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A responsabilidade civil do policial militar no crime de homicídio praticado em serviço

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20/12/2007 às 00:00
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3. A ATIVIDADE POLICIAL

A Constituição da República Federativa do Brasil preceitua que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144).

Estabelece ainda, a Carta Magna, os órgãos componentes do aparato da segurança pública. São eles: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

A competência e a função desses órgãos está prevista nos §§ 1º a 5º, do art. 144, da Lei Maior, dispondo ainda, o § 6º, que as polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Prevê também, o § 8º, do art. 144, a possibilidade dos municípios constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

A atividade de polícia realiza-se de vários modos, distinguindo-se em administrativa e de segurança. Esta compreende a polícia ostensiva e a polícia judiciária.

A polícia administrativa tem por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais (liberdade e propriedade). A polícia de segurança que, em sentido estrito, é a polícia ostensiva tem por objeto a preservação da ordem pública e, pois, as medidas preventivas que em sua prudência julga necessárias para evitar o dano ou o perigo para as pessoas. [21]

Contudo, mesmo com todo o trabalho da polícia ostensiva, não se pode evitar a ocorrência de todos os delitos, sendo indispensável a existência de um sistema que apure as infrações penais e cuide da perseguição aos criminosos. É aí que entra a polícia judiciária, que tem por objetivo realizar atividades de investigação, de apuração das infrações penais e de indicação de sua autoria, a fim de fornecer os elementos necessários ao Ministério Público em sua função repressiva das condutas criminosas, por via de ação penal pública. [22]

No âmbito estadual, a função de polícia judiciária é exercida pela Polícia Civil; já a função de polícia ostensiva, bem como a preservação da ordem pública é realizada pela Polícia Militar.

Ocorre que, os órgãos policiais, no exercício de sua atividade respectiva, poderão vir a causar danos a outras pessoas, como muitas vezes ocorre, havendo ou não culpa de seus agentes.

Para esses casos, a Constituição da República prevê, como já estudado, a responsabilidade civil objetiva do Estado em seu art. 37, § 6º: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Como prevê o dispositivo, todos os entes da federação têm a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Trata-se da responsabilidade civil objetiva do Estado.

Por outro lado, tem a Administração Pública o direito de propor ação regressiva contra o causador direto do dano, caso se comprove a culpa ou dolo do seu agente no evento danoso.

A Carta Magna prevê ainda, em seu art. 5º, caput, o direito à vida como o primeiro dos direitos fundamentais. Nossa doutrina considera a vida como "a fonte primária de todos os outros bens jurídicos". [23]

A reparação do dano no caso de homicídio, por sua vez, é especialmente

abordada pelo Código Civil, em seu art. 948, como adiante se verá.

O assunto é especialmente interessante e por isso é o alvo do presente trabalho.

Passa-se, agora, ao estudo da responsabilidade civil do policial militar.

3.2 A responsabilidade civil do policial militar

O policial militar, como agente do Estado e responsável pela polícia preventiva e repressiva, tem o dever de zelar pela ordem e sossego públicos e pela incolumidade física das pessoas.

Assim, no exercício desse mister, lhe são concedidas algumas franquias, como o uso de armas de fogo, algemas, e outros instrumentos sem os quais não poderá bem cumprir o seu múnus e combater a criminalidade.

Todavia, não é o policial militar detentor de salvo conduto que lhe permita tudo, nem lhe foi concedido direito à indenidade. O exercício regular desse direito não passa pelo abuso, nem se inspira no excesso ou desvio do poder conferido. [24]

O exercício dos direitos é condicionado a certas regras fundamentais de polícia jurídica. Todo direito enseja uma faculdade ou prerrogativa ao seu titular, mas ao mesmo tempo reconhece que tal prerrogativa deve ser exercida na conformidade do objetivo que a lei teve em vista ao concedê-lo ao indivíduo.

Nas palavras de Rui Stoco:

Essa questão relativa ao limite do exercício do direito, além do qual poderá ser abusivo, quer dizer, a linha divisória entre o poder concedido e o poder excedido, constitui a essência da teoria do abuso de direito.

