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A disponibilização de informações como condição para a efetividade da ação fiscalizadora do controle interno constitucional

03/12/2007 às 00:00
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1. Introdução

A lei 10.180/2001 organiza os sistemas de planejamento, orçamento, administração financeira, contabilidade, e também o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal.

No que concerne especificamente ao exercício da função de Controle Interno, incumbido, por força de disposições constitucionais (art. 70 da CF/1988), de fiscalizar os atos de gestão praticados no âmbito do Poder Executivo Federal, buscaremos aqui analisar o teor do artigo 26 da citada lei, disciplinador de um poder-dever administrativo.

No breve estudo que passaremos a desenvolver, abordaremos os aspectos referentes ao significado, à aplicabilidade e à responsabilização pelo descumprimento do dispositivo legal.


2. Da norma e seu objetivo.

No curso das ações fiscalizadoras que os agentes do Controle Interno desenvolvem sobre órgãos federais ou sobre os atos de qualquer outra pessoa física ou jurídica que gerencie recursos federais [01], faz-se constantemente necessária a requisição de documentos e informações que sirvam como fonte para as análises a serem efetuadas.

O respaldo legal para estas requisições está contido no texto do artigo 26 da lei 10.180/2001, que possui a seguinte redação:

Art. 26. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado aos servidores dos Sistemas de Contabilidade Federal e de Controle Interno do Poder Executivo Federal, no exercício das atribuições inerentes às atividades de registros contábeis, de auditoria, fiscalização e avaliação de gestão.

§ 1º O agente público que, por ação ou omissão, causar embaraço, constrangimento ou obstáculo à atuação dos Sistemas de Contabilidade Federal e de Controle Interno, no desempenho de suas funções institucionais, ficará sujeito à pena de responsabilidade administrativa, civil e penal.

§ 2º Quando a documentação ou informação prevista neste artigo envolver assuntos de caráter sigiloso, deverá ser dispensado tratamento especial de acordo com o estabelecido em regulamento próprio.

§ 3º O servidor deverá guardar sigilo sobre dados e informações pertinentes aos assuntos a que tiver acesso em decorrência do exercício de suas funções, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios destinados à autoridade competente, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal.

§ 4º Os integrantes da carreira de Finanças e Controle observarão código de ética profissional específico aprovado pelo Presidente da República.

Trata-se, como se pode observar, de regra jurídica construída dentro de uma formulação hipotético-condicional, para a qual se fixou, na parte inicial do § 1º, uma hipótese de incidência (embaraçar, constranger ou obstaculizar), seguida, de uma conseqüência jurídica [02] que, neste caso, é a sujeição à necessária apuração de responsabilidade.

Ou seja, ao objetivar coibir determinado fato (sonegação de informações e documentos), a regra sob estudo, na verdade, veda a prática da conduta que o gera, que se traduz em embaraçar, constranger ou obstaculizar a ação do auditor, dificultando-lhe o acesso aos elementos necessários ao seu trabalho.

A regra, como se percebe pela leitura do § 1º, dirige-se ao agente público, sujeito passivo da ação de fiscalização. Cabe, contudo, verificar o alcance do conceito de agente público neste caso, tendo em vista que a própria Constituição Federal ampliou, por meio Emenda Constitucional n.º 19/1998 [03], o âmbito de atuação dos órgãos de controle externos e internos. Desta forma, e considerando que aqui tratamos de norma que pode vir a desdobrar-se em responsabilidade penal – § 1º, in fine –, temos que o conceito de agente público deve abranger também aqueles a quem o Código Penal, em seu art. 327, § 1º, chama de equiparados:... quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Por fim, para que o agente do Controle Interno possa exercer sua prerrogativa de acessibilidade – operada em benefício do interesse público de que haja, efetivamente, fiscalização – tal como descreve o caput do artigo 26, deve estar atuando no exercício regular de suas atribuições, ou seja, no desenvolvimento de trabalhos fiscalizatórios ou, ainda, de qualquer outro trabalho onde o Controle Interno atue com a imperatividade emanada da lei, prescindindo da vontade do sujeito fiscalizado [04].


3. Da preservação do sigilo.

Os parágrafos segundo e terceiro do dispositivo em tela, por suas vezes, tratam de tema relevante, qual seja o do acesso a informações protegidas por alguma forma de sigilo.

Inicialmente, há que se perquirir sobre qual o sigilo que aqui se quer proteger, se apenas os decorrentes de lei – os já conhecidos sigilos fiscal e bancário –, ou se também aqueles decorrentes de circunstâncias fáticas, mercadológicas ou societárias, com que frequentemente se deparam os agentes do Controle Interno, quando em fiscalizações sobre, por exemplo, empresas estatais, suas subsidiárias e controladas.

Parece-nos que ao não restringir objetivamente o tipo de sigilo a ser resguardado, e por tratar-se de regra que amplia a proteção a informações especiais, devemos considerar que deve ser dispensado tratamento especial a qualquer tipo de informação protegida por sigilo que venha a ser disponibilizada em razão do art. 26, sob comento. Obviamente que as hipóteses previstas em lei, como os sigilos bancário e fiscal, prescindem de justificativas fáticas para que se lhes dispense tal tratamento.

