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A constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91

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V. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS

38. O tema da prescrição e decadência tributárias de contribuições sociais foi enfrentado pela Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Parecer PGFN/CAT/N. 566/2005, da lavra do ilustre Procurador da Fazenda Nacional Ronaldo Affonso Nunes Lopes Baptista.

39. O eminente PFN, em resposta à consulta sobre os prazos decadenciais e prescricionais da COFINS, e a aplicabilidade dos indigitados arts. 45 e 46, Lei n. 8.212/91, em relação aos créditos tributários dessa referida contribuição social, intuiu que o ponto de partida decorre do prazo concedido para a homologação das declarações do sujeito passivo, nos termos do art. 150, § 4º, CTN:

"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

...

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação." – sublinha-se.

40. Sua Excelência, em seu aludido Parecer n. 566/2005, recorda precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região que reconhecem a constitucionalidade dos inquinados arts. 45 e 46, Lei n. 8.212/91, em consonância com o referido art. 150, § 4º, CTN, fortes na possibilidade de que lei específica disponha de forma diferente.

41. Merece transcrição o entendimento jurisprudencial vencedor sufragado pelo Egrégio TRF 1 (AC 96.01.56272-9, Relatora Juíza Vera Carla Cruz):

"Com o advento da Carta de 1988, a natureza tributária, em relação às contribuições sociais, tornou-se inequívoca, ex vi do disposto no caput do seu art. 149: Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Isso, em tema de prescrição e decadência, resultou na aplicação das normas respectivas da Codificação Tributária, vale dizer, dos arts. 150, § 4º, e 174. Em conseqüência, o prazo de ambos os institutos passou a ser de cinco anos, ressalvada a situação preconizada na parte inicial do art. 150, § 4º, do CTN, ou seja, da existência de um prazo de decadência diferente de cinco anos previsto em lei especial.

Essa hipótese excepcional se caracterizou com a edição da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, em cujo art. 45 estatui:

Art. 45. O direito da Seguridade Social de constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada.

Conforme o seu teor, o prazo de decadência é de dez anos e o seu termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".

42. Ante essa moldura, o eminente PFN Ronaldo Baptista destacou:

"A norma geral de tributação, lei complementar nos estritos moldes do art. 146 da CF, é aquela que regula o método pelo qual os prazos de decadência e prescrição serão contados, dispõe sobre as hipóteses de interrupção de prescrição e fixa regras a respeito do reinício de seu curso. Como diz Wagner Balera: ‘será a lei de tributação o lugar de definição do prazo de prescrição aplicável a cada tributo’."

43. Adequada a interpretação encetada pelo ilustre PFN Ronaldo Baptista. Com efeito, o próprio CTN dá azo à possibilidade de lei específica atribuir outro prazo decadencial, como bem percebido na jurisprudência do TRF 1.

44. Daí que, com as vênias de estilo, as decisões que decretaram as supostas inconstitucionalidades sob exame não merecem a preservação jurisprudencial do Excelso Supremo Tribunal Federal, visto que não houve invasão de competência constitucional privativa da lei complementar a ensejar a repressão judicial concedida.

45. Como é cediço, os institutos tributários da prescrição e da decadência estão regulados, nos aspectos gerais, no CTN. No caso das contribuições da seguridade social, os aspectos específicos estão disciplinados na mencionada Lei n. 8.212/91, arts. 45 e 46.

46. Nada obstante a indiscutível natureza tributária das contribuições sociais da seguridade social, nem todos os créditos da seguridade são oriundos das contribuições sociais e, conseqüentemente, não têm natureza tributária.

47. Eis o disposto no caput do art. 195, CF: "A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:..."

48. A Lei n. 8.212/91 estabelece:

"Art. 10. A Seguridade Social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos do art. 195 da Constituição Federal e desta Lei, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.

Art. 11. No âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das seguintes receitas:

I - receitas da União;

II - receitas das contribuições sociais;

III - receitas de outras fontes."

49. Isso demonstra claramente que nem todos os créditos da seguridade social têm natureza tributária. Portanto, não convém à aplicação radical do CTN e dos mandamentos constitucionais tributários em relação à seguridade social.

