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A função social do direito na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho

24/11/2023 às 19:37
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O arcabouço normativo internacional e interno sobre a proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho serve para preservação do maior bem de qualquer pessoa humana: a vida.

Sumário: 1. Introdução. 2. O direito internacional na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho. 3. A incorporação do direito internacional de proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho no direito interno. 4. Definição de meio ambiente do trabalho, proteção da saúde e segurança do trabalhador. 5. Conclusão.

Palavras-Chave: Função social do direito. Proteção do trabalhador. Meio ambiente do trabalho.


1. Introdução

O presente estudo tem como objetivo principal demonstrar a relevância da função social do direito na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho. Desse modo, serão apresentadas, de forma sintética e objetiva, o marco normativo internacional e interno que foram construídos ao longo de décadas, com enfoque na criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, no Tratado de Versalhes e Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH.

Será abordada brevemente a importância da Carta Encíclica Rerum Novarum, sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, bem como as convenções, recomendações e protocolos da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

De igual modo, será abordado o mecanismo de incorporação do direito internacional de proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho no direito interno, trazendo posições doutrinárias.

Por fim, será realizada uma definição do meio ambiente do trabalho e as normas de direito interno de proteção, com base na Constituição Federal de 1988, na Lei Federal nº. 6.938/81 e as Normas Regulamentadoras do Trabalho expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

2. O direito internacional na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho

O trabalhador tem proteção nas normas de direito internacional e no direito interno. As referidas normas de direito internacional foram construídas ao longo de décadas, visando a proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho, no tocante a preservação da sua higidez física e psíquica.

O Tratado de Versalhes assinado em 28.06.1919 é um tratado de paz que pôs fim a Primeira Guerra Mundial, visando a promoção da cooperação internacional para alcançar a paz e a segurança, sendo o nascedouro da Liga das Nações, esta que tinha o objetivo de evitar futuros conflitos mundiais, sendo a antecessora da Organização das Nações Unidas – ONU.

Nesse contexto, como parte do tratado de Versalhes, foi criada em 1919 a Organização Internacional do Trabalho – OIT, para refletir a crença de que a paz universal e duradoura seria alcançada com base na justiça social.

A Organização Internacional do Trabalho – OIT foi fundada para promover a justiça social, tendo com missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um acesso a um trabalho decente e produtivo, tendo com um dos seus objetivos a definição e promoção de normas e princípios e direitos fundamentais do trabalho.2

O preâmbulo da constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT tem firme posição na proteção das condições de trabalho, incluindo a regulamentação do tempo de trabalho, oferta de mão de obra, prevenção ao desemprego, salário digno e a proteção social dos trabalhadores crianças, jovens e mulheres, além de lançar uma série de princípios fundamentais. Vejamos:

Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio “para igual trabalho, mesmo salário”, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;

Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.”3

(grifo e negrito nossos)

Cumpre destacar que a inspiração para proteção das condições de trabalho foi apoiada na Carta Encíclia Rerum Novarum, lançada pelo Papa Leão XIII em 1891, que refletiu a condição dos operários. Esse documento do magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, no capítulo 10, fez a seguinte reflexão sobre a condições dos operários e dos patrões:

Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.4

(grifo e negrito nossos)

Como se verifica no trecho supra, extraído da Carta Encíclia Rerum Novarum, há uma perfeita simetria com os objetivos da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Sendo assim, a partir da criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT é sistematizado um marco legal internacional na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho.

Cumpre salientar que a Declaração de Filadélfia foi uma declaração que teve a proposta de reafirmar os objetivos da OIT, inclusive na centralidade dos direitos humanos à política social, sendo adotada como anexo à Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT, servindo de modelo para a Carta das Nações Unidas e para Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH.

A Carta das Nações Unidas é um tratado que estabeleceu as Nações Unidas. A Carta foi assinada após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948, como um padrão comum a ser alcançado por todos os povos e nações.

Com relação a importância da Liga das Nações e da OIT, Flávia Piovesan assevera que “o direito humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho situam-se como os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos. Como se verá, para que os direitos humanos se internacionalizassem, foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de permitir o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional.”5

Os artigos 1, 4, 23, 24 e 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH também compõem o marco legal internacional na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho. Vejamos:

Artigo 1

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros com espírito de fraternidade.

