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Justiça restaurativa como instrumento de superação dos obstáculos ao efetivo acesso à justiça no âmbito criminal

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22/11/2023 às 22:47
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Através da participação dos envolvidos, a Justiça Restaurativa se orienta para atender às necessidades das vítimas e dos infratores, mas também responder aos anseios da sociedade, contribuindo para a formação do sentimento de justiça.

RESUMO: Este artigo examina a dimensão material do acesso à justiça no contexto do sistema jurídico, destacando as limitações decorrentes da mera aplicação dos princípios do direito processual civil ao processo penal. A pesquisa revela a falta de consideração às necessidades individuais das vítimas, infratores e comunidade, bem como a marginalização de suas vozes no processo penal. Nesse cenário, a Justiça Restaurativa surge como uma inovadora abordagem que busca promover a democratização do sistema de justiça, possibilitando que as partes envolvidas desempenhem um papel ativo na construção de soluções individualizadas para o conflito. Através da participação da comunidade, a Justiça Restaurativa visa atender às necessidades reais das vítimas, promover a responsabilidade dos infratores e a reintegração social. A construção da solução pelos diretamente envolvidos e pela comunidade contribui para a satisfação do sentimento de justiça, realizando a efetiva pacificação social. A atuação proativa das instituições essenciais ao funcionamento da justiça, como a Defensoria Pública, é necessária para a implementação dessas práticas, a fim de garantir um acesso inclusivo, justo e humanitário à justiça.


INTRODUÇÃO

Este artigo explora a noção tradicional de acesso à justiça, com ênfase nas áreas civil e penal, realçando as barreiras que muitas vezes dificultam a plena realização desse direito. É importante ressaltar que não é viável a simples transposição das soluções encontradas no processo civil para o contexto do processo penal. As substanciais diferenças e particularidades inerentes a cada área tornam essa abordagem inadequada, exigindo uma análise mais profunda sobre os obstáculos impostos no processo penal formal para o devido acesso à justiça.

No processo penal, frequentemente observamos o afastamento dos envolvidos, sobretudo da vítima e da comunidade, que são marginalizados no procedimento formal. Além disso, a análise das questões subjacentes que levaram o infrator à prática do delito frequentemente é limitada, o que prejudica o acesso à justiça, tornando-o parcial e inadequado.

A Justiça Restaurativa emerge como uma abordagem inovadora que oferece uma perspectiva promissora para a efetivação do acesso à justiça. O cerne da Justiça Restaurativa é a devolução do protagonismo aos envolvidos, permitindo que o conflito seja resolvido a partir de suas perspectivas, o que, por sua vez, implica em um sentimento de justiça mais amplo e satisfatório, contribuindo para a efetiva pacificação social.

Neste contexto, instituições essenciais ao funcionamento da justiça têm desempenhado um papel relevante para a efetivação desse paradigma. Destaca-se a atuação da Defensoria Pública, que, alinhando-se à sua missão constitucional de defesa dos Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito, desempenha um papel crucial na promoção e implementação dessas práticas. Ao facilitar o acesso de cidadãos, especialmente aqueles mais vulneráveis, à Justiça Restaurativa, a Defensoria Pública contribui para a construção de um sistema de justiça mais acessível, inclusivo e orientado para soluções que refletem um senso mais amplo de justiça.

DESENVOLVIMENTO

Com o fim do regime ditatorial e promulgação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, o acesso à justiça tornou-se um direito fundamental dos cidadãos (art. 5º, XXXV, CF). Conforme André de Carvalho Ramos trata-se de um direito de natureza assecuratória, que garante o respeito aos demais direitos, constituindo cláusula pétrea de nossa ordem constitucional1.

O autor destaca a existência de duas dimensões do direito de acesso à justiça: a dimensão formal e a dimensão material. A primeira diz respeito ao próprio direito de recorrer ao Poder Judiciário no caso de violação de direitos. Já a segunda consiste na construção de instrumentos e garantias para efetivação desse direito2.

