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Da relação jurídica existente entre igrejas e pastores evangélicos.

Pacto de emprego?

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SUMÁRIO: I – PROLEGÔMENO. II – BREVE ANÁLISE JURÍDICA ACERCA DO TEMA. II.1 – CONCEITUAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO E SEUS REQUISITOS. II.2 – DO ELO JURÍDICO FIRMADO ENTRE IGREJAS E PASTORES EVANGÉLICOS. III – SÍNTESE CONCLUSIVA. REFERÊNCIAS


I – PROLEGÔMENO

Os artigos 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho trazem ao ordenamento jurídico pátrio, respectivamente, os conceitos de empregador e empregado, oportunizando, destarte, a formação dos parâmetros hábeis a dizer o que é, verdadeiramente, uma relação de emprego.

Atentemos à transcrição dos aludidos dispositivos legais:

Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

§ 1º. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. (Grifos propositais)

Extrai-se das redações, portanto, que restará configurada uma relação de emprego sempre que estiverem presentes os seguintes requisitos: pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. Ausentes quaisquer desses elementos não há razão para se falar em pacto de emprego e sim mera relação de trabalho.

Pode-se dizer, ainda, que existem outros 02 (dois) requisitos imprescindíveis para a formação do liame empregatício, emanados da doutrina e jurisprudência, a saber: alteridade e ânimo de emprego.

Destarte, a presença dos citados elementos, cumulativamente, configuram, indene de dúvidas, uma relação de emprego. Entrementes, à luz dessas premissas, pode-se falar que há, em verdade, o citado vínculo empregatício no elo existente entre igrejas e pastores evangélicos?

Consolidaremos o sucinto estudo na aludida indagação.


II – BREVE ANÁLISE JURÍDICA ACERCA DO TEMA

Estar-se-á diante de uma relação de emprego quando um indivíduo (pessoa física), pessoalmente e por conta alheia, passa a prestar serviços, com habitualidade e a título oneroso, para determinado empregador ou equiparado, estando aquele subordinado a este, prevalecendo, tácita ou expressamente, a vontade mútua de consolidar tal premissa.

Presentes estão, portanto, nesse jaez, 07 (sete) requisitos inafastáveis do mais abrangente conceito de relação empregatícia: pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação, alteridade e ânimo de emprego.

Com efeito, a pessoa física ou natural é única capaz de se figurar como empregado, eis que, diferentemente das pessoas jurídicas, poderá se beneficiar, segundo o insigne Maurício Godinho Delgado (2004, p. 291), dos "bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do Trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.)".

Cumpre enfocar que a prestação laboral, na ótica do trabalhador, revela-se como intuitu personae, ou seja, o empregado não poderá constituir outro indivíduo para labutar em seu lugar. Vigora, portanto, a pessoalidade específica para determinado vínculo, sendo vedado o chamado job sharing, onde 02 (dois) ou mais empregados partilham o mesmo posto de trabalho, alternando-se nos dias da semana e dividindo o salário, instituto este admitido em ordenamentos alienígenas.

Ademais, os serviços devem ser prestados em caráter não-eventual, isto é, cotidianamente e com animus de habitualidade. Em verdade, a manifestação volitiva exteriorizada no pacto revela-se como elemento fundamental para a configuração desse requisito, não havendo capital importância quanto à freqüência de labor em quantidade de dias na semana. Nesse diapasão, entendemos que cada caso deverá ser analisado isoladamente, não sendo absurdo se falar no preenchimento do aludido requisito quando prestados os serviços, por exemplo, em 02 (dois) dias por semana.

Impende destacar, ainda, que a onerosidade diz respeito à necessidade do empregado receber uma contraprestação remuneratória pelo empenho laboral disponibilizado em benefício patronal. Embora a legislação não permita o adimplemento salarial apenas em utilidades (truck system), tal hipótese já ensejaria a presença do caráter oneroso necessário a solidificar o pacto empregatício. Com efeito, a prestação de serviços gratuitos, hipótese do previsto na Lei 9.608/98, que trata do trabalho voluntário, desvirtua o elo jurídico em estudo.

Existe, também, dentro da relação em foco, um liame de subordinação entre empregado e empregador, não tendo tal premissa natureza econômica, social ou técnica e sim jurídica, pautada nos limites do contrato de trabalho. Diante deste pacto, pois, o obreiro passará a ser juridicamente subordinado ao pólo patronal, atendendo aos comandos legais advindos de seus poderes diretivo e hierárquico.

Há de se ressaltar, de igual sorte, que os riscos do empreendimento econômico pertencem, unicamente, ao empregador, devendo o empregado, portanto, trabalhar por conta exclusiva daquele (alteridade).