[...] Assim, se um policial, quando em serviço, usando arma da Corporação se excede nas funções que lhe foram cometidas e faz uso dela, responde o Estado pelos prejuízos que deste ato advenham. [25]

Para esses casos de abusos cometidos por agentes policiais, aplica-se a regra geral do § 6º, do art. 37, da Constituição da República, respondendo o Estado pelo ato do policial, cabendo ainda, se o ato foi abusivo ou praticado com excesso de poder, o ressarcimento por parte do policial à Administração Pública.

Em caso concreto, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - MORTE DE PAI DE FAMÍLIA PRESO E AGREDIDO POR POLICIAIS MILITARES - DANOS MORAIS DEVIDOS - RESSALVA DO ARBITRAMENTO DOS PREJUÍZOS EM SALÁRIOS MÍNIMOS - FIXAÇÃO EM PECÚNIA - INDENIZAÇÃO DEVIDA DIANTE DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO.

1. O ente estatal deve ser responsabilizado pelo ocorrido haja vista a caracterização da culpa dos policiais que, exacerbando os limites de suas atribuições, agiram de forma imprudente, sem tomar as cautelas devidas à condução de seu ofício, em total desrespeito à dignidade do cidadão comum. 

Sofreu, assim, a vítima injusta agressão física, a qual resultou-lhe a morte, diante da conduta perpetrada pelos policiais, tendo violado o seu dever de manutenção da ordem e de segurança da sociedade. Houve, indubitavelmente, gritante ofensa à dignidade pessoal da família da vítima, razão pela qual faz jus ao pleito indenizatório[...]. [26]

No mesmo sentido, decisão do Areópago Paranaense:

Responsabilidade civil do Estado – Disparos de armas de fogo contra a multidão – Policiais – Morte de popular – Ação de indenização procedente.        

‘Desde que o ato praticado pelo agente da administração pública tenha acarretado lesão a direito, deve o Estado responder pelo ressarcimento, independentemente da pesquisa de culpa do agente direto’. [27]

Nesse diapasão, o Estado tem de indenizar a vítima de danos causados por policiais no exercício da função, não podendo alegar que o ato cometido pelo agente é crime, para eximir-se de sua responsabilidade extracontratual.

O abuso mais confirma sua obrigação de responder, visto que é responsabilidade exclusiva da Administração a arregimentação de pessoas para o efetivo policial.

Segundo Rui Stoco:

O policial não é um servidor qualquer. Dele se exige atributos especiais. Há de ser destemido, sem desbordar; há de mostrar-se intimorato e forte apenas no combate ao crime e aos criminosos. Não basta que seja honesto e escorreito. Há, ademais, de ‘parecer’ honesto. [28]

Como afirma Yussef Said Cahali, citado por Rui Stoco:

Dispondo o Estado de verbas expressivas extraídas da arrecadação tributária, aos organismos policiais cometidos da função de segurança pessoal e coletiva, impõe-se-lhe, à sua conta e risco, o correto recrutamento daqueles que, para o seu desempenho, recebem uma farda representativa e uma arma de fogo. Daí reconhecer-se-á a responsabilidade civil do Estado mesmo naqueles casos de manuseio disparatado da arma, causador de danos à integridade física dos particulares. [29]

No exercício de sua atividade ostensiva, não raras vezes, o policial militar poderá vir a causar danos a terceiros, como se observa no dia-a-dia através dos meios de informação. Na grande maioria das vezes, estes danos são causados devido a confrontos contra os criminosos, estando, quase sempre, os policiais envolvidos no conflito, amparados por causas excludentes de ilicitude, como a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal.

Assim, no caso, por exemplo, de um tiroteio entre policiais e bandidos, vindo uma pessoa inocente que não participava do confronto a ser atingida por um disparo efetuado pelo policial, responderá o Estado pelo dano causado, devendo indenizar a vítima, devido à regra da responsabilidade objetiva.

Todavia, não haverá direito de regresso em face dos policiais, que com sua conduta legítima, não incorreram em dolo ou culpa.

Nesse sentido, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA OBJETIVA. AÇÃO PRATICADA POR POLICIAL RODOVIÁRIO, NA PRESUMIDA DEFESA DE TERCEIRO. RESULTANTE DE MORTE DE TERCEIRO ESTRANHO AO EVENTO.