50. Independentemente dessa natureza "a-tributária" de algumas receitas da seguridade, insista-se que as contribuições sociais da seguridade social têm um regime constitucional específico, regulado no art. 195 da CF.

51. A jurisprudência do Excelso STF acolhe a natureza tributária das contribuições da seguridade social, mas reconhece a especificidade das contribuições da seguridade social, sobretudo no concernente a medidas político-legislativas ensejadoras de "perda" de receita para a seguridade social.

52. Candentes as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence: "Contribuição social é um tributo fundado na solidariedade social de todos para financiar uma atividade estatal complexa e universal, como é a da Seguridade" (ADI 1.441, Relator Ministro Octávio Gallotti, J. 28.06.1996, DJ 18.10.1996).

53. A jurisprudência do STF é favorável à seguridade social, haja vista as suas magnas finalidades essenciais: saúde, previdência e assistência. O STF reconhece que os valores recolhidos a título da seguridade social não pertencem ao Estado, mas à Sociedade, especialmente as parcelas menos favorecidas.

54. Isso não significa, por óbvio, que em nome dos setores sociais menos favorecidos o STF atropele mandamentos constitucionais ou legais. Ao contrário, são justamente esses setores que mais necessitam do respeito radical às normas jurídicas. Quem mais necessita de Direito são os destinatários da Seguridade Social.

55. Nessa senda, os institutos tributários da prescrição e da decadência devem ser compreendidos à luz das especificidades das contribuições sociais da seguridade social.

56. Os arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 não violaram o CTN nem a Constituição Federal. Esses referidos artigos legais devem ser interpretados em consonância com os arts. 97, VI, 150, § 4º, e 173 e 174, CTN.

57. O referido "obter dictum" do Ministro Carlos Velloso no recordado RE 138.284 deve ser lido de modo adequado, ou seja: assim como as demais espécies tributárias, as contribuições sociais também estão sujeitas aos prazos dos arts. 173 e 174 do CTN, salvo o disposto nos arts. 97, VI e 150, § 4º, do mesmo CTN.

58. A base de validade normativa dos objurgados arts. 45 e 46, Lei 8.212/91, está, repita-se, no próprio CTN (arts. 97, VI, e 150, § 4º).

59. A mesma linha de raciocínio aplica-se à controvérsia do art. 5º, parágrafo único, DL 1.569/77, em face do art. 18, § 2º, da Constituição de 1967/69.

60. Com efeito, a possibilidade de suspensão dos prazos decadenciais ou prescricionais não reclamavam – como ainda não reclamam – a edição de lei complementar.

61. Cuidando de uma situação similar (art. 40, Lei 6.830/80; LEF – Lei de Execuções Fiscais), o STF, no RE 106.217 (Relator Ministro Octávio Gallotti, J. 08.08.1986, DJ 12.09.1986) decidiu que o mencionado art. 40 da LEF não violava o art. 174 do CTN.

62. Prescreve o referido art. 40 da LEF: "O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrado bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não ocorrerá o prazo de prescrição".

63. Eis a ementa do aludido acórdão do RE 106.217:

"EXECUÇÃO FISCAL. A INTERPRETAÇÃO DADA, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, AO ART. 40 DA LEI N. 6.830-80, RECUSANDO A SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO POR TEMPO INDEFINIDO, E A ÚNICA SUSCEPTIVEL DE TORNÁ-LO COMPATIVEL COM A NARMA DO ART. 174, PARAGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, A CUJAS DISPOSIÇÕES GERAIS E RECONHECIDA A HIERARQUIA DE LEI COMPLEMENTAR."

64. O magistério doutrinário de Humberto Theodoro Jr. (Lei de Execuções Fiscais, Saraiva, São Paulo, 1993, p. 51) reverbera esse entendimento jurisprudencial:

"Vozes abalizadas, entre os tributaristas, têm se erguido contra a regra em questão, argüindo-lhe inconstitucionalidade, por conflitar com o Código Tributário Nacional, onde não se prevê semelhante causa interruptiva de prescrição. Não me parece acolhível tal censura. Se é certo que a prescrição, em si mesma, é mais uma figura de direito material do que processual, a forma de interrompê-la, na pendência do processo, é questão que se comporta perfeitamente entre as regras ou normas de direito processual civil, cujo tratamento legislativo incumbe ao legislador federal ordinário. Não se trata, portanto, de assunto privativo de lei complementar sobre normas gerais de direito tributário."