Artigo 4

Ninguém deve ser mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 23

Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis ​​de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Todos, sem qualquer discriminação, têm direito a salário igual para trabalho igual.

Todo aquele que trabalha tem direito a uma remuneração justa e favorável que assegure a si e à sua família uma existência digna da dignidade humana, complementada, se necessário, por outros meios de proteção social.

Todos têm o direito de constituir e filiar-se em sindicatos para a proteção de seus interesses.

Artigo 24

Todos têm direito ao repouso e ao lazer, inclusive à limitação razoável do horário de trabalho e às férias periódicas remuneradas.

Artigo 25

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença , invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do casamento, gozarão da mesma proteção social.” 6

Na perspectiva normativa internacional, a Organização Internacional do Trabalho – OIT lançou dezenas de convenções, protocolos e recomendações, que compõem o arcabouço normativo internacional de proteção ao trabalhador e ao meio ambiente do trabalho.

As convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT são consideradas tratados internacionais sujeitos a ratificação por parte de cada um dos Estados Membros da OIT.

Por sua vez, os protocolos são instrumentos jurídicos vinculativos que exigem dos Estados Membros da OIT adotem medidas de prevenção, proteção e reparação para dar cumprimento as obrigações assumidas nas convenções.

Vejamos as convenções e protocolos da Organização Internacional do Trabalho – OIT:

“C012 - Convenção sobre Acidentes de Trabalho (Agricultura), 1921 (nº 12)

C014 - Convenção de Descanso Semanal (Indústria), 1921 (nº 14)

C029 - Convenção sobre Trabalho Forçado, 1930 (nº 29)

C077 - Convenção sobre Exame Médico de Jovens (Indústria), 1946 (nº 77)

C078 - Convenção sobre Exame Médico de Jovens (Profissões Não Industriais), 1946 (Nº 78)

C081 - Convenção de Inspeção do Trabalho, 1947 (nº 81)

C087 - Convenção sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito Sindical, 1948 (nº 87)

C088 - Convenção dos Serviços de Emprego, 1948 (nº 88)

C094 - Convenção sobre Cláusulas Trabalhistas (Contratos Públicos), 1949 (nº 94)

C095 - Convenção de Proteção ao Salário, 1949 (nº 95)

C097 - Convenção de Migração para Emprego (Revisada), 1949 (nº 97)

C098 - Convenção de Direito Sindical e de Negociação Coletiva, 1949 (nº 98)

C100 - Convenção de Igualdade de Remuneração, 1951 (Nº 100)

C102 - Convenção de Seguridade Social (Padrões Mínimos), 1952 (nº 102)

C105 - Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, 1957 (nº 105)

C106 - Convenção de Descanso Semanal (Comércio e Escritórios), 1957 (nº 106)

C110 - Convenção de Plantações, 1958 (nº 110)

C111 - Convenção sobre Discriminação (Emprego e Ocupação), 1958 (Nº 111)

C115 - Convenção de Proteção contra Radiação, 1960 (nº 115)

C118 - Convenção sobre Igualdade de Tratamento (Segurança Social), 1962 (nº 118)

C120 - Convenção de Higiene (Comércio e Escritórios), 1964 (nº 120)

C121 - Convenção de Benefícios por Lesão do Trabalho, 1964 [Anexo I alterado em 1980] (Nº 121)

C122 - Convenção de Política de Emprego, 1964 (nº 122)

C124 - Convenção sobre Exame Médico de Jovens (Trabalho Subterrâneo), 1965 (nº 124)

C128 - Convenção de Invalidez, Velhice e Sobrevivência, 1967 (n.º 128)

C129 - Convenção sobre Inspeção do Trabalho (Agricultura), 1969 (nº 129)

C130 - Convenção sobre Cuidados Médicos e Benefícios de Doença, 1969 (nº 130)

C131 - Convenção de Fixação de Salário Mínimo, 1970 (nº 131)

C135 - Convenção dos Representantes dos Trabalhadores, 1971 (nº 135)

C138 - Convenção da Idade Mínima, 1973 (nº 138)

C139 - Convenção sobre Câncer Ocupacional, 1974 (nº 139)

C140 - Convenção de Licença Educacional Remunerada, 1974 (nº 140)

C141 - Convenção das Organizações dos Trabalhadores Rurais, 1975 (nº 141)

