O presente artigo pretende explicitar alguns conceitos basilares em matéria de Regularização Fundiária Urbana - REURB, conforme estatuída na Lei nº 13.465/17, regulamentada por meio do Decreto Federal nº 9.310/18.
Nesse diapasão questiona-se:
O que é Reurb, quais as suas modalidades e qual a legislação que rege a matéria?
Quem são os legitimados a requerer a instauração do procedimento e quem detém a competência para expedir a CRF?
Quais os critérios para se classificar a Reurb como de Interesse Social, de Interesse Específico ou Inominada?
Qual o objeto de cada modalidade de Reurb?
Qual o procedimento de cada Modalidade de Reurb?
Delimitado a extensão do tema, passa-se à análise de cada questionamento suscitado.
1. CONCEITO DE REURB, MODALIDADES E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
a) Conceito e Modalidades
Conforme leciona Michely Freire F. Cunha, a Reurb – Regularização Fundiária de Imóveis Urbanos, como:
(...) como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes, conforme art. 9º da Lei nº 13.465/17. 1
Desse conceito já se extrai que a Reurb propõe exatamente a regularização fundiária, por meio do procedimento previsto em lei, dos núcleos urbanos informais visando integrá-los ao ordenamento territorial urbano, através de medidas que conferem segurança jurídica às relações constituídas. Essa regularização, ressalta-se, contempla uma série de medidas que buscam tratar da irregularidade não somente na esfera registral, mas também no aspecto urbanístico, ambiental e social. Vejamos o teor do art. 9º, da Lei nº 13.465/17:
Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
Cumpre notar, uma vez mais, que a Reurb, busca regularizar o que não está regularizado, ou seja, os núcleos urbanos informais. A lei nº 13.465/2017, define o que é núcleo urbano informal, em seu art. 11, II, III:
II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;
III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;
Pois bem, desse conceito, podem ser extraídas quatro características, cumulativas ou não, que conferem feição aos núcleos urbanos informais:
Clandestino - ou seja, compreendem áreas invadidas, ou ainda áreas onde se edificou sem autorização do Município. Não houve prévio loteamento e/ou aprovação;
Irregular - embora tenha havido algum loteamento, este por algum motivo não foi implantado e/ou aprovado pelo órgão público, ocorrendo uma ocupação desordenada da área;
Sem titulação dos ocupantes - neste caso houve a aprovação do loteamento pelo município. Houve até mesmo a abertura de matrícula geral da área loteada, contudo, não houve titulação dos ocupantes dos lotes;
Consolidação da área - trata-se de casos onde a ocupação é antiga, e não pode ser revertida para enquadramento nos índices urbanísticos atuais, ou seja, o traçado das ruas e as características das edificações, não permitem que seja aplicada a legislação urbanística;
Esclarecidos os conceitos de Reurb e Núcleo Urbano Informal, ressalta-se que a Reurb, pode ser de Interesse Social – Reurb-S ou de Interesse Específico, Reurb-E, conforme art. 13, I, II, da Lei º 13.465/2017:
Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:
I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e
II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.
Consta ainda a figura da Reurb Inominada, oriunda da interpretação do art. 69 da Lei nº 13.465/2017:
Art. 69. As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que não possuírem registro, poderão ter a sua situação jurídica regularizada mediante o registro do parcelamento, desde que esteja implantado e integrado à cidade, podendo, para tanto, utilizar-se dos instrumentos previstos nesta Lei.
Conforme se observa, a Reurb Inominada somente se aplica aos núcleos urbanos, onde tenha havido parcelamento do solo urbano, para fins urbanísticos, antes de 19/12/1979, desde que não tenham sido registrados e estejam plenamente integrados à cidade.
b) Legislação aplicável
No atinente à legislação, o marco legislativo referencial é a Lei Federal nº 13.465/2017, regulamentada pelo Decreto nº 9.310/2018. Ressalte-se, que o Município de São Luís, assim como muitos outros, ainda não possui legislação específica sobre Regularização Fundiária se socorrendo, portanto, na legislação federal.