Os pesquisadores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que coordenaram estudos pioneiros acerca do direito ao acesso à justiça (Projeto Florença), ressaltam que o mesmo deve ser compreendido como o mais básico dos direitos humanos3. Nas palavras dos pesquisadores:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reinvindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar direitos de todos4

O direito formal ao acesso à justiça, tal como consagrado constitucionalmente, estabelece-se como um princípio incontestável nos sistemas jurídicos contemporâneos. A problemática sobre o tema se situa em sua dimensão material, a qual tem sido objeto de pesquisas e estudos acerca dos instrumentos necessários para materialização desse direito fundamental. Portanto, a questão premente no cenário jurídico-político contemporâneo é a efetivação da dimensão material do acesso à justiça.

A materialização deste direito não se resume à mera concessão do acesso aos tribunais, mas, de forma mais abrangente, refere-se à remoção de obstáculos concretos que dificultam a efetiva participação de todos os cidadãos, especialmente das camadas mais desfavorecidas da sociedade, no sistema de justiça. O compromisso com a realização plena da dimensão material do acesso à justiça demanda uma análise minuciosa dessas barreiras e a implementação de medidas eficazes que busquem garantir a efetividade desse direito para todos os estratos sociais.

No Relatório Geral produzido por Cappelletti e Garth foram identificados os seguintes obstáculos ao efetivo acesso à justiça: altos custos de litigar em juízo, tempo excessivo de duração do processo; aptidão para o reconhecimento do direito e da possibilidade de sua exigência em juízo; disparidade de armas entre litigantes eventuais e litigantes habituais; conflitos difusos e atomizados5. A compreensão desses obstáculos implicou em esforços para sua solução, que foram divididas em ondas. A primeira delas pretendia a superação de barreiras econômicas, a segunda a proporcionar a representação jurídica para os interesses difusos enquanto a terceira se relaciona ao “enfoque de acesso à justiça”6.

No contexto nacional, a criação e estruturação da Defensoria Pública como instituição essencial ao funcionamento da justiça estatal (art. 134, CF) e a garantia do direito à assistência jurídica integral e gratuita para aqueles que comprovem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV, CF) se inserem nos esforços de superação dos obstáculos econômicos.

A segunda onda do movimento pelo acesso à justiça emergiu com o propósito de enfrentar a complexa questão da representação dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Esta abordagem partiu da premissa de que a visão tradicionalmente individualista do processo judicial não era adequada para garantir o devido respeito a esses direitos de grupos7. No ordenamento jurídico brasileiro, a Defensoria Pública se destaca, por exemplo, como um dos legitimados coletivos para propor ações tutelando os direitos de grupos vulnerabilizados.

Finalmente, os pesquisadores identificam uma “terceira onda” que “centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas8. A adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, com ênfase na conciliação entre as partes, é uma medida preconizada por acadêmicos em prol do aprimoramento do acesso à justiça. A conciliação é favorecida por sua natureza baseada em acordos prévios entre as partes, tornando-a mais aceitável aos envolvidos do que decisões judiciais unilaterais. Além disso, a abordagem conciliatória permite uma análise mais profunda das causas subjacentes dos conflitos e prioriza a restauração de relacionamentos9.

As três ondas renovatórias do movimento de acesso à justiça refletem a compreensão da necessidade de superação de barreiras para efetivação da dimensão material do acesso à justiça, com o objetivo de tornar o sistema jurídico mais inclusivo e acessível.

Desafios e Perspectivas do Acesso à Justiça no Âmbito Criminal

Tradicionalmente, o estudo do direito de acesso à justiça concentra-se no contexto civil e nas relações de natureza privada. Contudo, é amplamente reconhecido que a mera aplicação dos conceitos e institutos do direito processual civil ao processo penal é inadequada, tendo em vista as substanciais diferenças e particularidades inerentes a cada área. Aury Lopes Jr., em sua obra, salienta a importância de rejeitar a simples transposição dos conceitos do processo civil para atender, de maneira ilusória, às especificidades do processo penal10.

Todavia, é certo que o direito fundamental de acesso à justiça também deve ser assegurado no âmbito criminal. Nesse contexto, é necessário compreender o que representa o acesso à justiça no âmbito criminal, identificando as barreiras enfrentadas pelos atores sociais. Especificamente, importante a compreensão acerca dos obstáculos que impedem a justiça criminal de atingir finalidades como a pacificação social e proteção efetiva dos bens jurídicos.