C142 - Convenção de Desenvolvimento de Recursos Humanos, 1975 (nº 142)

C143 - Convenção sobre Trabalhadores Migrantes (Disposições Suplementares), 1975 (nº 143)

C144 - Convenção sobre Consulta Tripartida (Normas Internacionais do Trabalho), 1976 (nº 144)

C148 - Convenção sobre Meio Ambiente de Trabalho (Poluição do Ar, Ruído e Vibração), 1977 (nº 148)

C149 - Convenção do Pessoal de Enfermagem, 1977 (nº 149)

C150 - Convenção de Administração do Trabalho, 1978 (nº 150)

C151 - Convenção sobre Relações de Trabalho (Serviço Público), 1978 (nº 151)

C152 - Convenção de Segurança e Saúde Ocupacional (Trabalho portuário), 1979 (nº 152)

C154 - Convenção Coletiva de Trabalho, 1981 (nº 154)

C155 - Convenção de Saúde e Segurança Ocupacional, 1981 (nº 155)

C156 - Convenção dos Trabalhadores com Responsabilidades Familiares, 1981 (n.º 156)

C157 - Convenção sobre Manutenção dos Direitos da Seguridade Social, 1982 (nº 157)

C159 - Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego (Pessoas com Deficiência), 1983 (Nº 159)

C160 - Convenção de Estatísticas do Trabalho, 1985 (nº 160)

C161 - Convenção sobre Serviços de Saúde Ocupacional, 1985 (nº 161)

C162 - Convenção do Amianto, 1986 (nº 162)

C167 - Convenção sobre Segurança e Saúde na Construção, 1988 (nº 167)

C168 - Convenção de Promoção e Proteção do Emprego contra o Desemprego, 1988 (nº 168)

C169 - Convenção dos Povos Indígenas e Tribais, 1989 (nº 169)

C170 - Convenção de Produtos Químicos, 1990 (nº 170)

C171 - Convenção do Trabalho Noturno, 1990 (nº 171)

C172 - Convenção sobre Condições de Trabalho (Hotéis e Restaurantes), 1991 (nº 172)

C173 - Convenção de Proteção de Reclamações dos Trabalhadores (Insolvência do Empregador), 1992 (Nº 173)

C174 - Convenção de Prevenção de Acidentes Industriais Graves, 1993 (nº 174)

C175 - Convenção de Trabalho em Tempo Parcial, 1994 (Nº 175)

C176 - Convenção de Segurança e Saúde em Minas, 1995 (nº 176)

C177 - Convenção do Trabalho Domiciliar, 1996 (nº 177)

C181 - Convenção das Agências Privadas de Emprego, 1997 (nº 181)

C182 - Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999 (nº 182)

C183 - Convenção de Proteção à Maternidade, 2000 (nº 183)

C184 - Convenção sobre Segurança e Saúde na Agricultura, 2001 (nº 184)

C185 - Convenção sobre Documentos de Identidade dos Marítimos (revisada), 2003, conforme alterada (nº 185)

MLC, 2006 - Convenção do Trabalho Marítimo, 2006 (MLC, 2006)

C187 - Estrutura Promocional para Convenção de Saúde e Segurança Ocupacional, 2006 (nº 187)

C188 - Convenção do Trabalho na Pesca, 2007 (nº 188)

C189 - Convenção dos Trabalhadores Domésticos, 2011 (nº 189)

C190 - Convenção sobre Violência e Assédio, 2019 (nº 190)

P029 - Protocolo de 2014 à Convenção do Trabalho Forçado, 1930

P081 - Protocolo de 1995 à Convenção de Inspeção do Trabalho, 1947

P089 - Protocolo de 1990 à Convenção do Trabalho Noturno (Mulher) (Revisado), 1948

P110 - Protocolo de 1982 à Convenção de Plantações, 1958”

P155 - Protocolo de 2002 à Convenção de Saúde e Segurança Ocupacional, 19817

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As recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT são instrumentos não vinculativos que servem de orientação geral para as políticas nacionais. Atualmente são mais de 200 (duzentas) recomendações que abordam diversas matérias relacionadas as relações de trabalho.

