4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A união entre pessoas do mesmo sexo é fato social que está a desafiar o Direito brasileiro, propondo-lhe questões que ainda estão longe de serem respondidas satisfatoriamente. Em descompasso com as ciências médicas e psicológicas, que modernamente já retiraram a homossexualidade do nicho das patologias, o Direito ainda trata com parcimônia e preconceito os conflitos e demandas oriundos das relações entre pessoas do mesmo sexo.
Neste trabalho, procurou-se analisar especificamente as controvérsias quanto ao direito sucessório, surgidas quando da morte de um dos companheiros homossexuais. Neste particular, pôde-se verificar que a doutrina e os tribunais têm seguido duas correntes fundamentais.
A primeira, mais antiga e conservadora, e ainda majoritária, quando se depara com um inventário em que se habilita um companheiro homossexual, simplesmente ignora o aspecto afetivo do vínculo rompido em função da morte e procura apenas identificar se o suposto companheiro contribuiu direta ou indiretamente para a constituição do patrimônio comum. Trata-se da corrente da sociedade de fato, que não confere ao parceiro direitos sucessórios propriamente, apenas – e quando muito – direito à meação dos bens comuns, na proporção em que houver contribuído para a construção do patrimônio do casal, o que demanda tormentoso lastro processual probatório.
A segunda corrente posiciona-se no sentido de estender analogicamente à união homossexual os efeitos jurídicos da união estável, ora conferindo apenas direito à meação, ora enquadrando o companheiro supérstite na ordem de vocação hereditária, tudo mediante prova inequívoca da estabilidade e ostensibilidade da união. Esta corrente tem por mérito não olvidar os vínculos de amor presentes na união entre iguais, além de também, em alguns casos, conferir direitos sucessórios ao companheiro sobrevivo.
Resta-nos, agora, aguardar para que o Legislativo brasileiro tenha coragem e vontade política suficiente para promulgar uma lei que, de uma vez por todas, espanque séculos de discriminação e proteja a célula familiar homoafetiva, garantindo-lhe os direitos cujo gozo manso e pacífico é imprescindível para a dignidade da pessoa humana, independentemente de sua orientação sexual.
5 - BIBLIOGRAFIA
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Notas
01 Na ausência de testamento, a sucessão defere-se na seguinte ordem: aos descendentes em concorrência com o cônjuge, aos ascendentes em concorrência com o cônjuge, ao cônjuge somente, aos colaterais até 4º grau, e, por fim, ao Poder Público, não havendo sucessores daquelas classes. Cf. art. 1829 do Código Civil.
02 Entende a doutrina e a jurisprudência que a contribuição do companheiro será direta quando houver aportes financeiros comprovados de sua parte, e será indireta quando sua contribuição consistir em serviços, como os de natureza doméstica, prestados à outra parte.
03 À guisa de esclarecimento, o enriquecimento ilícito, ou locupletamento, recebe vedação expressa do ordenamento jurídico pátrio, cabendo ao prejudicado, na ausência de outra ação mais eficaz, a actio in rem verso, vide CC, arts. 884 a 886.
04 STF, Súmula 380. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
05 No casamento, ocorre o oposto: vigora a presunção de que o patrimônio adquirido na constância da união matrimonial, mesmo que em nome de um cônjuge apenas, pertencerá a ambos, em condomínio. Cf. CC, art. 1660. Entram na comunhão: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges.
06 No casamento, por outro lado, os cônjuges têm proteção legal contra esse locupletamento, pois, consoante o art. 1660, I, a lei civil determina que entrem na comunhão os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, mesmo que em nome de um só dos cônjuges.
07 Convivência como marido e mulher, tal qual a affectio maritalis no casamento.
08 1727-A: As disposições contidas nos artigos anteriores aplicam-se, no que couber, às uniões fáticas de pessoas capazes que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas da ordem pública e os bons costumes.