INTRODUÇÃO
A Teoria do Risco é um conceito jurídico que desafia o princípio tradicional de responsabilidade civil, introduzindo a ideia de que quem se beneficia de uma atividade potencialmente perigosa deve assumir o ônus dos riscos associados, independentemente da existência de culpa ou negligência. Essa teoria tem implicações significativas no direito civil, especialmente em casos de danos causados por atividades de risco.
Assim, estabelece o artigo 927 do Código Civil em seu parágrafo único:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo nosso)
APLICABILIDADE DA TEORIA DE RISCO NAS RELAÇÕES DE ACIDENTE DE TRABALHO
Cabe analisar a aplicabilidade da teoria de risco nas relações de acidente de trabalho, isso porque o artigo supracitado conflita com a interpretação sistemática do artigo 7º, XXVIII da Constituição Federal, uma vez que o texto desta reconhece a responsabilidade subjetiva do empregador nas indenizações cíveis. In verbis:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (grifo nosso)
O Tribunal Superior do Trabalho, ao deparar-se com a controvérsia, através do espirituoso posicionamento do ministro Lélio Bentes Corrêa, acata a teoria objetiva da responsabilidade civil.
"não estão englobados apenas os riscos econômicos propriamente ditos, como o insucesso empresarial ou as dificuldades financeiras, mas também o risco que a atividade representa para a sociedade e, principalmente, para seus empregados". (TST — RR — 422/2004-011-05-00; 1ª Turma; DJ — 20/3/9; relator ministro Lélio Bentes Corrêa).
Além desse importantíssimo avanço, o Supremo Tribunal Federal, em tema de repercussão geral, também reconhece a compatibilidade do art. 927, CC. e do art. 7º, XXVIII, CF; sendo cabível a aplicação da responsabilidade civil objetiva nos casos de profissão de risco, utilizando-se de forma análoga a todos os casos de mesma matéria.
Nº 932 - Possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho.
O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida por sua natureza apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
ATIVIDADE DE RISCO
Em linhas conceituais, entende-se que atividade de risco, no contexto jurídico, refere-se a uma atividade humana que, por sua própria natureza, envolve a probabilidade de causar danos a terceiros ou ao meio ambiente. Essas atividades são consideradas inerentemente perigosas ou arriscadas, a qual em suas realizações pode implicar uma responsabilidade aumentada por parte daqueles que as executam.
Inexiste de forma taxativa e exaustiva listagem de atividades laborais consideradas como atividades de risco. Resta para a jurisprudência à análise individual dos casos, com assistência doutrinária, para aplicar a legislação em vigor ao caso concreto.
Miguel Reale após vigência do Código Civil de 2002 enfatiza e exemplifica esse aspecto:
“Pois bem, quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico, como o de transporte ou de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos, implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem tira dela proveito, haja ou não culpa.”
Dito isto, é importante destacar alguns pontos-chaves sobre a teoria do risco.
1. Transferência do ônus do risco: A ideia subjacente é que, ao se envolver em atividades de risco, a parte responsável pela atividade está em melhor posição para suportar os ônus financeiros associados a possíveis danos. Isso pode incluir danos a terceiros, trabalhadores ou ao meio ambiente.
2. Exceções e limitações: Apesar da aplicação geral da Teoria do Risco, podem existir exceções e limitações, especialmente se for possível demonstrar que o dano ocorreu por motivos alheios à atividade de risco ou se a pessoa afetada contribuiu significativamente para o dano.
ANÁLISE DE CASO
Seguindo a explanação conceitual acerca da teoria do risco integral, das controvérsias legislativas entre lei maior e norma infraconstitucional, dos posicionamentos jurisprudencial e doutrinário e, por fim, aspectos da atividade de risco, vamos iniciar a análise do caso que ocorrera nesta quinta-feira (14) na cidade do Recife (PE).
O vigilante do restaurante de luxo Coco Bambu, localizado no bairro do Derby, centro do Recife, foi morto a tiros durante o exercício de sua profissão. Embora pareça simples de entender, há elementos específicos que tornam o caso especial em termos de estudo factual.
Em linhas gerais, as empresas (neste caso se tratando da empresa de vigilância) são obrigadas a seguir as normas de segurança ocupacional estabelecidas por agências reguladoras ou órgãos governamentais; o que pode incluir requisitos específicos de treinamento, manutenção de equipamentos e práticas seguras de trabalho.
Se um trabalhador se ferir devido à negligência da empresa, poderá entrar com uma ação de responsabilidade civil. A empresa pode ser responsabilizada por fornecimento de seguro de acidentes de trabalho, cobrir custos médicos, perda de salários (compensação financeira) e danos morais relacionados à lesão.