Segundo Flávia Piovesan, “apresentado o breve perfil da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário, pode-se concluir que tais institutos, cada qual a seu modo, contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos”.8

3. A incorporação do direito internacional de proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho no direito interno

Passando do direito internacional para o direito interno, as convenções e protocolos da Organização Internacional do Trabalho – OIT, têm aplicação no direito brasileiro, pois são consideradas normas que versam sobre direitos humanos, conforme previsão no artigo 5º, § 2º e §3º da Constituição Federal de 1988. Vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.9

(grifo e negrito nossos)

Para Fábio Konder Comparato, a aplicação dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos “exprimem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado” e “no plano internacional, ninguém mais contesta o princípio da supremacia absoluta da norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)10

Nessa mesma ordem de ideias, sobre a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos no direito interno, com base no artigo 5º, §1º da Constituição de 1988, Flávia Piovesan, citando Antônio Augusto Cançado Trindade, destaca:

“se para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar às suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais nele garantidos, consoante os arts. 5º (2) e 5º (1) da Constituição brasileira de 1988, passam a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno”.11

Nesse aspecto, resta configurada a concepção monista, pela qual o direito internacional e o direito interno formam uma mesma ordem jurídica, superando a concepção dualista, que defende a existência de duas ordens jurídicas diversas e independentes.

Por sua vez, os doutrinadores Nelson Nery Jr. e Georges Abboud, com relação a incorporação dos tratados internacionais, assevera que:

“... se o tratado versar sobre direitos fundamentais e for submetido ao procedimento previsto no artigo §3º do art. 5º da CF, passará a ser texto constitucional. Do contrário, adquiriria caráter de supralegalidade. Nesse contexto é que deve ser compreendida a questão do controle de convencionalidade no Brasil: se atendido o §3º do art. 5º da CF e o tratado passar a valer como texto constitucional, logo, ele se torna parâmetro para controle de constitucionalidade, seja difuso ou concentrado. Em contrapartida, se o tratado sobre direitos humanos for recepcionado, mas não se submeter ao §3º do art. 5º da CF, ele, em conformidade com a jurisprudência do STF, integrará o nosso ordenamento com caráter supralegal, ou seja, acima da legislação ordinária. Desse modo, admite-se que o controle de convencionalidade tendo com parametricidade o tratado inclusive em razão do critério de hierarquia normativa.”12

Marianna Alves Rebucci, no artigo denominado “Transconstitucionalismo: as bases de um constitucionalismo global e breves notas sobre a experiência nacional no tema” sobre o ingresso das tratativas de direitos humanos, destaca que:

“A despeito desse entendimento, convém relembrar o já defendido alhures acerca da caminhada evolutiva dos direitos humanos e direitos fundamentais, apontando assim uma mesma materialidade conceitual, que é imanentemente constitucional. Destarte, convém entender que as tratativas de direitos humanos acabam por ingressar no chamado bloco de constitucionalidade, como medida garantidora da dignidade humana, alçada em 1988 como fundamento da República Federativa Brasileira.”13

Nessa mesma perspectiva, Ricardo Cavedon, quanto a recepção dos tratados internacionais de direitos humanos na Constituição interna, afirma que:

“Há de se destacar assim o entendimento de que mesmo não recepcionado o tratado pelo quórum qualificado, mas sendo de inequívoca característica e direito humanitário, direitos fundamentais, portanto, há de se entender que integra o conceito de bloco de constitucionalidade em sentido amplo, sendo portanto este o parâmetro a se seguir. Mas protetivo aos direitos humanos, ainda que ostente caráter supralegal, deve-se lhe conferir natureza de parâmetro interpretativo para a colmatação de normas jurídicas domésticas.”14

Assim sendo, temos a compreensão de que os tratados internacionais de direitos humanos, bem como as convenções e protocolos da Organização Internacional do Trabalho – OIT, têm aplicação no direito brasileiro.

4. Definição de meio ambiente do trabalho, proteção da saúde e segurança do trabalhador

O meio ambiente do trabalho tem proteção no direito interno no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, inclusive com sanções penais e administrativas, além do dever de reparar os danos causados, prevista no §3º do citado artigo. Vejamos:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

(grifo e negrito nossos)

A descrição do meio ambiente também está inserida no artigo 3º, inciso I da Lei Federal nº. 6.938/81, qual seja: “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.15

Dessa forma, o meio ambiente pode ser classificado como físico, natural, artificial, cultural ou meio ambiente do trabalho, cuja proteção é um dever de todos (estado, coletividade, empregado e empregador).

A proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho está assegurada na Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, inciso XXII, que prevê a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Logo, podemos concluir que o direito ao meio ambiente de trabalho saudável também é um dos direitos fundamentais do trabalhador, sendo que neste prisma, as normas de direito internacional e o marco normativo interno cumprem uma importante função social, na preservação de um meio ambiente equilibrado, bem como a proteção e manutenção da vida humana.

A proteção do meio ambiente do trabalho visa também a prevenção de acidentes, que pode, em caso de ocorrência, interromper abruptamente a vida do trabalhador.

Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, “a gravidade do problema acidentário levou diversos países, organizações e, finalmente a Organização Internacional do Trabalho – OIT, desde 2001, a instituir o dia 28 de abril de cada ano como “Dia Mundial pela Saúde e Segurança do Trabalho”.16

A saúde e segurança do trabalhador no meio ambiente do trabalho também encontra proteção na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (artigo 154 e seguintes) em total simetria com as normas regulamentadoras (NR’s) do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.

As normas regulamentadoras NR’s consistem em obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho.

As primeiras 28 (vinte e oito) normas regulamentadoras foram publicadas pela Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho de 197817. Atualmente existem 38 (trinta e oito) NR’s vigentes, sendo que a NR-2 (inspeção prévia) e NR-27 (registro profissional do técnico de segurança do trabalho) estão revogadas. Vejamos:

NR-1 - DISPOSIÇÕES GERAIS E GERENCIAMENTO DE RISCOS OCUPACIONAIS

NR-2 - INSPEÇÃO PRÉVIA (REVOGADA)

NR-3 - EMBARGO E INTERDIÇÃO

NR-4 - SERVIÇOS ESPECIALIZADOS EM SEGURANÇA E EM MEDICINA DO TRABALHO

NR-5 - COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES

NR-6 - EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI

NR-7 - PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL

NR-8 - EDIFICAÇÕES

NR-9 - AVALIAÇÃO E CONTROLE DAS EXPOSIÇÕES OCUPACIONAIS A AGENTES FÍSICOS, QUÍMICOS E BIOLÓGICOS

NR-10 - SEGURANÇA EM INSTALAÇÕES E SERVIÇOS EM ELETRICIDADE

NR-11 - TRANSPORTE, MOVIMENTAÇÃO, ARMAZENAGEM E MANUSEIO DE MATERIAIS

NR-12 - SEGURANÇA NO TRABALHO EM MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS

NR-13 - CALDEIRAS, VASOS DE PRESSÃO E TUBULAÇÕES E TANQUES METÁLICOS DE ARMAZENAMENTO

NR-14 - FORNOS

NR-15 - ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES

NR-16 - ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS

NR-17 - ERGONOMIA

NR-18 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO

NR-19 - EXPLOSIVOS

NR-20 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO COM INFLAMÁVEIS E COMBUSTÍVEIS

NR-21 - TRABALHOS A CÉU ABERTO

NR-22 - SEGURANÇA E SAÚDE OCUPACIONAL NA MINERAÇÃO

NR-23 - PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIOS

NR-24 - CONDIÇÕES SANITÁRIAS E DE CONFORTO NOS LOCAIS DE TRABALHO

NR-25 - RESÍDUOS INDUSTRIAIS

NR-26 - SINALIZAÇÃO DE SEGURANÇA

NR-27 - REGISTRO PROFISSIONAL DO TÉCNICO DE SEGURANÇA DO TRABALHO (REVOGADA)

NR-28 - FISCALIZAÇÃO E PENALIDADES

NR-29 - NORMA REGULAMENTADORA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO PORTUÁRIO

NR-30 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO AQUAVIÁRIO

NR-31 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA AGRICULTURA, PECUÁRIA SILVICULTURA, EXPLORAÇÃO FLORESTAL E AQUICULTURA

NR-32 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

NR-33 - SEGURANÇA E SAÚDE NOS TRABALHOS EM ESPAÇOS CONFINADOS

NR-34 - CONDIÇÕES E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, REPARAÇÃO E DESMONTE NAVAL

NR-35 - TRABALHO EM ALTURA

NR-36 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM EMPRESAS DE ABATE E PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS

NR-37 - SEGURANÇA E SAÚDE EM PLATAFORMAS DE PETRÓLEO

NR-38 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NAS ATIVIDADES DE LIMPEZA URBANA E MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS18

Todo o arcabouço normativo internacional e interno supracitado sobre a proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho serve para preservação do maior bem de qualquer pessoa humana, a vida. Nessa perspectiva, Teresinha Saad, destaca:

“A vida humana tem, certamente, um valor econômico. É um capital que produz, e os atuários matemáticos podem avalia-lo. Mas a vida do homem possui também valor espiritual inestimável, que não se pode pagar com todo o dinheiro do mundo. Nisto consiste, sobretudo o valor da prevenção, em que se evita a perda irreparável do pai, do marido e do filho; enfim, daquele que sustenta o lar proletário, e preside os destinos de sua família. Por mais que se despenda com a prevenção racional, ela será sempre menos onerosa que o sistema de indenizações, além de evitar oportunidade de discórdia entre elementos essenciais da produção, do capital e do trabalho.”19

Por fim, para concluir essas breves linhas, destaco os ensinamentos do Papa Leão XIII, lançadas na Carta Encíclica Rerum Novarum:

“Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do cristão O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços.”20

5. Conclusão

As normas de direito internacional, em especial as convenções, protocolos e recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH são importantes instrumentos protetivos do trabalhador e do meio ambiente do trabalho, servindo de base para aprimoramento e aperfeiçoamento do direito interno dos Estados membros da OIT.

A incorporação dessas normas internacionais no direito interno é extremamente importante para cumprir e se fazer cumprir a função social do direito na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho.

O status constitucional das normas internacionais, por serem consideradas normas que versam sobre direitos humanos, e a legislação infralegal de proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho visam a proteger a dignidade inviolável da pessoa humana.


  1. ......

  2. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm . Acesso em: 15.06.2023.

  3. Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf Acesso em: 14.06.2023.

  4. Papa Leão XIII. Carta Encíclica Rerum Novarum. Sobre a condição dos operários. Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html . Acesso em: 14.06.2023.

  5. PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 20ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2022. p. 213.

  6. Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH. Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights . Acesso em: 14.06.2023.

  7. Convenções e Protocolos da OIT extraídas do NORMLEX – Sistema de Informação sobre Normas Internacionais do Trabalho. Disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:12000:::NO:::. Acesso em: 14.06.2023.

  8. Idem 4 – p. 216

  9. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 14.06.2023.

  10. COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 9ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2015. p. 74/75.

  11. PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 20ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2022. p. 176.

  12. NERY JUNIOR. Nelson. Direito Constitucional brasileiro : Curso completo / Nelson Nery Junior, Georges Abboud. 2ª Ed. São Paulo. Thompson Reuters Brasil, 2019. p. 954-955.

  13. PIOVESAN, Flávia. (coord.). Direitos humanos na ordem contemporânea: proteção nacional, regional e global. / Flávia Piovesan, Melina Girardi Fachin (coords.). Curitiba. Juruá, 2015. p. 41/42

  14. Idem 13. p. 68.

  15. BRASIL. LEI 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm . Acesso em: 15.06.2023.

  16. OLIVEIRA. Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 13ª Ed. São Paulo. Editora Juspodivm, 2022, p. 30

  17. Portaria MTb nº. 3.214 de 8 de junho de 1978. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/sst-portarias/1978/portaria_3-214_aprova_as_nrs.pdf . Acesso em: 15.06.2023

  18. Relação das normas regulamentadoras disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/normas-regulamentadoras-nrs . Acesso em: 14.06.2023.

  19. SAAD. Teresinha L. P. Responsabilidade civil da empresa nos acidentes do trabalho. 3ª Ed. São Paulo. LTr, 1999, p. 34

  20. Idem 4.

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Sobre o autor
Marcos Fernando Lopes

Mestrando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP); Pós graduado em direito e processo do trabalho pela Faculdade Metropolitana Unidas - FMU; Pós graduado em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD. Especialista em perícia judicial e extrajudicial pela Universidade Estácio de Sá. Contabilista. Advogado. Conselheiro no Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Marcos Fernando. A função social do direito na proteção do trabalhador no meio ambiente do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7450, 24 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107314. Acesso em: 2 nov. 2024.

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