5. Da Advocacia Defensiva e o Provimento 188/2018
A investigação defensiva é um conjunto de atividades de natureza investigatória desenvolvidas pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando obter de elementos de probatórios de forma lícita para assegurar a defesa de seu cliente.
Tal prática ganhou notoriedade recentemente em decorrência da publicação do Provimento nº 188/2018, pelo Conselho Federal da OAB, que regulamentou o exercício da prerrogativa profissional do advogado para realização de diligências investigatórias para instrução, tanto em procedimentos administrativos quanto em judiciais.
Essas diligências podem ser realizadas em qualquer fase da persecução penal, sendo um importante instrumento concedido ao advogado, principalmente criminalista, para evitar erros jurisdicionais e que pessoas inocentes tenham seus processos arrastados por não acharem elementos conclusos sobre a sua não autoria.
O mesmo Provimento estabelece, em seu artigo 7º, que as atividades nele descritas “são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades”.
Ainda no artigo 4º, parágrafo único, do mesmo diploma legal, estabelece que “na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo”.
Todavia, a legislação nada fala sobre extensão das prerrogativas dadas ao advogado a tais auxiliares aos trabalhos na qualidade da advocacia defensiva, sendo, portanto, direitos exclusivos ao membro da OAB, inerentes ao exercício da profissão.
6. O DEVER DE SIGILO NAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS
Em fevereiro de 2023, na Reclamação nº 57.996, o Ministro Alexandre de Moraes decidiu que deveria ser excluído do processo prints e comprovantes de comunicação entre o advogado e a parte dos autos, visto que a parte contrária teria acesso a informações inerentes ao sigilo profissional do procurador:
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do RiSTF, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente reclamação, para EXCLUIR DA DECISÃO RECLAMADA a utilização de mensagens eletrônicas, documentos e dados transmitidos entre advogados, no exercício da profissão, e entre esses e os diretores, membros do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria, dos atuais e dos que atuaram nos cargos pelos últimos dez anos, dos funcionários das áreas de contabilidade e finanças da companhia atuais e nos últimos dez anos, incluindo e especialmente junto à empresa Microsoft.
(Reclamação nº 57.996, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, 16/02/2023)
Por outro lado, na prática, vê-se que o sigilo não abrange absolutamente qualquer comunicação realizada pelo ou para o advogado. No acórdão abaixo colacionado, a prova dos autos foi obtida por meio de encontro fortuito em conversa com o advogado e pôde ser utilizada no processo desta forma:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO. PRELIMINAR. NULIDADE DA PROVA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS.SERENDIPIDADE. SIGILO PROFISSIONAL. INFORMAÇÃO CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS. REJEITADA. DESPRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. MERA PRESUNÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. O encontro fortuito de provas é fonte de prova absolutamente válida, porquanto incide no processo penal o princípio da serendipidade, que é exatamente o encontro do inesperado, ou seja, lançar-se em busca a determinada coisa e encontrar outra, por vezes mais valiosa. Precedentes. 2. Inviável a alegação que as interceptações violaram as prerrogativas do causídico que patrocina os interesses de um investigado. Isso porque, em não sendo o advogado alvo da medida, nada obsta a interceptação das conversas travadas entre o patrono e a pessoa investigada. 3. Conforme preconiza o artigo 413 do Código de Processo Penal, a decisão de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação, exigindo apenas o convencimento de prova material do crime e indícios suficientes de autoria ou participação. 4. A decisão de pronúncia é juízo fundado de suspeita, de admissibilidade da acusação, não competindo ao Juiz Singular a análise aprofundada das provas, contentando-se com razoável apoio nos elementos probatórios, sem avaliações subjetivas, motivando o seu convencimento de forma comedida, de modo a não influenciar o ânimo dos Jurados. 5. O magistrado deve se convencer acerca da existência do crime e dos indícios de autoria ou de participação para, pronunciando o réu, dar prosseguimento à acusação, conforme preceitua o artigo 413 do Código de Processo Penal: "O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação." 6. Se o conjunto probatório é precário, não demonstrando indícios suficientes da autoria do crime imputado na denúncia, mas apenas presunções, de rigor a despronúncia, pois não atendida exigência do art. 413. do Código de Processo Penal. 7. Meras conjecturas ou “flatus vocis” e testemunhos de "ouvir dizer" (hearsay witness) não se mostram aptos para submeter o recorrente ao Tribunal do Júri. 8. Preliminar rejeitada e, no mérito, recurso provido.
(RES. 0702084-93.2021.8.07.0011; Rel. Min. SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 28/03/2023).
Assim, percebe-se que não se sustenta o argumento de que as escutas telefônicas feriram as garantias do advogado que representa os interesses do investigado neste caso concreto. Afinal, se o advogado não era o alvo da medida, não há impedimento para a captação das conversas entre o mesmo e a pessoa investigada.
7. JUSTA CAUSA AO DESCUMPRIMENTO
O direito do sigilo apesar de já ser garantido com concretude, possui exceção, não sendo, portanto, absoluto. Sua relativização pode ocorrer quando houver justa causa ao descumprimento, como em caso de conluio entre advogado e cliente, por exemplo (BARRETOS, p. 88).
Outro caso da relativização do sigilo é quando as circunstâncias do caso e o fato em si podem fazer o advogado exteriorizar informações confidenciais, como em caso de prevenção de crimes iminentes manifestados ao mesmo - premeditação - ou quando a divulgação é necessária para a defesa do próprio advogado em uma ação administrativa ou judicial; sendo neste primeiro caso uma obrigação legal do procurador e no segundo caso uma faculdade de expor concedida ao mesmo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem decisão no sentido da obrigatoriedade de revelar a possibilidade do cometimento de crimes futuros externalizados por seu cliente:
(...) As demais comunicações e dados apreendidos, que não envolvam o exercício da advocacia, não encontram amparo na ADI 1.127, pois não haverá proteção ao sigilo profissional, uma vez que, a inviolabilidade do advogado, por seu atos e manifestações no exercício da profissão encontra limites do respeito à legislação, não podendo ser utilizada como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito, conforme definido por essa CORTE SUPREMA
(RHC 69.619-9, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, 20/08/93; HC 69.085-8/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 26/03/93).
Em conclusão, há também a possibilidade de revelar o assunto protegido por sigilo, ademais, quando o próprio cliente consente expressamente por escrito e com detalhamento do conteúdo e do destinatário da revelação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a obrigação do advogado de manter em sigilo todas as informações confidenciais fornecidas pelo cliente é um dos princípios éticos mais importantes para a sustentação da relação de confiança entre os mesmos, afinal garante a proteção dos direitos fundamentais da privacidade e da confidencialidade.
Tal obrigação é tão levada a sério no campo jurídico, que merece positivação e menção em vários dispositivos legais, sendo um pilar central da ética profissional dos advogados, tais como o Còdigo de Ética e Disciplina da OAB, Estatuto da Advocacia, o Provimento nº 188/2018, e na própria Lei Maior - a Constituição Federal de 1988.
Por fim, vê-se que apesar de haver exceções à regra, o sigilo profissional é indispensável à prática jurídica exercido com excelência pelo membro da OAB, e sem ele, não há como garantir a defesa plena dos interesses dos indivíduos e o respeito ao Estado Democrático de Direito.
Embora existam situações excepcionais em que o sigilo pode ser quebrado, elas devem ser analisadas com cautela e critério, pois envolvem questões éticas e legais. Portanto, o sigilo profissional é um dever do advogado e um direito do cliente, que contribui para a qualidade e a eficiência da prática jurídica.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 out. 2023.
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