A compreensão do tema sob uma perspectiva crítica implica na problematização do sequestro do papel da vítima pelo Estado e do monopólio do uso da força para resolução de conflitos. Isso porque no processo penal os sujeitos diretamente envolvidos e afetados pelos fatos apurados no processo penal atuam como coadjuvantes. O rito processual formal se desenvolve objetivamente com a finalidade de aferir se estão presentes os requisitos necessários para exercício do poder de punir do Estado. As necessidades da vítima, do autor da infração e da própria comunidade são desconsideradas no procedimento.

A vítima não detém uma posição privilegiada no âmbito do processo penal, uma vez que, embora seja frequentemente invocada para embasar a punição do infrator, suas necessidades concretas são geralmente desconsideradas no decorrer do processo11. De maneira análoga, as necessidades da comunidade são frequentemente abordadas apenas de maneira abstrata, sendo utilizadas como justificativa para a imposição de sanções mais severas ao acusado.

A utilização de uma linguagem técnica excessivamente rigorosa e de procedimentos formais complexos não somente atua como uma barreira à plena participação, mas também compromete a compreensão dos trâmites processuais de pessoas desprovidas de formação jurídica. É imperativo observar que indivíduos afetados por crimes frequentemente carecem de conhecimento jurídico e, nesse contexto, seu papel é comumente marginalizado. Isso não apenas limita sua capacidade de influenciar decisões, mas também prejudica sua habilidade de compreender plenamente os procedimentos do sistema de justiça penal.

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Em relação a pessoa a quem se atribui a prática do delito, o direito de acesso à justiça se relaciona com a garantia de representação legal adequada, julgamento justo e imparcial. Necessário o respeito ao direito de defesa, ao princípio da presunção de inocência, ao devido processo legal, ao acesso a recursos, à igualdade de armas e, se necessário, à assistência judiciária gratuita.

Entretanto, não é possível ignorar que o respeito a garantias formais é insuficiente para impedir efeitos secundários do processo penal sobre o acusado como a estigmatização e a exclusão social. A submissão do acusado ao processo, antes mesmo de sua condenação o coloca sob o estigma social e fragiliza seus laços comunitários. Especialmente considerando que as causas subjacentes da prática de delitos frequentemente são desconsideradas durante a persecução penal.

A crescente cultura punitivista é um dos resultados da precarização do acesso à justiça no âmbito criminal. A ausência de compreensão acerca do processo penal e a inexistência de participação dos atores envolvidos na solução dos conflitos contribuem para o agravamento da desconfiança em relação ao sistema de justiça e na amplificação do sentimento de insegurança coletivo. Como consequência, nota-se a crescente instrumentalização político-ideológica do discurso de segurança pública e de “guerra contra o crime”, que justifica a reprodução da violência repressiva.

A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

A Justiça Restaurativa, enquanto um método comunitário de resolução de conflitos, emerge como uma abordagem alternativa com a finalidade de promover a realização do acesso dos cidadãos à justiça, na acepção moderna do termo. A devolução do protagonismo às partes, permitindo que o conflito seja pensado a partir do ponto de vista dos envolvidos, possibilita a construção de uma justiça adequada às particularidades de cada caso 12.

O paradigma restaurativo pretende o empoderamento da vítima e da comunidade lesada, conferindo-lhes um papel central no processo de resolução de conflitos, com o objetivo de atender às suas necessidades reais por meio da responsabilização do infrator. Nesse sentido, o procedimento restaurativo volta-se ao dano causado à vítima, à sociedade e ao próprio responsável pela infração13.

A Resolução nº 225, de 2016, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências, estabelece que a Justiça Restaurativa é um conjunto ordenado sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre fatores reacionais, institucionais e sociais motivadores de violência e conflitos14. Determina a Resolução que a solução deve ser estruturada considerando as necessidades dos envolvidos, visando o empoderamento da comunidade e a recomposição do tecido social:

Art. 1º. III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro15.

