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A inconstitucionalidade e a ilegalidade do depósito para recurso administrativo em matéria previdenciária.

Art. 23 da Portaria nº 10.875/2007 da Secretaria da Receita Federal do Brasil

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11/12/2007 às 00:00
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6 – Críticas

Conforme discorrido no início do presente estudo, tanto a Secretaria da Receita Federal como a Secretária da Receita Previdenciária foram extintas, de modo que foi instituída a atual Secretaria da Receita Federal do Brasil, que, além de continuar a administrar os tributos que eram de competência da antiga SRF, passou também a administrar as contribuições previdenciárias da Lei nº. 8.212/91, cuja competência pertencia à SRP.

Como se vê, todo o regime de administração tributária de tributos de competência da União Federal, tais como a direção, supervisão, orientação, coordenação e execução de serviços de fiscalização, lançamento, cobrança, arrecadação, recolhimento e controle, foi unificado em único órgão denominado Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos termos do que dispõe o artigo 1º, inciso VII, da Portaria MF nº. 95/07.

Qual é a crítica que podemos extrair a respeito dessa unificação, em relação ao caso ora em estudo?

A declaração de inconstitucionalidade da exigência de garantia recursal para admissibilidade de recurso administrativo foi levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal tanto em controle concentrado como em controle difuso, através da ADIN 1.976-7/DF e RE 389.383-1/SP, ambas as ações julgadas em 28 de março de 2007, com relatoria dos Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio de Mello, respectivamente.

A ADIN nº. 1.976-7/DF tinha como objeto a declaração de inconstitucionalidade do artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto 70.235/72, no qual era previsto o arrolamento de bens e direitos de 30% do valor da exigência fiscal referente aos recursos administrativos questionando tributos administrados pela extinta SRF. Por sua vez, no RE nº. 389.383-1/SP questionava-se a inconstitucionalidade do artigo 126, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91, que previa a exigência do depósito recursal para admissibilidade de recurso administrativo previdenciário.

Conforme acima exposto, a declaração levada a efeito na ADIN foi em controle concentrado, ou seja, com efeito erga omnes, vinculando toda a administração e contribuintes, enquanto que a declaração proferida no RE foi em controle difuso, estendendo os seus efeitos somente às partes, ao menos até a edição de Resolução pelo Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, da CF, que suspenderá os efeitos da legislação junto ao Ordenamento Jurídico.

Diante do julgamento da ADIN nº. 1976-7/DF, a RFB acabou por editar dois Atos Declaratórios Interpretativos, de n.ºs 9 [14] e 16 [15], de 5 de junho de 2007 e 21 de novembro de 2007, respectivamente.

Na esteira do julgamento da ADIN acima referida, a própria RFB, através de referidos atos, e dentro da competência que lhe é atribuída pelo seu novo regimento interno, acabou por fulminar a exigência do arrolamento de bens para admissibilidade de recurso administrativo questionando tributos administrados pela antiga SRF, tomando uma atitude extremamente coerente e razoável para este caso específico.

Todavia, se a RFB foi coerente na edição dos atos declaratórios quanto à questão do arrolamento de bens, foi, por outro lado, totalmente incongruente, com a edição do artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07, que reinstituiu a exigência depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo em matéria previdenciária.

Isto porque, além de todos os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade até então expostos, ainda temos que é extremamente complicado isentar de críticas atos administrativos deveras contraditórios, cujas matérias tratam, na essência, da mesma questão, levados a efeito, ainda, pelo mesmo órgão administrativo. Não se pode admitir que incongruências dessa estirpe prevaleçam na Administração Pública, que está calcada nos princípios da moralidade, da segurança jurídica e da eficiência, dentre outros.

Por outro lado, a justificativa da RFB para exigir o depósito prévio para admissibilidade de recurso previdenciário, foi no sentido de que como a declaração de inconstitucionalidade da lei autorizadora ter sido proferida em RE, cujos efeitos da decisão não possuem carga vinculante a todos os administrados, e sim somente às partes litigantes, os contribuintes terão de se valer das medidas judiciais cabíveis para afastar a exigência do depósito prévio.

Causa espanto o entendimento esposado pela RFB, pois, como dito acima, carece de razoabilidade, além de ser contraditório, posto ter sido manifestado pelo mesmo órgão que rechaçou o arrolamento de bens e direitos de tributos que eram de competência da antiga SRF.

