação dos tributos lançados por homologação.

Assim dispõe o art. 168, I do Código Tributário Nacional:

"[...]

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário".

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Fisco tem até cinco anos para homologar o seu crédito (prazo decadencial) e mais cinco para exigi-lo, na ausência de homologação (prazo prescricional). Desse raciocínio, inaugurou-se a tese dos "cinco mais cinco" [36], que consistia em contar 10 anos a partir do fato gerador (os cinco primeiro anos prazo decadencial, e os cinco restantes, prazo prescricional). Vale dizer, cinco da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos, contados a partis da homologação tácita.

Logo após, surge uma segunda corrente, posteriormente superada, entendendo que o prazo prescricional inicia-se a partir da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Essa corrente trouxe divergências no que tange o termo a quo para o inicio da contagem do prazo. Alguns entendiam que seria da data do julgamento, outros da data do trânsito em julgado e, ainda, os que sustentavam que seria do ajuizamento da ação. Ressalta-se que, para os adeptos dessa corrente, não importa se a declaração de inconstitucionalidade ocorreu em controle difuso ou concentrado [37].

No REsp 329.444/DF, a Primeira Seção deliberou que o termo a quo inicia-se da data do trânsito em julgado no qual o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionalidade da lei pela primeira vez. No julgamento do EREsp 423.994/MG, a mencionada seção redesenhou seu posicionamento para concluir que, quando se tratar de controle difuso, inicia-se a contagem da data da Resolução do Senado e, quando se tratar de controle concentrado, a partir do trânsito em julgado da ADIn.

Finalmente, no julgamento do EREsp 436.835/SC, firmou-se definitivamente a tese dos "cinco mais cinco". Assim, não havendo prazo fixado em lei para homologação, ela será de até 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN). Portanto, e extinção do crédito tributário ocorrerá com a homologação e não com o pagamento antecipado, quando então deverá fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 168, inciso I, do CTN.

Nesse sentido, temos a brilhante decisão proferida pela ilustre Ministra Eliana Calmon no processo Agravo de Instrumento n° 827.346/SP [38] de sua relatoria. Destacamos:

[...] no julgamento do EREsp 436.835/SC, consagrou-se definitivamente a tese dos "cinco mais cinco", diante das perplexidades causadas pela adoção de outras teses. Portanto, considerando-se que o tributo em tela está sujeito ao chamado "autolançamento", o Fisco pode homologá-la expressa ou tacitamente. Não havendo prazo fixado em lei para a homologação, ela será de até 5 (cinco) anos, a contra da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). A extinção do crédito tributário ocorrerá com a homologação e não com o pagamento antecipado, quando então deverá fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 168, inciso I, do CTN.


5. A LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005: A PRETENDIDA INTERPRETAÇÃO RETROATIVA ACERCA DO DISPOSTO NO ART. 168, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

A lei Complementar nº 118, publicada no Diário Oficial da União de 9 de fevereiro de 2005, alterou alguns dispositivos do Código Tributário Nacional. Cumpre ressaltar que os dispositivos tratados por essa Lei Complementar praticamente em sua totalidade referem-se a temas relacionados àqueles regulados pela nova "Lei de Falências" [39], tendo ambos os projetos tramitado conjuntamente no Congresso Nacional.

Saltam aos olhos o fato de o art. 3º da Lei Complementar ter disciplinado matéria que não guarda qualquer relação com a Lei nº 11.101/2005, encontrando-se assim disposto:

"Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.712, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei."

Por sua vez, o 4º da mencionada Lei Complementar determina que a mesma entre em vigor cento e vinte dias após sua publicação, observando, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, do Código Tributário Nacional.

Vislumbra-se que o artigo 3º da Lei Complementar 118/2005 se auto denomina "norma interpretativa" trazendo para si a aplicação do art. 106, I do CTN. Assim, buscou-se "interpretar" retroativamente o art. 168, I, do CTN, determinando que o prazo para restituição de indébito, nos casos dos tributos submetidos a lançamento por homologação, fosse contado da data do pagamento indevido, e não da data da extinção do crédito tributário pela homologação tácita, conforme já pacificado na jurisprudência do STJ. Portanto, acarretaria um grande prejuízo para os contribuintes, uma vez que o prazo para pleitear a respectiva devolução esgotar-se-ia em cinco anos, e não mais em dez anos, como vinha ocorrendo com a consolidação da tese dos "cinco mais cinco".