Durante o procedimento restaurativo os atores afetados pelo delito serão ouvidos, contribuindo para a construção da empatia e compreensão. Inicialmente, a vítima desempenha um papel essencial no processo, sendo necessária a criação de um ambiente adequado para que que possa expressar suas necessidades e emoções. Ao mesmo tempo, o infrator deve estar disposto a escutar a vítima, compreender o dano causado e assumir a responsabilidade pela reparação das necessidades na medida do possível, com o intuito de restabelecer a situação prévia à ocorrência do delito. compreende-se que o empenho do ofensor na reparação contribui para o processo de reestabelecimento da vítima16.

Para atingir eficazmente os objetivos restaurativos do processo, é imperativo que se direcione a atenção também ao infrator, observando os traumas vivenciados por ele anteriormente17. No âmbito do procedimento restaurativo, a atenção às causas subjacentes ao comportamento criminoso desempenha um papel crucial, não apenas com o intuito de prevenir futuros delitos, mas também de restaurar a sensação de segurança na comunidade. Após uma análise aprofundada dos fatores que contribuíram para a prática do delito, o infrator, com o apoio de sua comunidade e familiares, assume a responsabilidade pelo tratamento desses elementos que o conduziram à conduta delituosa18.

É fundamental que a comunidade reconheça sua parcela de responsabilidade na prevenção de futuras transgressões e no auxílio ao processo de reabilitação do ofensor. A participação ativa da sociedade no amparo ao indivíduo, sobretudo quando o ato criminoso é percebido como uma resposta a omissões na proteção de seus direitos fundamentais19, é um elemento central na eficácia do paradigma restaurativo. Portanto, a colaboração da comunidade desempenha um papel crucial não apenas na identificação e tratamento das causas do delito, mas também na promoção da reintegração do infrator à sociedade20.

Nesse sentido, o art. 8º, da Resolução nº 225, de 2016, do Conselho Nacional de Justiça, estabelece as sessões a serem realizadas no âmbito do judiciário, devem oportunizar a participação dos envolvidos, se voluntária:

Art. 8º. Os procedimentos restaurativos consistem em sessões coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma voluntária, das famílias, juntamente com a Rede de Garantia de Direito local e com a participação da comunidade para que, a partir da solução obtida, possa ser evitada a recidiva do fato danoso, vedada qualquer forma de coação ou a emissão de intimação judicial para as sessões21.

Ainda, determina a normativa que os Tribunais de Justiça devem capacitar facilitadores que criem “ambientes propícios para que os envolvidos promovam a pactuação da reparação do dano e das medidas necessárias para que não haja recidiva do conflito, mediante atendimento das necessidades dos participantes das sessões restaurativas22.

Destaca-se ainda a previsão do art. 9º, que determina que devem ser incluídos no processo restaurativo as pessoas que direta ou indiretamente sejam responsáveis pelos fatos, tenham sofrido ou venham a sofrer as consequências desse fato, assim como as pessoas que possam apoiar os envolvidos no referido fato, a fim de evitar recidiva23.

O artigo 10 da Resolução n. 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) destaca a importância de comunicar à comunidade sobre as soluções restaurativas obtidas24. Essa divulgação tem o mérito de conferir maior legitimidade ao processo, porque ao informar a comunidade sobre o resultado obtido pelos atores diretamente afetados pelo delito, contribui-se para o sentimento de satisfação daqueles que não atuaram diretamente no procedimento. Portanto, caminha-se para a efetiva pacificação social, ao demonstrar para a sociedade que a justiça foi devidamente alcançada naquela situação.

Nesta perspectiva, Achutti argumenta que as abordagens restaurativas oferecem uma oportunidade para a democratização do sistema de justiça. Isso contrasta com o modelo penal tradicional, que, em a resposta vem “de cima”, na justiça restaurativa, há uma “construção coletiva da justiça em cada caso”25. Logo, esse novo modelo pressupõe um empoderamento do cidadão, a compreensão que ele é capaz de solucionar problemas intersubjetivos sem que “‘terceiros’ tomem os seus lugares e as suas dores e digam, a partir de seus locais de vida- evidentemente outros - o que, e como deve ser feito com seus conflitos”26.