O mesmo, contudo, não ocorre em relação às demais matérias que podem ser alegadas pelos sujeitos passivos da fiscalização, cujos argumentos sejam fundados em questões fáticas potencialmente lesivas ao ente fiscalizado ou pessoa envolvida, como, por exemplo, a possibilidade de que a informação, uma vez divulgada, venha a gerar prejuízos financeiros à entidade, ou prejudicar-lhe determinada estratégia comercial, ou, ainda, que determinada informação possa vir a denegrir imagem de pessoa, geralmente administrador público, por fato ainda não totalmente esclarecido. Em tais casos, não havendo previsão legal expressa, deverá o Controle Interno analisar o caso à luz das circunstâncias, das regras objetivas e dos princípios, buscando verificar a valiosidade da informação que se quer proteger, e, principalmente, se é possível e coerente, no caso concreto, que se abra mão da publicidade e da transparência em favor da proteção desta informação.

Todavia, em todos os casos – sigilos fiscal, bancário e os demais –, tal decisão, a de dispensar tratamento especial às informações obtidas, deve ser formalmente postulada e sua concessão fundamentada.

O parágrafo segundo requer também que o órgão de Controle Interno institua regulamento para disciplinar o tratamento a ser dispensado aos documentos sigilosos. Tal tarefa impõe-se, com urgência, aos órgãos que dela ainda não se desincumbiram, pois a inação representa obstáculo internamente mantido ao exercício, em sua completude, da atividade fiscalizadora dos órgãos de controle. Devemos também considerar que aqui não há motivos para demoras ou omissões, pois tais regulamentos podem ser editados por normas infralegais, não se justificando o tempo que já decorre desde aprovação da lei, em 2001, até os dias de hoje, sem que tal assunto tenha alcançado solução.

No caso dos sigilos legalmente previstos, independentemente da existência de regulamento dos órgãos de controle para tratamento interno das informações, temos visto como comum que órgãos fiscalizados, como a Receita Federal, por exemplo, neguem ao Controle Interno o acesso aos documentos, processos e informações que, segundo sua interpretação, contêm informação protegida por sigilo fiscal. O argumento básico desta negativa é que o sigilo é estabelecido e estatuído por lei complementar (Código Tributário Nacional - CTN), e que a Lei n.º 10.180/2001 não teria força para mitigá-lo, eis que de natureza ordinária.

Ao nosso ver, não milita razão a este tipo de argumento, fundado na hierarquia das normas, tendo em causa que tais diplomas tratam de temas diferentes: o CTN preserva o sigilo fiscal como forma de proteção reflexa ao direito fundamental de preservação da intimidade e da vida privada [05], enquanto que a Lei n.º 10.180/2001 abre a possibilidade de que se requeira, no caso das fiscalizações que tenham como sujeito passivo a Receita Federal, informações sobre a atividade do órgão arrecadador com a finalidade de aferir se há, na atividade de gestão, a necessária observância das regras, procedimentos e princípios da administração pública, e a consonância com os objetivos e metas previstos no orçamento.

Ou seja, o Controle Interno não requer, via de regra, informações com a finalidade de acessar situação fiscal de contribuintes, mas sim com o objetivo de obter subsídios consolidados para avaliar a gestão tributária do órgão de arrecadação.

Nos casos em que o Controle Interno solicita informação de contribuinte é porque ali atua, fulcrado no inciso II do art 198 do CTN [06], seu braço correicional (função anexa ao Controle Interno, inserida pela Lei n.º 10.683/2003).

Tema que também importa salientar é a responsabilidade que o auditor do Controle Interno assume, por disposição do § 3º do art. 26, quando acessa informações de caráter sigiloso. O uso indevido destas informações o sujeita não somente às repercussões administrativas previstas em lei, mas também implica em responsabilização penal, uma vez que sua conduta poda configurar o tipo previsto no art. 325 do Código Penal: violação de sigilo profissional.


4. Da apuração de responsabilidade

A instauração do procedimento de apuração de responsabilidade pelo descumprimento, pelo sujeito passivo da fiscalização, da regra posta no artigo 26 da Lei 10.180/2001, não é ato discricionário do dirigente do Controle Interno. É dever.

Todo o poder conferido à autoridade pública traz consigo o dever de exercê-lo. Desta forma, tendo a lei estabelecido que a sonegação de informações e documentos implica em apuração de responsabilidade, não pode o agente do Controle Interno, conforme o juízo discricionário que faça de cada caso, decidir quando e regra deve ou não ser aplicada. Tratamos aqui de ato vinculado, previsto em lei, e não de um sistema de alternativas gerenciais postas à disposição do administrador.

Obviamente que a responsabilização efetiva do sujeito passivo dependerá do que vier a ser apurado no decorrer do processo previsto pela lei, onde deverão ser observadas todas as garantias legais (devido processo legal, ampla defesa e contraditório) aplicáveis a qualquer processo de apuração, por desígnio constitucional.