Com o advento da Lei Complementar 118/2005, inúmeras divergências surgiram quanto à verdadeira natureza do art. 3º da mencionada lei. Embora traga em seu comando sua estrita finalidade de "aclarar" o sentido do art. 168, I do CTN, muitos duvidam do seu real sentido, e da verdadeira mens legislatoris.

Sobre a matéria, elucida Mário Luiz Oliveira da Costa:

O art. 3º da LC 118/2005 contrariou o disposto no próprio artigo art. 106, I do CTN em que pretendeu se fundamentar, por ser manifestamente incabível a edição de lei interpretativa tendo por objeto dispositivo legal que já fora exaustivamente interpretado pelo Poder Judiciário, em especial quando a suposta interpretação pretendida mostra-se contrária a jurisprudência atinente ao tema. [40]

Sustenta, ainda, que o dispositivo em questão seria inconstitucional, visto que pretende contornar a jurisprudência já consolidada acerca da matéria, incorrendo em claro desvio de finalidade e abuso de poder legislativo, desrespeitando a competência do Poder Judiciário, além de desobedecer à orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Ademais, alega violação aos princípios da independência e harmonia dos poderes, segurança jurídica, irretroatividade, boa-fé, moralidade e isonomia [41].

Nesse sentido, Hugo Barroso Uelze e Rodolfo Tsunetaka Tamanaha entendem que mencionado dispositivo ao buscar interpretar o inciso I do artigo 168 do CTN pretende "alterar não apenas o prazo de prescrição – em clara afronta ao princípio da tripartição dos poderes ou funções - (artigo 2º da CF) -, mas a própria natureza das exações fiscais, através da equiparação de institutos distintos como o "pagamento antecipado" e o "crédito tributário", como se tributos por homologação ou de ofício fossem a mesma coisa, o que não se admite" [42].

Após extensos debates a respeito do caráter interpretativo do artigo 3º e, por conseguinte, da aplicação do art. 106, I do CTN, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 327.043, em 27.04.2005, a Primeira Seção do STJ consolidou entendimento segundo o qual o mencionado dispositivo não é norma interpretativa, uma vez que não mais havia dúvida a respeito do significado dos dispositivos interpretados.

Com efeito, cabe destacar o seguinte trecho do brilhante voto do Ministro Teori Albino Zavascki [43]:

[...] o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a "interpretação" dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham ocorrer a partir de sua vigência.

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Com o julgamento do EREsp nº 327.043 começaram a surgir algumas dúvidas quanto o que realmente seria a "situação que venha a ocorrer a partir de sua vigência". Seria do pagamento indevido cuja restituição se requer, ou da distribuição da ação judicial na qual se pleiteia a restituição? [44]

Entende Hugo de Brito Machado Segundo [45] que o art. 3º da LC nº 118/2005 somente poderá ser aplicado aos pagamentos indevidos que forem realizados após a sua vigência (junho/2005), ou a pagamentos anteriores, desde que o lapso remanescente para a consumação da prescrição for superior a cinco anos, devendo ser reduzido então para esse montante.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça vem consolidando seu entendimento no sentido de que ajuizada a ação após 9 de junho de 2005 (120 dias após a publicação da Lei Complementar 118/05), o art. 3º não se aplicaria a fatos geradores ocorridos antes de sua aplicação.

Nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – COMPENSAÇÃO DE TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL PELO STF – LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005 – INAPLICÁVEL – ART. 170-A DO CTN – NÃO-INCIDÊNCIA – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – VIÁVEL EXAME NA VIA ESPECIAL.

1. A controvérsia essencial dos autos restringe-se aos seguintes aspectos: a) incidência, in casu, do disposto na Lei Complementar n.

118/2005, que alberga novel disposição sobre o termo inicial para o prazo prescricional de cinco anos para se pleitear a repetição de indébito; b) manifestação acerca do art. 97 do CTN; e c) incidência do art. 170 - A do CTN, como regra para autorizar a compensação de tributos ao fisco.

