A recente mudança no entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto a necessidade de motivação do ato de demissão dos empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) representou um importante avanço e corrige uma distorção verificada a partir da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 220.906-DF.
Historicamente, o TST tem entendido, com base no artigo 173, § 1º, da Constituição, que a dispensa de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista poderia ocorrer sem a devida motivação, ainda que o ingresso no serviço público tenha ocorrido por intermédio de concurso público.
Nesse sentido, editou a Súmula 390 e a Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 247 da Subseção I da Seção de Dissídios Individuais (SDI-I), que assim sedimentaram a questão no âmbito desse Tribunal Superior:
"Súmula Nº 390 do TST
Estabilidade. Art. 41 da CF/1988. Celetista. Administração direta, autárquica ou fundacional. Aplicabilidade. Empregado de empresa pública e sociedade de economia mista. Inaplicável. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SDI-2) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.05
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou
fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 - Inserida em 20.09.00)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em 20.06.2001)"
"247. Servidor público. Celetista Concursado. Despedida imotivada. Empresa pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade."
Todavia, a partir do julgamento do RE nº 220.906-9-DF, a esfera de incidência das normas de direito público nas relações jurídicas da ECT foi sensivelmente ampliada pelo STF, o que motivou na comunidade jurídica um amplo debate em torno das conseqüências jurídicas advindas dessa decisão.
Nesse julgamento, o STF, reconhecendo a relevância ímpar do serviço postal prestado em caráter de exclusividade, posicionou-se no sentido de equiparar a ECT à Fazenda Pública, declarando a impenhorabilidade de seus bens e a sua submissão ao regime geral de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição, verbis:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI N 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME GERAL DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada á Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei nº 509/69 e não incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica, ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.
Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância do regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no art. 100 da Constituição Federal."
Assim, na esteira desse entendimento, o art. 173, § 1º, da Constituição não seria aplicável à ECT, visto que destinado somente àquelas empresas públicas que explorem atividades econômicas em concorrência direta com os particulares.
Nesse contexto, restou evidente que a novel natureza jurídica emprestada à ECT pelo STF implicou necessariamente em uma maior prevalência e valoração dos princípios que informam toda a Administração Pública e que se encontram previstos no artigo 37, caput, da Constituição.
Contudo, apesar dessa decisão, a partir da qual foram asseguradas inúmeras vantagens fiscais, tributárias e processuais, a ECT não assumiu os encargos decorrentes desse privilégio, especialmente quanto à necessidade de motivação do ato de desligamento de seus empregados, acarretando uma situação de extrema ambigüidade entre o público e o privado, tudo em prejuízo aos interesses dos trabalhadores.
No final de 2006, dadas as inúmeras decisões judiciais já tomadas em sentido contrário à jurisprudência consolidada do TST, bem como o entendimento da maioria dos membros da SDI-I pela impossibilidade da demissão imotivada dos empregados da ECT, decidiu-se afetar o tema ao Pleno do Tribunal por intermédio de um incidente de uniformização de jurisprudência.
Em setembro de 2007, o Pleno do TST, fundamentado no fato de o STF ter assegurado privilégios inerentes à Fazenda Pública, especialmente quanto ao pagamento de débitos por intermédio de precatórios, entendeu que os atos administrativos da ECT deveriam se vincular aos princípios que regem a administração pública direta, em especial o da motivação da despedida de seus empregados. Assim sendo, decidiu-se alterar alterar a OJ nº 247 da SDI-I, para excepcionar a ECT da possibilidade de demissão imotivada de seus empregados.
Nesse sentido, o TST publicou, no Diário da Justiça de 13.11.07, a Resolução nº 143/07, que altera a OJ nº 247 da SDI-I nos seguintes termos:
"SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.
1. A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
2. A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais."
Destarte, a partir da publicação dessa Resolução do TST, consolidou-se o entendimento no âmbito da Justiça do Trabalho que no ato de demissão dos empregados da ECT deverão estar expressas as causas e os elementos que motivaram o administrador público assim proceder, bem como o dispositivo legal em que se funda.
Tal entendimento, além de corrigir uma distorção decorrente da vontade da ECT de usufruir apenas e tão-somente das vantagens das duas naturezas jurídicas, a pública e a privada, em detrimento dos interesses e direitos de seus empregados, representará certamente uma maior transparência nas relações de trabalho na referida estatal, permitindo um controle efetivo dos representantes sindicais e dos próprios trabalhadores quanto à regularidade do ato de demissão, evitando assim a ocorrência de desvio ou abuso de poder.
Ademais, é de registrar-se que a necessidade de motivação do ato de demissão viabilizará aos empregados da ECT o exercício pleno das garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e do acesso ao Poder Judiciário, tudo na afirmação da cidadania e do verdadeiro Estado Democrático de Direito Social.
Por esta forma, é de se louvar a mudança jurisprudencial levada a cabo pelo Colendo TST, que certamente representará um importante avanço na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores da ECT.