FAZER UM TESTAMENTO pode ser uma excelente forma de planejar a distribuição do seu patrimônio para depois da sua morte. É inevitável que venhamos a morrer (pelo menos até o momento atual de avanço da Medicina) mas é plenamente possível, dentro do que a Lei autoriza, optar por outra forma de distribuição dos bens (herança) além daquela que a Lei prevê como "padrão" para todas as pessoas, nas regras do artigo 1.829 e seguintes do Código Civil. O Testamento é uma importante ferramenta e, como sempre falamos aqui, pode ser feita tanto em Cartório (Testamento Público) quanto pelo próprio interessado sozinho (Testamento Particular), sendo certo que conhecer as regras que giram em torno desse tipo de instrumento será fundamental. Não por outra razão nossa recomendação em termos de Testamento sempre será sua preparação contando com a assessoria jurídica de um Advogado Especialista.
Ponto importante que precisa ser considerado quando falamos em Testamento é que só sua confecção não é suficiente para a efetivação da eventual distribuição patrimonial pretendida: além de observar perfeitamente os limites que a Lei impõe para as disposições testamentárias, é necessário recordar que por ocasião do falecimento do autor da herança será necessário realizar o procedimento de registro, abertura e cumprimento do testamento, tal como prevê o Código Fux em seus artigos 735, 736 e 737, conforme o caso.
Outro aspecto interessante que merece ser destacado em sede de Sucessão Testamentária (ou seja, a distribuição de herança baseada em disposições constantes de um testamento deixado pelo falecido) é que atualmente o ordenamento jurídico autoriza que mesmo havendo testamento o Inventário possa ser realizado de forma administrativa, em Cartório de Notas, com assistência de Advogado, por INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. Ainda que não haja (até o presente momento) previsão específica na Resolução 35/2007 do CNJ contemplando tal possibilidade, muito menos no citado CPC/2015 e na Lei 11.441/2007 não se desconhece que até mesmo o STJ já enfrentou várias vezes a questão autorizando a realização do Inventário pela via Extrajudicial mesmo nos casos onde haja testamento. Nesse sentido:
"STJ. REsp: 1951456/RS. J. em: 23/08/2022. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL EM QUE HÁ TESTAMENTO. ART. 610, CAPUT E § 1º, DO CPC/15. INTERPRETAÇÃO LITERAL QUE LEVARIA À CONCLUSÃO DE QUE, HAVENDO TESTAMENTO, JAMAIS SERIA ADMISSÍVEL A REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. INTERPRETAÇÕES TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA QUE SE REVELAM MAIS ADEQUADAS. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI Nº 11.441/2007 QUE FIXAVA, COMO PREMISSA, A LITIGIOSIDADE SOBRE O TESTAMENTO COMO ELEMENTO INVIABILIZADOR DA PARTILHA EXTRAJUDICIAL. (...). LEGISLAÇÕES ATUAIS QUE, ADEMAIS, PRIVILEGIAM A AUTONOMIA DA VONTADE, A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E OS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, AINDA QUE EXISTENTE TESTAMENTO, QUE SE EXTRAI TAMBÉM DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL. (...). 2- O propósito recursal é definir se é admissível a realização do inventário e partilha por escritura pública na hipótese em que, a despeito da existência de testamento, todos os herdeiros são capazes e concordes. (...) Verifica-se que, em verdade, a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador. 7- Anote-se ainda que as legislações contemporâneas têm estimulado a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, de modo que a via judicial deve ser reservada somente à hipótese em que houver litígio entre os herdeiros sobre o testamento que influencie na resolução do inventário. 8- Finalmente, uma interpretação sistemática do art. 610, caput e § 1º, do CPC/15, especialmente à luz dos arts. 2.015 e 2.016, ambos do CC/2002, igualmente demonstra ser acertada a conclusão de que, sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento, nos termos, inclusive, de precedente da 4ª Turma desta Corte. 9- Recurso especial conhecido e provido, a fim de, afastado o óbice à homologação apontado pela sentença e pelo acórdão recorrido, determinar seja dado regular prosseguimento ao pedido".
No Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (a exemplo do que ocorre em diversos outros Estados da Federação) a autorização para realização do Inventário Extrajudicial com Testamento é expressa no artigo 446 que iniciando a disciplina do assunto reza:
"Art. 446. Diante da expressa AUTORIZAÇÃO do juízo sucessório competente, nos autos da apresentação e cumprimento de testamento válido e eficaz, sendo todos os interessados capazes e concordes ou, havendo incapazes, observada seção seguinte, poderá realizar-se o inventário e a partilha por ESCRITURA PÚBLICA".
Portanto, ainda que existam isoladas vozes afirmando que a realização do Inventário Extrajudicial com testamento representa uma ilegalidade, entendemos que a razão está em se admitir sua realização, como confirma a orientação entregue pelo STJ.
Recentemente recebemos o questionamento sobre a possibilidade de distribuir por TESTAMENTO bens que ainda não estão regularizados junto ao RGI por exemplo. Nessa categoria podemos incluir imóveis não regularizados por se tratar na verdade de DIREITOS POSSESSÓRIOS, DIREITOS AQUISITIVOS ou ainda, DIREITOS HEREDITÁRIOS. De início é preciso anotar que ainda que tanto o DIREITO HEREDITÁRIO quanto o DIREITO POSSESSÓRIO e também o DIREITO AQUISITIVO possuem importância jurídica e econômica razão pela qual poderão ser objeto de transmissão "inter vivos" ou "causa mortis", como reconhece o ordenamento jurídico.
BENS E DIREITOS PODEM SER OBJETO DE DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA.
Sua disposição em sede de testamento tem plena validade, sendo sempre importante observar que o recebimento do "direito hereditário" ou do "direito possessório" não regulariza de vez o fólio registral, na medida em que, via de regra, resolve-se com INVENTÁRIO a regularização de Direitos Hereditários, com USUCAPIÃO a regularização de Direitos Possessórios e com ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA a regularização de Direitos Aquisitivos egressos de contrato preliminar não aperfeiçoado com a outorga da Escritura Definitiva - valendo recordar que hoje em dia esses três remédios jurídicos estão à disposição dos interessados nas Serventias Extrajudiciais, sendo opção das partes a solução seja em Cartório, seja no Fórum via processo judicial.
POR FIM, destacando a importância econômica e jurídica dos direitos possessórios e também dos direitos hereditários a lição da jurisprudência do TJMG:
"TJMG. 00951437620238130000. J. em: 02/05/2023. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO SUCESSÓRIO - INVENTÁRIO - AUTONOMIA ENTRE OS INSTITUTOS DE POSSE E PROPRIEDADE - PRECEDENTE DO STJ - POSSIBILIDADE DE PARTILHA DA POSSE - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO. 1. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres (art. 1.206, do Código Civil). 2. Consideram-se bens do espólio todos os direitos e ações, sobretudo aqueles que possuem expressão econômica, tal como ocorre com o direito de posse. 3. Nos termos do entendimento firmado pelo c. STJ, a autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito possessório, notadamente ante a expressão econômica do segundo, entendeu pela possibilidade de sua partilha ( REsp nº 1984847/MG)".