2. Inaplicável à espécie a previsão do artigo 3º da Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, uma vez que a Seção de Direito Público do STJ, na sessão de 27.4.2005, sedimentou o posicionamento segundo o qual o mencionado dispositivo legal se aplica apenas às ações ajuizadas posteriormente ao prazo de 120 dias (vacatio legis) da publicação da referida Lei Complementar (EREsp 327.043/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha). Dessarte, na hipótese em exame, em que a ação foi ajuizada anteriormente ao início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos, contados do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, a partir da homologação tácita.

3. Descabe ao STJ examinar na via especial, nem sequer a título de prequestionamento, eventual violação de dispositivo constitucional, tarefa reservada ao Supremo Tribunal Federal.

4. Não incide à espécie o disposto no art. 170-A do CTN, inserido por força da Lei Complementar n. 104/01, porquanto sua vigência se deu em momento ulterior à propositura da ação.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 907.197/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.08.2007, DJ 10.09.2007 p. 214)

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. DECRETOS-LEIS 2.445/88 E 2.449/88. PRESCRIÇÃO. CINCO ANOS DO FATO GERADOR MAIS CINCO ANOS DA HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. INAPLICABILIDADE DO ART. 3º DA LC N. 118/2005. INÍCIO DA VIGÊNCIA SOMENTE APÓS 120 DIAS CONTADOS DA PUBLICAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DA MESMA LEI.

Está uniforme na 1ª Seção do STJ que, no caso de lançamento tributário por homologação e havendo silêncio do Fisco, o prazo decadencial só se inicia após decorridos 5 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio, a partir da homologação tácita do lançamento. Estando o tributo em tela sujeito a lançamento por homologação, aplicam-se a decadência e a prescrição nos moldes acima delineados.

O disposto no artigo 3º da Lei Complementar n. 118, de 09 de fevereiro de 2005 é inaplicável, uma vez que ainda não iniciada a sua vigência, a qual somente terá início após 120 dias contados da publicação, a teor do artigo 4º da mesma lei.

Agravo regimental não conhecido.

(AgRg no Ag 653.771/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 255)

Assim, o prazo de cinco anos deverá ser contado a partir do pagamento, e não da homologação expressa ou tácita, desde que a ação tenha sido proposta depois de 9 de junho de 2005 e mesmo que o pagamento antecipado pelo contribuinte tenha sido realizado antes da vigência da lei. A saber:

"[...]

21. Cumpre esclarecer que a retroatividade vedada na interpretação autêntica tributária é a que permite a retroação na criação de tributos, por isso que, in casu, trata-se de regular prazo para o exercício de ação, matéria estranha do cânone da anterioridade. (ADI MC 605/DF) Ademais, entrar em vigor imediatamente não significa retroagir, máxime porque a prescrição da ação é matéria confluente ao direito processual e se confina, também, nas regras de processo anteriormente indicadas.

22. À míngua de prequestionamento por impossibilidade jurídica absoluta de engendrá-lo, e considerando que não há inconstitucionalidade nas leis interpretativas como decidiu em recentíssimo pronunciamento o Pretório Excelso, o preconizado na presente sugestão de decisão ao colegiado, sob o prisma institucional, deixa incólume a jurisprudência do Tribunal ao ângulo da máxima tempus regit actum, permite o prosseguimento do julgamento dos feitos de acordo com a jurisprudência reinante, sem invalidar a vontade do legislador através suscitação de incidente de inconstitucionalidade de resultado moroso e duvidoso a afrontar a efetividade da prestação jurisdicional, mantendo hígida a norma com eficácia aos fatos pretéritos ainda não sujeitos à apreciação judicial, máxime porque o artigo 106 do CTN é de constitucionalidade induvidosa até então e ensejou a edição da LC 118/2005, constitucionalmente imune de vícios.

23. Embargos de Divergência conhecidos, porém, improvidos." [46]

Conclui-se, portanto, que o novo regramento da Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, somente será aplicável às ações ajuizadas após a entrada de sua vigência, ou seja, posteriormente a data de 09 de junho de 2005.

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Sobre o autor
Thiago Figueiredo de Lima

bacharel em Direito em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thiago Figueiredo. Retroatividade da lei tributária interpretativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1608, 26 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10698. Acesso em: 22 dez. 2024.

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