Nessa perspectiva a Defensoria Pública, no cumprimento de sua missão constitucional de defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, tem atuado na difusão de processos restaurativos, compreendendo-os como instrumentos de democratização da justiça. Ponderando a vocação constitucional da instituição, compreende-se o seu papel de protagonismo na efetivação do novo paradigma restaurativo. Nesse sentido, diversas Defensorias Públicas Estaduais instituíram grupos de trabalho e estudo sobre as práticas restaurativas.

Destaca-se a atuação da Defensoria Pública do Estado do Pará que divulgou o plano de trabalho de cinco etapas para implantação da justiça restaurativa como política institucional. Na primeira fase foram realizados cursos para formação dos membros e equipes multiprofissionais e na segunda etapa houve a formação de grupos para planejamento da forma de implementação da Justiça Restaurativa. A terceira etapa centrou-se no realinhamento de paradigmas interna corporis para adequada atuação na solução extrajudicial de conflitos27.

Numa quarta fase a Defensoria Pública do Estado do Pará centrou-se no empoderamento do cidadão para o enfrentamento de seus conflitos. Compreendendo a necessidade da difusão das práticas restaurativas e realizando sua missão institucional de educação em direitos, estabeleceram o projeto de ministrar cursos externos para formação de novos facilitadores28.

Finalmente, na quinta fase foram implantadas práticas restaurativas relacionadas ao cuidado de grupos de pessoas vulnerabilizadas como população em situação de rua, vítimas de violência doméstica e tratamento de conflitos familiares29.

A Defensoria Pública do Estado do Paraná também iniciou em junho de 2022 projeto específico de atendimento às vítimas utilizando a Justiça Restaurativa. Segundo a notícia publicada em seu sítio eletrônico, qualquer vítima de crime ou ato infracional poderá procurar a Defensoria Pública que, após atendimento inicial, realizará os encaminhamentos possíveis como “orientação jurídica, acolhimento, atendimento psicológico das vítimas, reparação do dano material e o encaminhamento da situação de conflito para a construção de práticas de justiça restaurativa30

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio da Escola da Defensoria Pública - EDEPE coordenou esforços para a implantação de Justiça Restaurativa nas escolas da Capela do Socorro observando-se orientações dispostas na Resolução CNJ nº 225/2016, com a redação atualizada pela Resolução CNJ 300/201931.

A atuação proativa da Defensoria Pública desempenha um papel crucial na disseminação e implementação dessas práticas, alinhando-se com sua missão de defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. Ao facilitar o acesso de cidadãos, especialmente daqueles mais vulneráveis, à Justiça Restaurativa, a Defensoria Pública contribui para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde o acesso à justiça deixa de ser uma mera promessa e se torna uma realidade tangível para todos os envolvidos no conflito.

CONCLUSÃO

No sistema jurídico tradicional o acesso à justiça é muitas vezes prejudicado por barreiras e desigualdades, especialmente no contexto criminal, onde as necessidades da vítima, do infrator e da comunidade frequentemente são desconsideradas.

A Justiça Restaurativa emerge como um paradigma inovador que busca promover a democratização do sistema de justiça, devolvendo o protagonismo às partes envolvidas e permitindo a construção de soluções efetivas e individualizadas para cada situação conflituosa. Através da participação dos envolvidos, a Justiça Restaurativa se orienta para atender às necessidades das vítimas e dos infratores, mas também responder aos anseios da sociedade, contribuindo para a formação do sentimento de justiça. Ou seja, ao permitir que a solução seja construída pelos atores sociais contribui-se para a efetiva pacificação social.

Instituições essenciais ao funcionamento da justiça têm desempenhado papel relevante para a efetivação desse paradigma. Destaca-se a atuação da Defensoria Pública que, alinhando-se a sua missão constitucional de defesa dos Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito, atua ativamente para o efetivo acesso à justiça de todos os envolvidos no conflito, contribuindo para a consolidação de um sistema mais inclusivo e restaurador.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOCATELI, Leticia Vilela. Justiça restaurativa como instrumento de superação dos obstáculos ao efetivo acesso à justiça no âmbito criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7448, 22 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107055. Acesso em: 28 abr. 2024.

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