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Exame de ordem, admissibilidade de recursos excepcionais e a incidência (ou não) de súmula às decisões

08/12/2007 às 00:00
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Há alguns meses, realizando acompanhamento processual de rotina [01], vislumbrei uma decisão que, nesse caso específico, pode ser classificada como, no mínimo, curiosa. Ao analisar agravo interposto contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou seguimento a recurso especial, o STJ deu provimento ao agravo para determinar a subida do Recurso Especial. Até aí, uma decisão normal. O fator que trouxe a surpresa para o caso foi o de que a decisão denegatória foi embasada em Súmula do próprio Superior Tribunal!!

O caso: examinanda reprovada em exame de proficiência da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul demonstra, em farta prova produzida, erro gravíssimo cometido pela instituição: a falta de correção de uma das questões da candidata. Questão que valia cinco pontos de toda a avaliação, e que fora respondida com total acerto. Gize-se, por oportuno, que a questão extrapolara os limites editalícios.

As decisões: ainda que com vasta instrução dos autos, o juízo singular se mostrou omisso, e julgou a ação improcedente. Teve a decisão reformada pelo colegiado do Tribunal, após criteriosa análise – que contou até mesmo com suspensão do julgamento, já que houve pedido de vista por um dos desembargadores. Dessa decisão recorreu, em sede especial, a OAB, demonstrando seu total inconformismo com decisão que a obrigou a reconhecer o lapso cometido. A esse recurso, quando do devido exame de admissibilidade, negou seguimento o desembargador presidente, por claro óbice encontrado na Súmula nº 83 do STJ [02].

A surpresa: tal súmula, que tem poder vinculador das decisões, a fim de agilizar o andamento dos processos e, também, evitar o desperdício injustificado de tempo dos ministros em julgar casos recorrentes, reza que "não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

Ante tal texto, em superficial pesquisa aos tribunais é possível verificar que a jurisprudência é uníssona a afirmar que, em síntese, não cabe ao Poder Judiciário analisar questões que versem sobre interpretação de provas de concursos [03]. Entretanto, sempre que violada a legalidade do certame, este deverá intervir, sob pena de injustificada omissão na apreciação de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF).

Assim, se patente o erro, patente a lesão à legalidade do certame. Logo, imprescindível a atuação do Poder Judiciário para coibir a arbitrariedade. Portanto, extremamente acertada a decisão que negou seguimento ao recurso. Daí a surpresa com a decisão da Corte Superior, que determinou, conforme possível verificar em consulta ao sítio do Tribunal (acompanhamento das fases processuais): "decisão do ministro relator dando provimento ao agravo para determinar a subida do resp" [04]. Fica a dúvida: se a súmula existe e não foi cancelada, não deveria, então, ter sido utilizada? Ou, melhor dizendo, ratificada pela Superior Instância? Ao invés de modificar a decisão do Tribunal Regional, não deveria o MM. Ministro Relator ter confirmado a decisão, negando provimento ao agravo?

Permissa maxima venia, não obstante a Lei nº 11.417/2006 tenha regulamentado a edição de enunciados e súmulas com efeito vinculante, não se descuida que tais regramentos, anteriores à edição da norma, também se prestavam – e ainda se prestam, pela praxis dos tribunais –, a vincular as decisões dos magistrados. Nesse sentido é que foi suscitada a norma pelo desembargador que negou seguimento ao recurso especial referido.

Ante a controvérsia apresentada, cabe o questionamento: se as súmulas e enunciados preexistentes à Lei nº 11.417/2006 não terão mais qualquer eficácia, há necessidade urgente de edição de norma complementar que discipline a situação esboçada.

Registre-se que tal correção legislativa se apresenta indispensável para que se evite que a norma caia em desuso, ou em total descaso, como ocorre com muitas das normas nacionais, que deixam de ser aplicadas a determinadas pessoas – sejam elas físicas ou jurídicas (como, no caso em tela, a OAB). Não se pode permitir que o Poder Judiciário, instituição que ainda possui créditos com a população brasileira, perca sua força e demonstre a total falência de todo o sistema.

Espera-se, enfim, que a decisão que motivou esse artigo tenha sido proferida não no intuito de beneficiar grande instituição nacional, em desfavor de parte hipossuficiente. Almeja-se que a decisão tenha sido proferida, isso sim, para possibilitar o reconhecimento da necessidade de comprometimento e atuação ética da Ordem dos Advogados do Brasil na análise das provas de seus examinandos. Se para alguns a advocacia é apenas um hobby, um mero divertimento, para muitos é modo de sobrevivência! Não merece, portanto, ser tratada com o desdém que vem recebendo.