Destaca-se que os órgãos reguladores, como Ministério do Trabalho, podem impor multas e sanções administrativas se uma empresa não cumprir as normas de segurança ocupacional. Regularmente, essas entidades realizam inspeções para garantir a conformidade.
Os trabalhadores têm o direito de recusar tarefas que considerem perigosas sem sofrer represálias. Essa proteção visa incentivar a comunicação aberta sobre preocupações relacionadas à segurança no local de trabalho.
Após um acidente de trabalho, as empresas são geralmente obrigadas a realizar uma investigação interna para determinar a causa do incidente. A colaboração em investigações externas pode ser necessária, especialmente quando agências reguladoras estão envolvidas.
Em relação a acidente de trabalho, o dever de cuidado exige que as empresas tomem medidas proativas para criar um ambiente de trabalho seguro. Isso inclui a implementação de políticas de segurança, fornecimento de treinamento adequado, manutenção regular de equipamentos e avaliação contínua dos riscos ocupacionais.
No caso em análise, além do vigilante ter sido morto em seu horário de trabalho (perfeitamente entendido como exercício de atividade de risco), tal fato deu-se por ações de terceiros, somado a questão de a própria vítima não estar usando coletes a prova de balas – intrigante, já que além da testa, foi alvejado no peito.
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA
OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA DA EMPRESA: Não fornecer equipamentos de proteção adequados, incluindo coletes à prova de balas, pode ser considerado negligência em relação às obrigações de segurança ocupacional.
POLÍTICAS E PROCEDIMENTOS: Se a empresa tem políticas claras e procedimentos que exigem o uso de coletes à prova de balas durante o trabalho, a não implementação dessas políticas pode ensejar o aumento de responsabilidade para a mesma.
AVALIAÇÃO DE RISCOS: Caso e a empresa não tenha realizado uma avaliação adequada dos riscos associados à segurança dos vigilantes, incluindo a possibilidade de agressões, sua responsabilidade poderá ser agravada.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA: Levando em consideração que a profissão de vigilante é considerada como atividade de risco, nesse sentido, há possibilidade de a empresa ser responsabilizada independentemente de ter agido negligentemente.
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO: A existência de seguro de acidentes de trabalho não isenta automaticamente a empresa de responsabilidade, mas pode influenciar a forma como os danos são compensados.
Em paralelo, há um caso onde uma empresa é responsabilizada por morte de empregado atingido por bala perdida em rodovia. Ocorre que um varejista de artigos fotográticos de São Paulo foi responsabilizado pela morte de um empregado enquanto o mesmo dirigia, exercendo atividade distinta da que foi contratado.
O desvio de função foi caracterizado como motivo principal para a ocorrência da morte do empregado. Se sua função estivesse sido exercida conforme contrato, tal acidente não haveria acontecido.
Através de recurso interposto pela mãe do falecido, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o caso enseja responsabilidade objetiva, o que independe o enquadramento de culpa da empregadora. As balas perdidas, evento ocasionado por terceiro, não afasta o nexo de causalidade entre o trabalho prestado e a morte do empregado, já que circunstancialmente não resta dúvidas da negligência da empresa em não ter prestado a segurança adequada para o exercício de função.
Segue passagem do acórdão do processo (nº TST-RRAg-11642-75.2018.5.15.0040) em questão pelo Ministro Relator Mauricio Godinho Delgado.
"A partir dos elementos fáticos consignados na decisão recorrida, ficaram comprovados o dano e o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a atividade desenvolvida. Cumpre esclarecer que a força maior ou caso fortuito (art. 393 do CCB) – circunstância que se verifica relativamente ao fato necessário, cujos efeitos não eram possível evitar ou impedir (parágrafo único do art. 373 do CCB) - pode levar à exclusão ou atenuação da responsabilidade. Naturalmente que a exclusão responsabilizatória incidirá apenas quando se tratar de causa única do infortúnio, uma vez que, tratando-se de simples concausa, a sua ocorrência pode somente atenuar o valor da indenização. A doutrina e jurisprudência têm apontado ainda o fato ou ato de terceiro como circunstância excludente da responsabilidade. Entretanto, essa ressalva também tem de ser vista com cautela: é que mesmo tratando-se de fato ou ato de terceiro, incidirá a responsabilidade do empregador caso o evento danoso igualmente se insira dentro do risco inerente à atividade do trabalhador ou da empresa. É o que se passa, por exemplo, com os acidentes de trânsito, relativamente ao empregado motorista; também com os ferimentos e danos resultantes de assalto, relativamente ao empregado vigilante."(grifo nosso)
Sendo assim, não restam dúvidas para que, no caso principal em análise, a empresa prestadora de serviços de segurança, poderá ser responsabilizada objetivamente pela morte do vigilante durante o exercício de atividade de risco.