É, contudo, dever inicialmente posto ao auditor do Controle Interno, ao deparar-se, durante seus trabalhos, com a ocorrência de fato que possa configurar a obstaculização reprimida pelo art. 26, relatar o fato, em termo circunstanciado [07], aos seus superiores, para fins das providências prescritas.

Especial referência merece, em nosso entender, a forma pela qual o auditor deverá informar o fato aos seus superiores. Não podemos confundir o dever de reportar administrativamente o fato ocorrido, com a obrigação, também imposta ao auditor, de relatar a ocorrência técnica no âmbito do relatório de auditoria ou de fiscalização que é elaborado pelo auditor, no final do trabalho. A primeira exigência decorre de dever imposto ao servidor público em conseqüência do inciso VI, art. 116 da Lei n.º 8.112/90, e deve ser exercida de pronto; a segunda exigência é obrigação funcional decorrente da aplicação das normas técnicas de auditoria, que exigem o relato das restrições impostas ao trabalho auditorial.

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O dirigente do Controle Interno, por sua vez, notificado da irregularidade, após tomar as providências que entender razoáveis para resolver o problema em sede de entendimentos com o agente fiscalizado (visando à disponibilização da documentação), deverá, em não obtendo êxito, iniciar, de ofício, os atos tendentes a dar a necessária apuração ao fato, sob pena de omissão [08] no cumprimento do dever, eis que aqui não há direito dispositivo do administrador, mas regra cogente, protetiva da função estatal de Controle Interno, no resguardo do interesse público.

Cumpre também, ainda que perfunctoriamente neste estudo, divisar quais as providências a serem adotadas com a finalidade de realizar a conseqüência contida na regra, qual seja, a apuração de responsabilidades nas três esferas previstas no texto legal: administrativa, civil e penal.

Para a responsabilização administrativa, caberá ao próprio órgão de Controle Interno tomar as providências necessárias para que o processo seja instaurado e conduzido de forma adequada [09]. Obviamente que este tipo de responsabilidade somente pode ser exigida de servidor público que esteja vinculado a um regime jurídico que a preveja, e nos termos em que a prevê, identificando sempre o tipo legal violado.

Para a responsabilização na esfera civil, havendo indícios de improbidade [10], ao dirigente do Controle Interno caberá a notificação do Ministério Público e da Advocacia-geral da União, haja vista competência concorrente destes órgãos para a ação [11].

No caso da apuração penal, o fato deve ser informado ao Ministério Público, a fim de que, após análise, decida sobre eventual cabimento de imputação nesta seara.

Afora estas providências, persiste, obviamente, a necessidade de ciência ao Tribunal de Contas da União, haja vista o teor do comando contido no § 1º, art. 74, da CF/88: os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

O que importa, contudo, é que as medidas sejam levadas a efeito por quem tenha o dever de agir, de modo a evitar-se a proliferação deste tipo de prática que, na aparentemente simples indisponibilização de processos e documentos, muitas vezes oculta irregularidades de grande potencial lesivo e prejudicam a eficácia da ação do Controle Interno.


5. Conclusão

Encerramos este estudo reafirmando que a efetividade das ações do Controle Interno Constitucional depende da disposição de seus operadores em conferir consequências às suas atividades.

Tal efetividade encontra acolhimento na legislação. Contudo, ainda é preciso avançar na construção e consolidação da consciência de respeito à lei, eis que é este o traço distintivo entre as instituições que avançam e as que perecem.


Notas

01 Constituição Federal de 1988, art. 70, § 1º: Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

02 DWORKIN, Ronald. The models of rules. University of Chicago Law Review, 35/22.

03 Vide nota 1.

04 PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 9ª ed. P.166.

05 CF/88, art. 5º, inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

06 O art. 198, inciso II, do CTN permite o fornecimento de dados fiscais no caso de solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Redação dada pela EC 19/1998).

07 Lei 8.112/90: Art.116. São deveres do servidor: (...)VI-levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo.

08 Sobre o tema ver: CORRÊA, Bruno Gaspar de Oliveira. O comodismo e o especial fim de agir do crime de prevaricação. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8962.

09 Lei 10.683/2003: Art. 18. À Controladoria-Geral da União, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde.

§ 1o À Controladoria-Geral da União, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outros, e avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.

10 Lei 8.429/1992, artigo 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

11 Vigliar, José Marcelo Menezes. Improbidade administrativa – questões atuais e polêmicas. 2ª edição. São Paulo: Malheiros. 2003. pg. 287.

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Sobre o autor
Jerri Eddie Xavier Coelho

Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, Engenheiro (Universidade Federal de Santa Maria/RS), Bacharel em Direito (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Especialista em Administração Pública (CIPAD-FGV), Especialista em Direto Civil e Processual Civil (IDC/RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Jerri Eddie Xavier. A disponibilização de informações como condição para a efetividade da ação fiscalizadora do controle interno constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1615, 3 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10714. Acesso em: 22 dez. 2024.

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