Diante disso, pode-se afirmar com segurança que no caso ora em estudo, o que se vê são incongruências, vícios de ilegalidade, inconstitucionalidade, ofensas aos princípios constitucionais e da administração pública, além da hierarquia das leis, na medida em que a RFB pretende impor garantia que fatalmente será fulminada pelos órgãos competentes do Judiciário, em razão dos precedentes que declararam inconstitucionais as leis que exigiam garantias para a interposição de recursos administrativos fiscais, fato este que contribuirá ainda mais para o inchaço do Poder Judiciário em razão das demandas que serão ajuizadas pelos contribuintes para se valerem de seus direitos constitucionais à ampla defesa e ao devido processo legal.

Ademais, podemos ir além, ao afirmar que o artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07 é o nascedouro que afronta toda a suposta intenção inicial da administração pública federal, que é a de unificar todos os procedimentos atinentes aos tributos da extinta SRF com as contribuições previdenciárias da extinta SRP, formando um órgão único com a criação da RFB.

Portanto, diante de todas as razões expendidas, verifica-se que o artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07 não encontra qualquer respaldo jurídico que lhe dê fundamento, devendo os operadores do direito se rebelarem em face de ato tão contraditório e carecedor de razoabilidade perpetrado pela RFB.


7 – Conclusões finais

Realizada a abordagem da questão deveras polêmica, pode-se concluir o quanto segue.

A regulamentação atinente ao processo administrativo fiscal está adstrita à reserva legal pela exegese do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, de modo que o artigo 23 Portaria RFB nº. 10.875/07, incorre em vício de inconstitucionalidade formal, pelo fato de não ser o veículo normativo adequado para o fim almejado pela administração pública.

Do mesmo modo, o artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07 também incorre em vícios de ilegalidade, pois afronta as disposições do Código Tributário Nacional, o qual determina que as matérias relativas a processo administrativo fiscal deverão ser reguladas por lei, sendo vedada a utilização de normas infralegais para tanto, além de ofender o princípio da hierarquia das leis, já que o artigo 38 dispõe que leis de hierarquia superior terão aplicação subsidiária e sucessiva à Portaria (v.g. Lei nº. 9.784/99)

Ademais, o artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07, por ter natureza de norma complementar às leis, nos termos do artigo 100, inciso I, do Código Tributário Nacional, não mais possui qualquer fundamento de validade, em razão da declaração de inconstitucionalidade do artigo 126, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91, o qual poderia lhe dar suporte jurídico. Diante disso, as disposições ali contidas extrapolam qualquer limite legal, pela falta de previsão em lei ordinária.

Por mais que o artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07 tivesse sido introduzido no Ordenamento Jurídico por lei ordinária, mesmo assim o dispositivo esbarraria em evidente inconstitucionalidade, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº. 389.383-1/SP.

Temos, ainda, que o ato editado pela RFB incorre em verdadeira falta de razoabilidade, além de ser incongruente, já que o mesmo órgão editou dois atos declaratórios interpretativos – ADI de nº.s 9 e 16, ambos em 2007, fulminando a inconstitucional exigência do artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto 70.235/72, onde era previsto o arrolamento de bens e direitos de 30% do valor da exigência fiscal referente aos recursos administrativos questionando tributos administrados pela extinta SRF, na esteira do julgamento da ADIN nº. 1.976-7/DF.

Por fim, a edição do artigo 23 da Portaria RFB nº. 10.875/07, cujo entendimento é totalmente diverso do existente nos referidos ADI´s, levado a efeito pelo mesmíssimo órgão, acerca de uma mesma matéria, apenas sinaliza que a intenção inicial da administração pública em tentar unificar a administração tributária de tributos e contribuições previdenciárias da União Federal na figura da RFB, não será levada à risca por este órgão, o que dará margem a situações destoantes quando estiver em pauta discussões acerca de tributos administrados pela antiga SRF e contribuições previdenciárias administradas pela antiga SRP.


