Sumário: I. A controvérsia constitucional; II. As ementas dos acórdãos do TRF 4; III. A tese da inconstitucionalidade; IV. A lei complementar de norma geral tributária; V. A prescrição e a decadência tributárias; VI. Conclusões.
Resumo: O presente artigo nasceu de memorial analítico de nossa lavra, distribuído aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Recursos Extraordinários 556.664, 559.882 e 560.626, todos sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. A discussão jurídica consiste na constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91 em face do art. 146, II, "b", da Constituição da República, e na constitucionalidade do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei n. 1.569/77 em face do art. 18, § 1º, da Constituição Federal de 1967/69.
Palavras-chave: Constitucional – Tributário – Processual – Prescrição – Decadência – Lei Complementar Tributária – Normas Gerais Tributárias – Campos Normativos Específicos - Contribuições Sociais – Seguridade Social.
I. A CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL
1. Em questão de ordem suscitada pelo Ministro Gilmar Mendes, com esteio nos arts. 21, IV e 328 do Regimento Interno do STF, e art. 543-B do Código de Processo Civil, o Colendo Supremo Tribunal assentou apreciar conjuntamente os referidos recursos extraordinários que cuidam da constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, em face do art. 146, III, "b", CF/88 (RREE 559.882 e 556.664), e da constitucionalidade do parágrafo único, art. 5º, do Decreto-Lei 1.569/77 em face do art. 18, § 1º, CF/67 (RE 560.626).
2. Eis os dispositivos infraconstitucionais controvertidos:
Lei n. 8.212, de 24.07.1991:
Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício forma, a constituição de crédito anteriormente efetuada.
Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.
Decreto-Lei n. 1.569, de 08.08.1977:
Art 5º Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor.
Parágrafo único - A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere.
3. Eis os dispositivos constitucionais supostamente violados:
Constituição de 1988:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
......................
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
.......................
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
Constituição de 1967/69:
Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:
.............................
§ 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.
4. A polêmica constitucional reside, portanto, nos prazos prescricionais e decadenciais de 10 anos das contribuições da seguridade social e acerca da possibilidade de suspensão de prazo prescricional nas execuções fiscais de pequeno valor ou de reduzida exeqüibilidade.
5. A dúvida consiste em saber se os aludidos conteúdos normativos deveriam ser veiculados por legislação complementar ou se poderiam ser regulados por legislação ordinária.
6. Em outras palavras: a expressão constitucional normas gerais de direito tributário alcança os prazos prescricionais e decadenciais em si? Alcança, inclusive, a sua suspensão?
7. Cuide-se que há dispositivos do Código Tributário Nacional – CTN (Lei n. 5.172, de 25.10.1966), que foi recepcionada pelo vigente ordenamento constitucional como Lei Complementar, também pertinentes:
: Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.Art. 150, § 4º
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
8. Eis a dificuldade constitucional: a existência de lei complementar regulando minuciosamente os temas da prescrição e decadência, inclusive quanto aos marcos temporais, afasta a possibilidade de lei ordinária regular esses aspectos?
9. A Fazenda Nacional entende competente a lei ordinária seja para regular especificamente os prazos prescricionais ou decadenciais, seja para regular a possibilidade de suspensão desses mencionados institutos.
10. Para a Fazenda Nacional inexistem as máculas de inconstitucionalidade nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e no art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77, debatidas nos referidos recursos extraordinários oriundos do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
II. AS EMENTAS DOS ACÓRDÃOS DO TRF DA 4ª REGIÃO
11. O Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região decretou a inconstitucionalidade dos aludidos dispositivos legais no julgamento de argüições de inconstitucionalidade vazadas em acórdãos que têm as ementas subseqüentes:
Art. 45 da Lei n. 8.212/91 (Argüição de Inconstitucionalidade no Agravo de Instrumento n. 2000.04.01.092228-3, Relator Amir Sarti, Corte Especial):
"ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – CAPUT DO ART. 45 DA LEI Nº 8.212/91.
É inconstitucional o caput do artigo 45 da Lei nº 8.212/91 que prevê o prazo de 10 anos para que a Seguridade Social apure e constitua seus créditos, por invadir área reservada à lei complementar, vulnerando, dessa forma, o art. 146, III, b, da Constituição Federal."
Art. 46 da Lei n. 8.212/91 (Argüição de Inconstitucionalidade no Agravo de Instrumento 2004.04.01.026097-8, Relator WELLINGTON MENDES DE ALMEIDA, Corte Especial):
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174 DO CTN. LEI 8.212/91, ART. 46. INCOMPATIBILIDADE VERTICAL COM O ART. 146, III, ''B'', DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. As contribuições de Seguridade Social, instituídas com suporte legitimador nos arts. 149 e 195 da Carta Política, revelam índole tributária, sobressaindo, por conseguinte, sua submissão aos ditames que disciplinam o Sistema Tributário Nacional talhado pelo Constituinte de 1988.