Por fim, é de bom alvitre enfatizar que deve haver a vontade mútua, exteriorizada de forma tácita ou expressa, de se firmar o vínculo de emprego. Trata-se do chamado ânimo de emprego. Nesse contexto, há determinadas situações peculiares que, embora presentes todos os demais pressupostos acima citados, caso fosse reconhecida uma relação de emprego poderia se causar uma indelével desarmonia social, como, exemplificativamente, em relações familiares de pequenos produtores rurais, onde, enfatize-se, o anseio do crescimento e subsistência do núcleo familiar está acima de qualquer vontade de se estabelecer um contrato de trabalho na forma dos artigos 2° e 3° da Norma Celetista.

Passados os esclarecimentos prefaciais, voltemo-nos ao cerne de nossa sucinta abordagem...

II.2 – DO ELO JURÍDICO FIRMADO ENTRE IGREJAS E PASTORES EVANGÉLICOS

A igreja evangélica no Brasil, através de suas diferentes denominações, firmada, originalmente, a partir dos preceitos luteranos emanados na Reforma Protestante, volta-se, como premissa maior, à propagação da Palavra de Deus e dos preceitos cristãos, conforme as escrituras contidas na Bíblia Sagrada, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

Destarte, o pastor se apresenta como o ministro religioso responsável, dentre outras tarefas ligadas à atividade fim da congregação, pela pregação da Palavra de Deus e dos ensinamentos deixados por Jesus Cristo. Entrementes, pode-se dizer que há a formação de um pacto de emprego entre o mesmo e a igreja?

Analisemos, em síntese, sob o pálio do ordenamento jurídico brasileiro, se existe a presença de todos os requisitos essenciais para a consolidação da mencionada relação.

Com feito, a função exercida pela pessoa física do pastor é desempenhada pessoalmente e em caráter não eventual, eis que a prestação realizada ocorre habitualmente, com a realização de cultos freqüentes, estudos bíblicos e outras atividades análogas. Há, na maioria dos casos, uma remuneração advinda de parcelas dos dízimos e ofertas disponibilizadas, voluntariamente, pelos fieis. Existe, ainda, inequívoca subordinação jurídica àqueles religiosos que fundaram e organizam tal local, assim como, também, constante obediência aos horários das celebrações religiosas. Saliente-se, ainda, que os pastores não exercem seus ofícios por conta própria.

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O ponto capital da aludida abordagem, em nosso sentir, gira na premissa do ânimo de emprego. Há a presença de tal requisito na aludida relação?

Defendemos o entendimento de que o pastor evangélico, assim como alguns ministros de outras denominações religiosas, não presta seu empenho em favor da igreja em si. Ao contrário, exerce, indubitavelmente, sacerdócio por intermédio da igreja, entregando sua vida em prol da crença, visando, essencialmente, pregar a Palavra de Deus e os ensinamentos de Jesus Cristo.

Nesse jaez, o verdadeiro pastor não labora para a denominação evangélica a qual pertence, mas para Deus, sendo a hierarquia organizacional da igreja meio para viabilizar, com maior facilidade, a propagação dos preceitos bíblicos. Não há, indene de dúvidas, ânimo de emprego, razão pela qual não se deve reconhecer, em tais situações, um vínculo na forma dos artigos 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho.

Atentemos ao posicionamento da jurisprudência pátria em situações similares a ora abordada:

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RELAÇÃO DE EMPREGO – PASTOR EVANGÉLICO – Não-configuração "pastor evangélico. Inexistência de vínculo de emprego. O conjunto probatório produzido nos autos revelou, indubitavelmente, que o reclamante era membro da igreja e atuava como pastor evangélico, prestando assistência religiosa voluntária. Assim, suas atividades relacionavam-se com a evangelização, não constituindo objeto de um contrato de emprego. Demais disso, não se demonstrou a existência dos requisitos caracterizadores da relação de emprego, a teor dos arts. 2º e 3º da clt." (TRT 3ª R. – RO 01446.2003.038.03.00.9 – 8ª T. – Relª Juíza Maria Cecília Alves Pinto – DJMG 07.08.2004 – p. 16) (Destaque proposital)

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE – RELAÇÃO HAVIDA ENTRE AS PARTES – O exercício de atividade religiosa diretamente vinculada aos fins da igreja não dá ensejo ao reconhecimento de vínculo de emprego, nos moldes do art. 3º da CLT. Recurso desprovido. (TRT 4ª R. – RO 00609.2003.019.04.00.2 – 5ª T. – Relª Juíza Berenice Messias Corrêa – DOERS 24.05.2004)

