1. ANÁLISE CONCEITUAL
Na responsabilidade civil, dois conceitos essenciais para determinar a conduta de uma pessoa em relação a danos causados a outra são a culpa e o dolo. A culpa refere-se à negligência, imprudência ou falta de cuidado por parte do agente, que, mesmo sem a intenção de causar dano, age de maneira descuidada, violando um dever de cuidado e, assim, resultando em prejuízos para terceiros.
Por outro lado, o dolo implica uma conduta mais intencional e maliciosa. Quando há dolo, a pessoa age com a intenção direta de causar danos a outra parte ou, pelo menos, está plenamente ciente de que suas ações provavelmente resultarão em danos. O dolo pode ser direto, quando a intenção é clara, ou eventual, quando a pessoa age consciente do risco de causar prejuízo, mesmo que esse não seja seu objetivo primário.
A diferença fundamental reside na natureza da conduta. Na culpa, o foco está na falta de cuidado adequado, enquanto no dolo, a ênfase recai sobre a intenção maliciosa ou, no mínimo, a consciência voluntária de que danos podem ocorrer. Ambos os conceitos desempenham papéis cruciais na determinação da responsabilidade civil, influenciando as medidas legais que podem ser tomadas contra a parte responsável e moldando o entendimento do sistema jurídico em relação à conduta do agente em questão.
2. DA RESPONSABILIDADE DOS ENVOLVIDOS
2.1. AUTORIDADES E ESTADO
A responsabilidade subjetiva por omissão refere-se à responsabilidade legal de uma pessoa ou entidade quando não age de acordo com um dever ou obrigação que deveria cumprir, resultando em danos a terceiros. Quando se trata do Estado ou de autoridades, essa responsabilidade pode surgir quando não realizam ações que deveriam ser executadas para proteger os cidadãos ou garantir o cumprimento de normas e leis. A responsabilidade subjetiva por omissão envolve alguns elementos chave:
Dever legal ou obrigação: Deve existir um dever legal ou uma obrigação clara impostos ao Estado ou às autoridades. Esses deveres podem surgir a partir de leis, regulamentos, políticas ou até mesmo de princípios constitucionais.
Conhecimento do dever: A autoridade deve estar ciente do dever ou obrigação que lhe foi atribuído. O conhecimento do dever é fundamental para estabelecer a responsabilidade.
Omissão voluntária: Ocorre quando a autoridade, apesar de ter conhecimento do dever, escolhe não agir, omitindo-se de realizar as ações necessárias.
Dano causado pela omissão: A omissão deve resultar em danos a terceiros. Esses danos podem ser físicos, materiais, morais ou de outra natureza.
Primordialmente, cabe destacar que a proibição de entrada com garrafas de água no evento enseja crime contra as relações de consumo, conforme art. 7º, inciso I da Lei n.º 8.137/1990, in verbis:
“Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
I - Favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores.”
Sobre o mesmo ponto, o Código de Defesa do Consumidor posiciona-se acerca da chamada “venda casada”.
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.”
A venda casada ocorre quando um fornecedor condiciona a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro, impondo ao consumidor a compra de itens que não seriam adquiridos de forma independente. Em outras palavras, a venda casada ocorre quando o consumidor é obrigado a adquirir um produto ou serviço adicional, muitas vezes desnecessário, como condição para obter o produto ou serviço principal desejado. Esse tipo de prática é considerado abusivo porque restringe a liberdade de escolha do consumidor, compelindo-o à compra em função de sua necessidade ou fragilidade.
Sendo assim, caberia ao PROCON-RJ como órgão Estadual, atuar como agente fiscalizador do evento, autorizando a entrada de garrafas com água, garantindo e assegurando o direito dos consumidores durante a prestação de serviço no momento do evento. Além disso, como órgão competente para tal, aplicar penalidades (multas ou sanções administrativas) à empresa pelo desrespeito às leis de defesa do consumidor.
Oportuno salientar, ainda, acerca do poder/dever de fiscalização e a omissão de autoridades, bem como do Estado (ao administrar o Estádio do Engenhão), em analisar as regras e medidas de segurança do evento, além da emissão de alvarás de funcionamento. Por outro lado, cientes das alterações climáticas e altas temperaturas, o local do show foi cercado por tapumes, o que intensificou o calor àqueles que esperavam ver a atração da cantora.