2. Assentando o art. 146, III, da Lei Maior que cumpre à lei complementar a tarefa de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência (alínea ''b''), e não havendo qualquer questionamento quanto à natureza jurídica de tributo envergada pelas contribuições previdenciárias, diante da ordem constitucional inaugurada em 1988, resulta vedado ao legislador ordinário imiscuir-se nesse mister. O art. 46 da Lei 8.212/91, portanto, assumindo feição de lei ordinária, não poderia dispor a respeito do prazo de prescrição para a cobrança das contribuições devidas à Seguridade Social.
Tendo invadido campo temático reservado à lei complementar, mostra-se incompatível com os ditames constitucionais.
3. Não se pode aceitar o argumento segundo o qual apenas o tratamento geral em torno da prescrição adstringir-se-ia à lei complementar, não existindo veto constitucional a que o legislador ordinário disponha, especificamente, sobre o prazo que se lhe deve emprestar. Deveras, a se enveredar por esta senda, estar-se-ia reconhecendo que a matéria em destaque não se conforma às normas gerais de direito tributário (CF, art. 146, inciso III). Noutras palavras, não exigiria tratamento uniforme em todos entes políticos da Federação, permitindo que cada Estado, cada Município, disponha, por intermédio de seus Poderes Legislativos, a respeito de qual o lapso inercial que corresponderá à extinção do crédito tributário pela ocorrência da prescrição. Este raciocínio, por certo, não se coaduna com a ratio que animou o Constituinte ao fazer inserir, de maneira expressa, o vocábulo "prescrição" na alínea ''b'' do inciso III do art. 146, dentre os temas que devem sujeitar-se à disciplina uniformizante traduzida pela lei complementar federal.
4. A circunstância de haver disposição contida no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66, art. 174) - que, sabidamente, fora recepcionado pela Carta de 1988 com estatura de lei complementar -, prevendo prazo diverso daquele agasalhado no art. 46 da Lei de Custeio, não transporta a questão para o plano da legalidade. Com efeito, é o legislador constituinte quem demarca o campo temático a ser preenchido pela referida espécie legislativa, incidindo na pecha de inconstitucionalidade o legislador ordinário que se proponha a fazê-lo. É dizer, lei ordinária que verse sobre tema reservado, por expressa previsão constitucional, à lei complementar, desvela-se inconstitucional. Eventual descompasso com lei complementar já em vigor configura situação meramente secundária, decorrente lógico da incompatibilidade com o ditame da Constituição, não conjurando, mas, ao revés, confirmando, a tisna de inconstitucionalidade.
5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 46 da Lei 8.212/91."
Art. 5º, parágrafo único, DL n. 1.569/77 (Argüição de Inconstitucionalidade na AC 2002.71.11.002402-4, Relator Antônio Ramos de Oliveira, Corte Especial):
"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL Nº 1569/77. INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE A CARTA DE 1967 (EC 01/69) - MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR.
1 - A Constituição de 1967, em sua redação original e naquela da EC 01/69, atribuiu à lei complementar dispor sobre normas gerais de direito tributário. A Lei nº 5.172, de 25/10/66, denominada "Código Tributário Nacional", foi recepcionada como lei complementar e cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários em seu artigo 174, fixando-lhes prazo de cinco anos e prevendo exaustivamente as hipóteses de sua interrupção.2 - Não poderia o parágrafo único do art. 5º do D.L. nº 1.569/77, diploma de inferior nível hierárquico, instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, tornando o crédito praticamente imprescritível, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar."
III. A TESE DA INCONSTITUCIONALIDADE
12. O argumento central favorável à inconstitucionalidade dos aludidos dispositivos reside em uma interpretação literal do art.146, III, "b", Constituição da República segundo a qual somente por lei complementar se pode legislar em relação aos institutos da prescrição e da decadência.
13. Fortalecem esse raciocínio os enunciados prescritivos dos arts. 173 e 174 do CTN que, além da regulação geral, normatiza especificamente os prazos desses institutos jurídico-tributários (a decadência e a prescrição).
14. Também alicerçam a tese da suposta inconstitucionalidade, manifestação em obter dictum do Ministro Carlos Velloso, nos autos do RE 138.284, que cuidava da constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, que tem o seguinte teor:
"A questão da prescrição e da decadência, entretanto, parece-me pacificada. É que tais institutos são próprios da lei complementar de normas gerais (art. 146, III, "b"). Quer dizer, os prazos de decadência e de prescrição inscritos na lei complementar de normas gerais (CTN) são aplicáveis, agora, por expressa previsão constitucional, às contribuições parafiscais (CF, art. 146, III, b; art. 149)".