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. PASTOR OU OBREIRO RELIGIOSO – RELAÇÃO DE EMPREGO – INEXISTÊNCIA – O Pastor ou obreiro religioso não possui vínculo de emprego com a Igreja à qual é integrante, mas tão-somente relação de natureza espiritual e vocacional. (TRT 5ª R. – Proc. 14.789/05 – 2ª T. – Relª Desª Dalila Andrade – J. 14.07.2005) (Negrito adicionado)

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. PASTOR EVANGÉLICO – VÍNCULO EMPREGATÍCIO – NÃO RECONHECIDO – Não se reconhece como vínculo de emprego o exercício de atividades inerentes ao mister de membro de entidade religiosa, na qualidade de orientador espiritual, sendo irrelevante à configuração da relação laboral, a existência ou não de remuneração, ou recebimento de prestações in natura. Como ensina Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, é relevante identificar-se se os serviços prestados dizem respeito à finalidade da instituição religiosa, em decorrência do vínculo comunitário que une o prestador à unidade e os fins ideais que sedimentam o ingresso do prestador de serviços na instituição. (TRT 6ª R. – RO 4982/00 – 3ª T. – Relª Juíza Gisane Barbosa de Araújo – DOEPE 13.01.2001) (Grifo posto)

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. IGREJA EVANGÉLICA – PASTOR – VÍNCULO DE EMPREGO – Esta egrégia corte tem entendido que o trabalho movido por sentimento religioso e humanitário, com a realização de tarefas de evangelização e apoio espiritual aos fiéis, não leva à formação de vínculo empregatício com a igreja, nos moldes traçados pela CLT" (juíza ialba-luza Guimarães de Mello). No presente caso, não se demonstrou, nos autos, motivação diversa ou que a igreja detivesse fins empresariais, razão por que não se caracteriza o vínculo com o pastor. Recurso patronal provido. Goiânia, 18 de maio de 2004. (TRT 18ª R. – RO 00011-2004-052-18-00-2 – Red. p/o Ac. Juiz Saulo Emídio dos Santos – DJGO 08.06.2004) (O destaque não vem do original)

Há, todavia, entendimento jurisprudencial no sentido de que preenchidos os requisitos celetistas, sem qualquer análise mais profunda no ânimo de emprego, restará configurada a relação empregatícia, o que, em nosso entendimento, data vênia, não merece prosperar:

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. RELAÇÃO DE EMPREGO – PASTOR EVANGÉLICO – CONFIGURAÇÃO – Não obstante tenha o autor exercido a função típica de "pastor evangélico", professando a doutrina e a fé por ele esposadas, a prestação de serviços à associação religiosa com subordinação, remuneração e a presença dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego conduzem ao reconhecimento do vínculo nos moldes da Consolidação das Leis do trabalho. (TRT 3ª R. – RO 15570/02 – (01001-2002-042-03-00-7) – 1ª T. – Rel. Juiz Marcio Flávio Salem Vidigal – DJMG 19.12.2002 – p. 24)

Contudo, existem situações em que determinadas entidades utilizam a Palavra de Deus e a nomenclatura de "igrejas evangélicas" como subterfúgios para criar uma verdadeira máquina de se angariar recursos financeiros. Nessa hipótese específica, quando a "igreja" e o "pastor" portarem-se como lobos em pele de cordeiros, tratando a fé cristã com um viés eminentemente mercador, configurar-se-á, sobremaneira, um vínculo de emprego, devendo, por conseguinte, a administração do local responder pelo pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas ao "ministro religioso" em destaque.


III – SÍNTESE CONCLUSIVA

Diante do exposto, conclui-se que não existe relação empregatícia entre igrejas e pastores evangélicos, notadamente quando se vislumbra, no caso em foco, que o vínculo mantido entre ambos resta centrado, apenas, na propagação da fé cristã e divulgação da Bíblia Sagrada. Resta ausente, portanto, o ânimo de emprego, requisito esse inafastável para a configuração do aludido pacto laboral.


REFERÊNCIAS

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 30. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Editora LTr, 2004.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho. 5. ed. São Paulo: Editora LTr, 2003.

SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT Comentada. 39. ed. São Paulo: Editora LTr, 2006.

SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Editora Método, 2006.

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Sobre o autor
Carlos Nazareno Pereira de Oliveira

Advogado. Consultor Jurídico. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista – PB. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Potiguar (RN). Especialista em Psicologia Jurídica pelo Centro Universitário de João Pessoa (PB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Carlos Nazareno Pereira. Da relação jurídica existente entre igrejas e pastores evangélicos.: Pacto de emprego?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1612, 30 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10709. Acesso em: 24 nov. 2024.

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