2.2. A EMPRESA
A responsabilidade objetiva das empresas refere-se à obrigação legal de uma empresa responder por danos causados a terceiros, independentemente de haver culpa ou negligência comprovada. Ao contrário da responsabilidade subjetiva, que exige a demonstração de culpa ou dolo, a responsabilidade objetiva atribui automaticamente a obrigação de indenizar se certas condições forem atendidas.
In casu, a responsabilidade civil entre a empresa e aqueles que compraram o ingresso, encaixam-se na relação de consumo entre fornecedor e consumidor explicitada no CDC.
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” (grifo nosso).
Os principais elementos da responsabilidade objetiva de empresas incluem:
Atividade de risco: A responsabilidade objetiva muitas vezes está associada a atividades consideradas de risco. Isso significa que, se a empresa se envolver em uma atividade intrinsecamente arriscada, ela pode ser responsabilizada pelos danos decorrentes dessa atividade, independentemente de culpa.
Causalidade: Deve existir uma relação de causalidade entre a atividade da empresa e os danos causados. Os danos devem ser diretamente relacionados à atividade de risco da empresa.
Tendo em vista a situação já mencionada, devido ao inesperado adiamento do show no dia do evento, os fãs têm ao recebimento de reembolso do valor dos ingressos pagos, inclusive para os não desejem ou não conseguem comparecer na data remarcada.
Entretanto, àqueles que residem em outras regiões, deverão ser levados em consideração outros fatores além do próprio adiamento do evento, tais como: a passagem aérea mais cara devido ao cancelamento do show inesperadamente (sendo avisada sobre a suspensão do show no momento do evento), a hospedagem, o transporte utilizado para deslocamento e afins. Enseja-se, dessa forma, compensação pelos danos materiais sofridos.
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.” (grifo nosso).
Diante das variáveis perfeitamente previsíveis (alta temperatura e capacidade de pessoas no local), a empresa responsável pela produção do evento não tomou medidas para proporcionar conforto térmico aos espectadores. Não foram disponibilizadas estruturas ou serviços para minimizar os efeitos do calor, e, de forma ainda mais preocupante, não foi oferecida água para os presentes.
Nesse contexto, a menção à necessidade de considerar a existência de dano moral refere-se à avaliação de se os fãs sofreram prejuízo emocional, psicológico ou moral devido à situação vivenciada. A perda injusta e intolerável do tempo útil dos fãs, causada pelo adiamento do evento, é apontada como um fato que, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode configurar um dano extrapatrimonial – teoria do desvio produtivo.
“Não raramente, trava verdadeira batalha para, enfim, atender a sua legítima expectativa de obter o produto adequado ao uso, em sua quantidade e qualidade".
(STJ — REsp: 1634851 RJ 2015/0226273-9, relator: ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2017, T3 — TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2018).
3. CONCLUSÃO
Diante dos eventos lamentáveis ocorridos durante o adiamento do show de Taylor Swift no Engenhão, torna-se imperativo concluir que os fãs afetados têm sólidos fundamentos para buscar reparação pelos prejuízos sofridos. A responsabilidade da empresa organizadora, T4F, é evidente, considerando a falta de estrutura para amenizar as condições adversas, como o intenso calor, e a ausência de informações antecipadas que permitiriam uma melhor programação por parte dos espectadores.
A perda do tempo útil dos fãs, somada aos gastos adicionais com viagem, hospedagem e transporte, configura um cenário propício para a alegação de danos materiais. Além disso, a situação precária vivenciada pelos espectadores, sem água e sob condições climáticas desfavoráveis, justifica a consideração de danos morais, conforme respaldado pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Portanto, os fãs prejudicados têm o direito legítimo de buscar compensação pelos danos materiais e morais sofridos, seja por meio do reembolso dos ingressos ou pela reparação dos custos adicionais incorridos. A transparência, respeito ao consumidor e cuidado com o bem-estar dos participantes devem ser pilares essenciais na organização de eventos, e a negligência nesses aspectos justifica a busca por justiça e reparação.