15. Ante esse quadro normativo e jurisprudencial postula-se a decretação da inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais por suposta invasão à competência de lei complementar.
16. Tenha-se que a jurisprudência do STF já repeliu a tese de superioridade normativa da lei complementar em relação à lei ordinária (ADC 1, Relator Ministro Moreira Alves, J. 01.12.1993, DJ 16.06.1995), visto que cada um desses institutos legislativos (lei complementar e lei ordinária) têm específicos campos normativos. E, no caso da lei complementar, as hipóteses de incidência estão prévia e explicitamente dispostas no texto constitucional.
17. Ademais, a lei complementar não é superior à lei ordinária porque não lhe dá o suporte de validade normativa. Esse suporte é dado pela Constituição, como demonstrou magistralmente José Souto Maior Borges (Lei Complementar Tributária, RT, 1975, pp. 54-58).
IV. A LEI COMPLEMENTAR DE NORMA GERAL TRIBUTÁRIA
18. A adequada compreensão da controvérsia pressupõe o significado da expressão "normas gerais em matéria de legislação tributária".
19. É cediço que toda LEI, em princípio, é norma geral. É da essência da lei ser a norma geral e abstrata inovadora do ordenamento jurídico. Lei de norma geral, em uma leitura apressada, é pleonasmo. Por óbvio que o constituinte não seria pleonástico.
20. Essa expressão "norma geral" deve ser compreendida à luz da estrutura federativa brasileira, nos termos do art. 1º, caput; e art. 18, caput, da Constituição da República. Com efeito, há quatro espécies de leis na República brasileira: a nacional, a federal, a estadual e a municipal. A lei distrital oriunda do Distrito Federal faz às vezes de lei estadual ou de lei municipal. O DF ora recebe tratamento equivalente ao Estado ora ao Município.
21. A lei municipal tem como âmbito normativo o Município. A estadual o Estado. A federal os interesses da União ou dos órgãos federais. A lei nacional tem como âmbito tanto a União, quanto os Estados e os Municípios.
22. Portanto, quando o legislador constituinte diz que compete ao legislador complementar estabelecer normas gerais de legislação tributária está dizendo que a norma terá aplicação e validade para os três Entes da Federação (União, Estados e Municípios). Nesse caso, geral significa nacional.
23. A doutrina professada por Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário, Forense, Forense, 2005, p. 117) alberga esse entendimento, a saber:
"As normas gerais de Direito Tributário veiculadas pelas leis complementares são eficazes em todo território nacional, acompanhando o âmbito de validade espacial destas, e se endereçam aos legisladores das três ordens de governo da Federação, em verdade, seus destinatários. A norma geral articula o sistema tributário da Constituição às legislações fiscais das pessoas políticas (ordens jurídicas parciais). São normas sobre como fazer normas em sede de tributação." – negritou-se.
23. Sucede que, além de aplicável aos três Entes federativos, a norma geral deve disciplinar conceitualmente os institutos tributários, de modo a servir perfeitamente tanto à União, quanto para Estados e Municípios. A norma geral não deve descer a minúcias. Isso é da norma específica. A norma específica diz respeito apenas a cada Ente federativo e pode ser veiculada por meio de lei ordinária.
24. Eis a chave da questão. A norma geral incide nacionalmente disciplinando conceitualmente os institutos tributários e é veiculada por lei complementar. A norma específica incide localizadamente disciplinando minuciosamente os institutos tributários e pode ser veiculada por lei ordinária.
25. Isso significa, na esteira do magistério de Roque Antônio Carraza (Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros, 2000, pp. 575 e ss.), que a norma geral veiculada por lei complementar não deve descer ao detalhe. O detalhe é, repita-se, da norma específica veiculada por lei ordinária.
26. A competência normativa da lei complementar é, sobretudo, de natureza conceitual. A conceituação legal dos institutos tributários e o raio de alcance nacional é o âmbito de poder desse instrumento legislativo.
27. Preciosas são as lições de Misabel Derzi, na atualização da clássica obra Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar (Forense, 2005, pp. 117-118, Aliomar Baleeiro), ao surpreender o "império da legalidade tributária", dissertou:
"Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I, da Constituição, supõe a edição, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União, Estados, Distrito Federal ou Município) que, em seu conteúdo, determine:
a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material, pessoa, espacial, temporal);
b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-tributária (sujeito passivo – contribuinte e responsável – alíquota, base de cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento);
c) as desonerações tributárias como isenções, reduções, abatimentos, deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;
d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a anistia;
e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;
f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;
g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário.
O Código Tributário Nacional, interpretando corretamente a Constituição, em seu art. 97, traz o rol da matéria reservada privativamente à lei, sendo despida de validade a delegação de competência feita pelo Poder Legislativo ao Executivo, cujo objeto se referir a qualquer um dos temas ali elencados." – negrita-se.