65. Ou seja, assim como o art. 40 da LEF é válido normativamente, porquanto desnecessária a edição de lei complementar, por não ser competência privativa desse instrumento legislativo, o art. 5º, parágrafo único, DL 1.569/77, também é válido normativamente, pelos mesmos fundamentos jurídicos.


VI. CONCLUSÕES

1ª A lei ordinária é competente para regular especificamente os prazos prescricionais ou decadenciais, e para regular a possibilidade de suspensão desses mencionados institutos tributários.

2ª Quando o legislador constituinte diz que compete ao legislador complementar estabelecer normas gerais de legislação tributária está dizendo que a norma terá aplicação e validade para os três Entes da Federação (União, Estados e Municípios). Nesse caso, geral significa nacional.

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3ª A norma geral deve disciplinar conceitualmente os institutos tributários, de modo a servir perfeitamente a todas as "Pessoas Políticas". A norma geral não deve descer a minúcias. Isso é da norma específica. A norma específica diz respeito apenas a cada Ente federativo e pode ser regulada por lei ordinária.

4ª A norma geral incide nacionalmente disciplinando conceitualmente os institutos tributários e é veiculada por lei complementar. A norma específica incide localizadamente disciplinando minuciosamente os institutos tributários e pode ser veiculada por lei ordinária.

5ª Não teria sentido a lei complementar (CTN) dizer que compete a ela – lei complementar – estabelecer o aludido rol de atribuições legais. É evidente que a lei referida no caput do referido art. 97 só pode ser a lei ordinária.

6ª Prescrição e decadência, segundo o CTN, art. 156, V, são hipóteses de extinção do crédito tributário. A regulação geral desses mencionados institutos tributários está contida nos arts. 173 e 174 do CTN. Nada obstante, não há vedação à regulação específica mediante lei ordinária.

7ª A adequada interpretação da alínea "b" do inciso III do art. 146, CF, conduz ao entendimento de que compete à lei complementar estabelecer a regulação geral sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. A regulação específica de cada um desses referidos institutos compete à lei ordinária.

8ª Se acaso vingar o entendimento sufragado de que a lei complementar esgota as referidas matérias, toda a legislação ordinária (federal, estadual e municipal) que discipline especificamente os institutos da obrigação, do lançamento, do crédito, da prescrição e da decadência, seria inconstitucional, por invasão à reserva constitucional da lei complementar.

9ª Nem todos os créditos da seguridade social têm natureza tributária. Portanto, não convém à aplicação radical do CTN e dos mandamentos constitucionais tributários em relação à seguridade social.

10ª Independentemente dessa natureza "a-tributária" de algumas receitas da seguridade, insista-se que as contribuições sociais da seguridade social têm um regime constitucional específico, regulado no art. 195 da CF.

11ª A jurisprudência do Excelso STF acolhe a natureza tributária das contribuições da seguridade social, mas reconhece a especificidade das contribuições da seguridade social, sobretudo no concernente a medidas político-legislativas ensejadoras de "perda" de receita para a seguridade social.

12ª Os arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 não violaram o CTN nem a Constituição Federal. Esses referidos artigos legais devem ser interpretados em consonância com os arts. 97, VI, 150, § 4º, e 173 e 174, CTN.

13ª Assim como as demais espécies tributárias, as contribuições sociais também estão sujeitas aos prazos dos arts. 173 e 174 do CTN, salvo o disposto nos arts. 97, VI, e 150, § 4º, do mesmo CTN.

14ª A possibilidade de suspensão dos prazos decadenciais ou prescricionais não reclamavam – como ainda não reclamam – a edição de lei complementar.

15ª Assim como o art. 40 da LEF é válido normativamente, porquanto desnecessária a edição de lei complementar, por não ser competência privativa desse instrumento legislativo, o art. 5º, parágrafo único, DL 1.569/77, também é válido normativamente, pelos mesmos fundamentos jurídicos.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1618, 6 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10719. Acesso em: 10 mai. 2024.

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