Frisa-se, por fim, especialmente no âmbito do Estado do Maranhão, que a Corregedoria do Tribunal de Justiça do aludido Estado, editou o Provimento nº 10/2022, estabelecendo normas gerais para o Registro notarial da Regularização Fundiária.
2. COMPETÊNCIA PARA EXPEDIÇÃO DA CRF E ROL DE LEGITIMADOS PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE REURB
a) Competência para Expedição da CRF
Conforme a delineia a Lei nº 13.465/2017, a competência para expedir a Certidão de Regularização Fundiária é do Município ou Distrito Federal. Vejamos:
Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se: (...) V - Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos;
No mesmo sentido, é a disposição do art. 23, do Dec. Nº 9.310/2018:
Art. 23. Compete aos Municípios nos quais estejam situados os núcleos urbanos informais a serem regularizados e ao Distrito Federal:
I - classificar, caso a caso, as modalidades da Reurb;
II - processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária; e
III - emitir a CRF.
Note-se que as instâncias notariais e urbanísticas não podem ser confundidas. É possível que na matrícula do imóvel no RGI, ele esteja situado em área da União ou Estado, no entanto, do ponto de vista urbanístico, a área quase sempre estará em um Município.
b) Legitimados para requerer e Formas de Custeio da Reurb
O art. 14 da Lei nº 13.465/2017, estabelece o rol de legitimados:
Art. 14. Poderão requerer a Reurb:
I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta;
II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana;
III - os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores;
IV - a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes; e
V - o Ministério Público.
Feito o Requerimento, caberá ao Município instaurar, processar e aprovar o Projeto de Regularização Fundiária, conforme o teor dos arts. 25 e 26 do Dec. Nº 9.310/2018:
Art. 25. A Reurb será instaurada por decisão do Município, por meio de requerimento, por escrito, de um dos legitimados de que trata este Decreto.
Parágrafo único. Na hipótese de indeferimento do requerimento de instauração da Reurb, a decisão do Município ou do Distrito Federal deverá indicar as medidas a serem adotadas com vistas à reformulação e à reavaliação do requerimento, quando for o caso.
Art. 26. Instaurada a Reurb, compete ao Município ou ao Distrito Federal aprovar o projeto de regularização fundiária, do qual deverão constar as responsabilidades das partes envolvidas.
Ressalte-se que caso a área seja de titularidade de ente público (União ou Estado), caberá ao respectivo ente a classificação da Modalidade de Reurb, bem como a elaboração e custeio do Projeto de Regularização Fundiária, obviamente sujeito à aprovação pelo Município, que inclusive poderá alterar o projeto, conforme dá conta o art. 23, § 1º, c/c art. 26, § 1º, a c/c art. 24, § 3º, do Dec. 9.310/2018.
Com relação às despesas com implantação de benfeitorias, serviços de drenagem, pavimentação, esgoto, energia elétrica, e demais serviços ligados a concretização de uma Infraestrutura Essencial, o Decreto nº 9.310/2018, estabelece em seu art. 26, § 4º, a possibilidade de celebração de Termo de Compromisso a ser ajustado entre União, Estado e Município, caso se trate de área pública, in verbis:
§ 4º Quando a área a ser regularizada for pública, termo de compromisso poderá ser celebrado entre o Poder Público titular e o Poder Público municipal ou distrital para fins de elaboração do projeto de regularização fundiária e implantação da infraestrutura essencial, dos equipamentos comunitários e das melhorias habitacionais previstas nos projetos de regularização fundiária.
Mencione-se, por fim, a previsão de criação de Câmaras de Prevenção e Resolução administrativa de conflitos, com o fito de tratar precisamente das questões conflituosas que surjam no âmbito da instauração, processamento e tramitação dos processos de Regularização Fundiária, conforme o art. 27 do Dec. nº 9.310/2018.