28. O mencionado art. 97 do CTN prescreve:
"Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo." – negritou-se.
29. A conclusão inarredável é de que a lei mencionada, seja pela Constituição, seja pelo CTN (lei complementar material) é a lei ordinária. Não teria sentido a lei complementar dizer que compete a ela – lei complementar – estabelecer o aludido rol de atribuições legais. É evidente que a lei referida no caput do referido art. 97 só pode ser a lei ordinária.
30. Prescrição e decadência, segundo o CTN, art. 156, V, são hipóteses de extinção do crédito tributário. A regulação geral desses mencionados institutos tributários está contida nos arts. 173 e 174 do CTN. Nada obstante, não há vedação à regulação específica mediante lei ordinária.
31. Em verdade, a adequada interpretação da alínea "b" do inciso III do art. 146, CF, conduz ao entendimento de que compete à lei complementar estabelecer a regulação geral sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. A regulação específica de cada um desses referidos institutos compete à lei ordinária.
32. Se acaso vingar o entendimento sufragado de que a lei complementar esgota as referidas matérias, toda a legislação ordinária (federal, estadual e municipal) que discipline especificamente os institutos da obrigação, do lançamento, do crédito, da prescrição e da decadência, seria inconstitucional, por invasão à reserva constitucional da lei complementar.
33. O absurdo da tese inviabiliza a sua validade. Se somente por meio de lei complementar se puder legislar acerca desses institutos, todo o sistema tributário nacional estaria "falido" normativamente. Eis o despautério da tese.
34. A lição de Marcelo Leonardo Tavares (Direito Previdenciário, Lumen Juris, 2004, p. 360) corrobora esse entendimento:
"Entendo que estabelecer norma geral é delinear determinado instituto jurídico, dando-lhe contornos e estabelecendo princípios. A previsão de prazo não contém caráter de generalidade. É pontuação específica de duração do período. Trata-se, pois, de norma sem caráter geral e que poderia ter sido instituída por lei ordinária, mas que foi formalmente incluída em instrumento recepcionado como lei complementar (CTN). E, sendo assim, nada impede que uma lei ordinária posterior estipule de forma diversa, direcionada para uma espécie tributária. Sob esta ótica, inexiste inconstitucionalidade por invasão de competência material qualificada pelo art. 45 da Lei n. 8.212/91)." – sublinha-se.
35. Não discrepa dessa compreensão o recordado magistério de Roque Antônio Carraza (obra citada, 2003, p. 816):
"A lei complementar ao regular a prescrição e a decadência tributárias, deverá limitar-se a apontar diretrizes e regras gerais. Não poderá, por um lado, abolir os institutos em tela (que foram expressamente mencionados na Carta Suprema) nem, por outro lado, descer a detalhes, atropelando a autonomia das pessoas políticas tributantes. (...) Nesse sentido, os arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional, enquanto fixam prazos decadenciais e prescricionais, tratam de matéria reservada à lei ordinária de cada pessoa política. Portanto, nada impede que uma lei federal fixe novos prazos prescricionais e decadenciais para um tipo de tributo federal. No caso, para as contribuições previdenciárias."
36. O magistério do não menos autorizado Paulo de Barros Carvalho (O campo restrito das normas gerais de direito tributário, Revista dos Tribunais, 433/302) é mais radical:
"1º A norma geral é exceção no sistema; a regra é a exclusividade, na estrita consonância do discrimen constitucional. Sendo exceção, sua interpretação deve ser restritiva. O Congresso Nacional ao fazer uso desse importante instrumento legislativo, deverá interpretá-lo restritivamente;
2º A norma geral não pode criar tributos e, portanto, não é fonte de obrigação tributária. Como a Constituição não cria tributo algum, mas apenas atribui competência à União, aos Estados e aos Municípios para decretá-los, a lei complementar que, como o próprio nome indica, deverá complementá-la, também não poderá fazê-los; 3º Não podendo criar tributos, evidentemente, não poderá dispor acerca das formas de extinção. Se não pode dizer como nasce, é intuitivo que não possa também dizer como se exaurem as obrigações tributárias. Da mesma forma, não caberá às normas gerais dispor sobre exclusão, suspensão e constituição do crédito tributário, tão-somente porque tais matérias refogem, inteiramente, ao seu campo específico de competência;
4º Por via de conseqüência, grande parte das disposições do CTN –Lei n. 5.172, de 1966 – não é norma geral de direito tributário, se bem que venham sob esse título..."
37. É de ver, portanto, que há forte doutrina tributária que encampa a tese de que as normas gerais de direito tributário, reguladas por lei complementar, não deve mergulhar com profundidade nas minúcias dos institutos tributários, pois o fôlego normativo para esse mister é da legislação ordinária.