Não se descuida que o exame de ordem é legal e necessário. Legal, porque em conformidade com a legislação vigente. E necessário porque existem, sim, muitos profissionais inaptos a exercer a advocacia. Mas ele deve ser legal e necessário apenas para reconhecer profissionais aptos e inaptos; os que estudaram e os que apenas "passaram" por uma faculdade. Jamais poderá ser utilizado para garantir o mercado de profissionais corrompidos e/ ou ultrapassados.

Comumente comparam-se médicos e juristas, equiparando-os na importância social e também em toda a pompa e circunstância que as duas profissões albergam em torno de si. Não atentam, todavia, para o fato de que esse falso glamour esconde uma realidade em nada elegante. Após vinte e quatro horas corridas de plantão (ou mais), muito sono, nenhum descanso e muita cafeína e outros estimulantes, o médico que utiliza um instrumento cirúrgico de forma equivocada deforma seu paciente. Quando não o leva a óbito.

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Ao deixar de analisar criteriosamente o direito pleiteado pela parte, o jurista – seja o magistrado, em qualquer esfera de jurisdição, sejam os patronos dos combatentes – também deforma o litigante, na medida em que lhe amputa o direito que deveria ver reconhecido. Quando também não o mata. Pela tristeza, pelo desgosto, pela humilhação e o desrespeito aos quais é submetido até mesmo (e muito mais!) entre seus próprios familiares. Mata pela certeza da falta de justiça em um país já tão corrompido. Pela certeza de que toda sua luta foi em vão, e que nada valeu a pena. Com a parte vencida, morrem seu sonho, sua esperança, sua dignidade de pessoa humana, tão perfeitamente defendida em nossa Constituição Federal [05].

Que a decisão a ser proferida no Recurso Especial não confirme tal surpresa: que ela seja, isso sim, o início da emergencial moralização necessária às grandes instituições que, cada vez mais corruptas e corrompidas, deixam aos sussurros uma sociedade que já não consegue mais gritar por socorro, tão carente de remédios para suas dores... Venham eles da Medicina ou da Justiça.


Notas

01 Este texto começou a ser produzido em agosto de 2007, após a publicação da decisão comentada. Passou por diversas revisões até sua versão final, em razão da extrema dificuldade existente na advocacia em causa própria.

02 É trecho do voto do Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, que inadmitiu o Recurso Especial: "Sustenta a parte recorrente que o acórdão impugnado negou vigência ao art. 8º, § 1º da Lei n. 8.906/94 e ao Provimento 81/96 do Conselho Federal da OAB. Defende que a anulação efetuada invadiu o mérito administrativo, não podendo o Poder Judiciário adentrar no mérito da questão, em substituição à banca examinadora. [...] DECIDO. O recurso encontra óbice de admissibilidade na Súmula 83 do STJ, na medida em que resta pacífico o entendimento no sentido de que não invade o mérito administrativo, restrito à banca examinadora, decisão que anula questão em face de inobservância das normas editalícias. [...] Ante o exposto, não admito o recurso especial. Intimem-se."

03 Embora muitas as ocorrências, poucos são os casos, na jurisprudência pátria, que determinam a revisão/ anulação de questões. De qualquer sorte, muitas são as que referem, claramente, a necessidade de ação do judiciário sempre que se mostra evidente qualquer forma de violação ao edital do concurso. (Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.70.10.0019306-1. Primeira Turma, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, relator des. Federal Luciano Tolentino Amaral, julgado em 04/09/2000; Apelação em Mandado de Segurança nº 9102076420. Primeira Turma, Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Relator: Desa. Federal Tania Heine, julgado em 29/04/1991; Embargos Infringentes na apelação cível nº 1998.04.01.030958-8. Segunda Seção, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Relator: Des. Federal Teori Albino Zavascki, julgado em 13/12/2000; Agravo Regimental nº 2004.70.00.016870-8. Terceira Turma, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Relator: Desa. Federal Vânia Hack de Almeida, julgado em 27/04/2005; Apelação cível nº 2005.71.00.030097-6. Primeira Turma Suplementar, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Relator: Des. Edgard Lippmann Jr., com voto vista do des. Luiz Carlos Castro Lugon, julgado em 27/06/2006)

04 Agravo de instrumento nº 913692/RS. Recurso especial já tombado sob o nº 1002079/RS.

05 Sempre importante memorar o texto de nossa Carta Magna: "Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I. a soberania;/ II. A cidadania;/ III. A dignidade da pessoa humana;/ IV. os valores sociais e da livre iniciativa"

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Sobre a autora
Fabiana Bica Machado

Advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Fabiana Bica. Exame de ordem, admissibilidade de recursos excepcionais e a incidência (ou não) de súmula às decisões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1620, 8 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10736. Acesso em: 5 nov. 2024.

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