3. DOS CRITÉRIOS PARA A CLASSIFICAÇÃO DA REURB EM: DE INTERESSE SOCIAL, ESPECÍFICO E INOMINADA E RESPECTIVOS OBJETOS DE ANÁLISE
Inicialmente é importante entender que a classificação/escolha da modalidade de Reurb a ser empregada, constitui uma etapa do procedimento 2.
De acordo com a legislação de regência, e conforme já exposto alhures, essa classificação, em regra, compete ao Município, excetuando-se os casos em que o requerimento de Reurb for promovido pela União ou pelo Estado.
Vejamos, pormenorizadamente como se proceder a essa classificação:
a) Reurb-S
Em se tratando de Reurb-S, o principal critério é a renda. Veja-se o teor do art. 6º, p.ú, do Dec. 9.310/2018:
Art. 6 º Para a classificação da Reurb na modalidade Reurb-S, a composição ou a faixa da renda familiar para definição de população de baixa renda poderá ser estabelecida em ato do Poder Público municipal ou distrital, consideradas as peculiaridades locais e regionais de cada ente federativo.
Parágrafo único. A renda familiar prevista no caput não poderá ser superior ao quíntuplo do salário mínimo vigente no País.
O Decreto em questão estabeleceu, com clareza, uma faixa de renda que deverá ser levada em consideração para a fixação da modalidade de Reurb a ser implementada, especialmente se for uma Reurb-S. Importante destacar que, caso se classifique a Reurb como de interesse social, haverá isenção de taxas e emolumentos na fase de registro em cartório, conforme dispõe art. 13º, § 1º, da lei 13.465/17.
b) Reurb-E
Caso se trate de Reurb de Interesse Específico, pelo menos três situações podem levar à sua adoção. Vejamos:
1. Em núcleos urbanos residenciais, cuja faixa de Renda da população seja acima de cinco salários-mínimos;
2. Em núcleos urbanos informais constituídos de edificações não residenciais, conforme o teor do art. 5, § 6º, verbis:
§ 6º A regularização fundiária de núcleos urbanos informais constituídos por unidades imobiliárias não residenciais poderá ser feita por meio de Reurb-E.
3. Em se tratando de Loteamento já Aprovado e Registrado o perímetro em cartório, caso em que a REURB-E/CRF servirá apenas para Titulação de lote eventualmente não regularizado. Vejamos o art. 21, § 2, II, Dec. nº 9.310/2018:
§ 2º A elaboração do projeto de regularização fundiária é obrigatória para qualquer Reurb, independentemente do instrumento que tenha sido utilizado para a titulação, exceto: (...) II - quando se tratar de núcleos urbanos já regularizados e registrados em que a titulação de seus ocupantes se encontre pendente.
Nesse mesmo sentido é o art. 38, p.ú., do mesmo Decreto:
Art. 38 (...) Parágrafo único. A CRF, na hipótese de Reurb somente para titulação final dos beneficiários de núcleos urbanos informais já registrados junto ao cartório de registro de imóveis, dispensa a apresentação do projeto de regularização fundiária aprovado.
Obviamente, nesta última situação, caso a área tenha sido objeto de uma Reurb-S anterior, aquele ocupante, preenchido os requisitos da Reurb-S, poderá gozar a isenção de taxas e emolumentos em cartório.
Note-se que nessa hipótese, poderá haver a Reurb-E de um único lote específico, uma vez que já há um Loteamento Aprovado e devidamente Registrado, caso em que a Reurb-E ou S, servirá apenas para titulação do possuidor do imóvel. Vejamos a lição de Taniara Nogueira:
Deste modo, é aceitável presumir que a norma não afasta a legalização de um único imóvel marginalizado nos casos de REURB titulatória e/ou excepcional.