Notas

01 Ver ADIN 1976-7/DF

02 Ver RE 389.383-1/SP

03 O presente estudo não terá como objeto, a análise do depósito prévio recursal de 30% para a interposição de recurso administrativo de tributos administrados pela antiga Secretaria da Receita Federal, posteriormente substituído pelo arrolamento de bens e direitos a que se refere o artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto nº. 70.235/72, com redação dada pela Lei nº. 10.522 de 19 de julho de 2002, cuja declaração de inconstitucionalidade já foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de inconstitucionalidade na ADIN 1.976-/DF, vinculando sob o efeito erga omnes toda a administração pública e os contribuintes, pacificando de forma definitiva a questão.

04 "Art. 126. Das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da Seguridade Social caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o Regulamento

§ 1º Em se tratando de processo que tenha por objeto a discussão de crédito previdenciário, o recurso de que trata este artigo somente terá seguimento se o recorrente, pessoa jurídica ou sócio desta, instruí-lo com prova de depósito, em favor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, de valor correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão.

§ 2º Após a decisão final no processo administrativo fiscal, o valor depositado para fins de seguimento do recurso voluntário será:

I - devolvido ao depositante, se aquela lhe for favorável;

II - convertido em pagamento, devidamente deduzido do valor da exigência, se a decisão for contrária ao sujeito passivo".

05 "Art. 23. Em se tratando de NFLD ou Auto de Infração lavrado contra pessoa jurídica de direito privado ou sócio desta, o recurso somente terá seguimento se o recorrente o instruir com prova de depósito correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão.

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(...)".

06in O Processo Tributário,4ª edição revista atualizada e ampliada,, Editora Revista dos Tribunais – 2004, pg. 64e 65.

07 O Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE nº. 138.284/CE, firmou entendimento pacífico de que após a Constituição Federal de 1988, as contribuições previdenciárias revestem-se de caráter tributário.

08 Cf. Leandro Paulsen; "Direito Tributário Constituição e Código Tributário Nacional à Luz da Doutrina e da Jurisprudência; editoria livraria do advogado, Porto Alegre 2006; pg. 917.

09 "Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

(...);

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo";

10Art. 38. Aos casos não tratados nesta Portaria, aplicam-se subsidiária e sucessivamente as disposições do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

11 Ob. Cit., pg. 933

12 Ver ADI – AGR 365-DF, DJU de 15.03.91, Relator Ministro Celso de Mello, Plenário do STF

13 Vide ADI 1.049-MC, RE 210.246, ADI 1.922-MC e 1976 - MC

14 "Art. 1º Não será exigido o arrolamento de bens e direitos como condição para seguimento do recurso voluntário.

Art. 2º A autoridade administrativa de jurisdição do domicílio tributário do sujeito passivo providenciará o cancelamento, perante os respectivos órgãos de registro, dos arrolamentos já efetuados".

15Art. 1º As unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) deverão declarar a nulidade das decisões que não tenham admitido recurso voluntário de contribuintes, por descumprimento do requisito do arrolamento de bens e direitos, bem como dos demais atos delas decorrentes, realizando um novo juízo de admissibilidade com dispensa do referido requisito.

Parágrafo único. A declaração de nulidade referida no caput será proferida mediante requerimento do contribuinte, observado o prazo prescricional de cinco anos, contados da ciência da decisão administrativa.

Art. 2º Na hipótese de o débito ter sido encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o requerimento deve ser dirigido pelo contribuinte àquele órgão.

Segundo o ato acima, as unidades da RFB deverão declarar a nulidade das decisões que não tenham admitido recursos voluntários de contribuintes, por descumprimento do requisito do arrolamento de bens e direitos, bem como todos os demais atos decorrentes daquelas decisões, de modo que deverá ser realizando um novo juízo de admissibilidade com a dispensa do referido requisito.

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Sobre o autor
Denis Hideyuki Tokura

advogado em São Paulo, integrante da equipe de contencioso tributário de instituição financeira de grande porte, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduando em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOKURA, Denis Hideyuki. A inconstitucionalidade e a ilegalidade do depósito para recurso administrativo em matéria previdenciária.: Art. 23 da Portaria nº 10.875/2007 da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1623, 11 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10752. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Título original: "A inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência do depósito prévio recursal de 30% do valor do débito fiscal para interposição de recurso administrativo em matéria previdenciária face ao artigo 23 da Portaria nº. 10.875/2007 da Secretaria da Receita Federal do Brasil".

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