E tanto é assim que em nenhum momento a Lei 13.465/17, ou o Decreto Federal n. 9.310/18, excluíram expressamente a REURB de um lote. Na realidade, a norma regulamentadora só não admite regularização para os seguintes casos: (i) núcleos urbanos informais situados em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da defesa, assim reconhecidas em ato do Presidente da República (art. 3º, § 8º); (ii) unidades imobiliárias com área superior à fração mínima de parcelamento prevista no art 8º 8º da Le 5.868 68/72 (art. 3º, I e § 13); (iii) núcleos situados em unidades de conservação que não se admite a regularização (art. 3º, § 5º); (iv) núcleos classificados na modalidade específica, situados a menos de quinze metros das margens de rios ou de qualquer curso d’água (art. 4º, § 7º); e (v) núcleos situados em área de risco que não comporte eliminação, correção ou administração (art. 36, §§ 4º e 6º). 3
É preciso notar que neste último caso, nada obsta que o requerente faça uso facultativamente de outros meios para obter a titulação ou regularizar o imóvel construído, a exemplo da Usucapião ou ainda, no caso de regularização de imóvel, por meio do licenciamento urbanístico no Município, vide, v. g. tema 1025 do STJ 4.
c) Reurb Inominada
Quanto à Reurb dita Inominada, o critério principal é primeiramente temporal, conforme dispõe o art. 69, da Lei nº 13.465/2017:
Art. 69. As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que não possuírem registro, poderão ter a sua situação jurídica regularizada mediante o registro do parcelamento, desde que esteja implantado e integrado à cidade, podendo, para tanto, utilizar-se dos instrumentos previstos nesta Lei.
§ 1º O interessado requererá ao oficial do cartório de registro de imóveis a efetivação do registro do parcelamento, munido dos seguintes documentos:
I - planta da área em regularização assinada pelo interessado responsável pela regularização e por profissional legalmente habilitado, acompanhada da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) ou de Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo o perímetro da área a ser regularizada e as subdivisões das quadras, lotes e áreas públicas, com as dimensões e numeração dos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação específica, se for o caso, dispensada a ART ou o RRT quando o responsável técnico for servidor ou empregado público;
II - descrição técnica do perímetro da área a ser regularizada, dos lotes, das áreas públicas e de outras áreas com destinação específica, quando for o caso;
III - documento expedido pelo Município, atestando que o parcelamento foi implantado antes de 19 de dezembro de 1979 e que está integrado à cidade.
§ 2º A apresentação da documentação prevista no § 1º deste artigo dispensa a apresentação do projeto de regularização fundiária, de estudo técnico ambiental, de CRF ou de quaisquer outras manifestações, aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos.
Note que para a configuração da Reurb Inominada, basta que: o loteamento seja anterior a 19/12/1979; esteja integrado à cidade; não possua Registro em Cartório.
Observe que se trata de procedimento a ser feito em Cartório, não havendo necessidade de intervenção do Município senão para declarar que se trata de parcelamento anterior a 19/12/1979 e que está plenamente integrado à cidade. Vejamos a lição da doutrina:
Apenas pela leitura dos dispositivos, percebe-se que o interessado no parcelamento pode dirigir-se ao cartório de imóveis e solicitar o parcelamento do solo, fazendo juntar os documentos descritos no art. 69 da Lei nº 13.465/2017, dispensando manifestação do Município para que o Oficial faça o registro e abra as matrículas para cada unidade imobiliária em nome do parcelador irregular 5.
Não obstante, caso o interessado seja o Município, será necessário instaurar o procedimento de Reurb, com emissão de CRF ao fim, embora se dispense a elaboração de Projeto de Regularização Fundiária e demais estudos técnicos que aconteceriam normalmente durante as demais fases da Reurb 6.
Superado este ponto, convêm frisar que a legislação permite que em um mesmo processo de Regularização sejam utilizadas as diferentes modalidades de Regularização Fundiária. Vejamos o teor do art. 5º, § 4º:
§ 4º No mesmo núcleo urbano informal poderá haver as duas modalidades de Reurb, desde que a parte ocupada predominantemente por população de baixa renda seja regularizada por meio de Reurb-S e o restante do núcleo por meio de Reurb-E. (Redação dada pelo Decreto nº 9.597, de 2018)
Ante o exposto, competirá ao Município proceder com a classificação da modalidade para o núcleo a ser regularizado, ou mesmo mesclar as duas formas de Reurb, conforme o caso concreto o exija.