1. SE O AGENTE PÚBLICO, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, PRATICA DANO A TERCEIRO NÃO PROVOCADOR DO EVENTO, HÁ DO ESTADO SER RESPONSABILIZADO PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS, EM FACE DOS PRINCÍPIOS REGEDORES DA TEORIA OBJETIVA.

2. O ART. 107, DA CF DE 1969, EM VIGOR NA ÉPOCA DOS FATOS, HOJE REPRODUZIDO COM REDAÇÃO APERFEIÇOADA PELO ART. 37, PAR. 6. DA CF DE 1988, ADOTOU A TEORIA OBJETIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, SOB A MODALIDADE DO RISCO ADMINISTRATIVO TEMPERADO.

3. A ABSOLVIÇÃO DE POLICIAL RODOVIÁRIO, NO JUIZO CRIMINAL, EM DECORRÊNCIA DA MORTE CAUSADA POR OCASIÃO DE AÇÃO PRATICADA EM LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO, NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, SE NÃO PROVAR QUE O ACIDENTE OCORREU POR CULPA DA VÍTIMA.

4. PASSAGEIRO ATINGIDO POR DISPARO DE ARMA DE FOGO EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO POLICIAL CONTRA MOTORISTA DE VEÍCULO.

5. INDEPENDÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM CONFRONTO COM A CRIMINAL, SALVO QUANDO NO JUIZO PENAL SE RECONHECE, VIA DECISÃO TRÂNSITA EM JULGADO, AUSÊNCIA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE DO DELITO.

6. A ABSOLVIÇÃO NO JUIZO CRIMINAL NÃO IMPEDE A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL, QUANDO PESSOA QUE NÃO CONCORREU PARA O EVENTO SOBRE DANO, NÃO TIVER CULPA. [30]

Por derradeiro, indispensável citar as palavras de Rui Stoco:

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São acontecimentos não queridos e fruto muito mais do recrudescimento da violência dos marginais que do comportamento dos agentes policiais, mas que impõe uma resposta mais severa destes.

Nem por isso, entretanto, ficará o Estado acobertado pela indenidade civil, pois vige – como regra constitucional – a teoria do risco administrativo, que obriga o Estado a indenizar, sem indagação de culpa, em seu sentido amplo. [31]

Verifica-se, portanto, que o Estado responderá civilmente sempre que da conduta advinda do exercício da atividade policial for causado dano a um particular, desde que não estejam presentes causas excludentes da responsabilidade estatal. É a aplicação da teoria do risco administrativo.

Por sua vez, o policial que no exercício de sua atividade, agir dentro dos limites impostos pela lei, mesmo que cause um dano irreversível como o homicídio, não será obrigado a ressarcir a Administração Pública pelos valores que aquela despendeu ao indenizar o particular prejudicado. A responsabilidade civil do policial é subjetiva, só ficando configurada, em casos de dolo ou culpa. Se exceder aos limites legalmente impostos, será civilmente responsabilizado.

Passa-se, a seguir, ao estudo das excludentes de ilicitude no crime de homicídio, bem como aos efeitos do excesso nas causas de exclusão da ilicitude.

3.3 Excludentes da obrigação de indenizar no caso de homicídio praticado por policial militar

O Código Civil atual fundamenta a responsabilidade civil no art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Entretanto, no art. 188, são previstas hipóteses em que, inobstante a ação voluntária do agente e a ocorrência de dano, não haverá necessariamente o dever de indenizar: [32]

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Apesar do referido dispositivo não prever expressamente a excludente do estrito cumprimento do dever legal, a doutrina entende estar nele contido, porquanto atua no exercício regular de um direito reconhecido aquele que pratica um ato "no estrito cumprimento do dever legal." [33]

O estado de necessidade que, na prática, devido a suas peculiaridades não se aplica ao caso do homicídio cometido por policial militar em serviço, mesmo estando no rol das excludentes do art. 188, do Código Civil, sofre os temperamentos dos arts. 929 e 930, do mesmo estatuto. Nesse caso, deve o agente indenizar a pessoa lesada ou o dono da coisa destruída, caso esse não seja o culpado pelo perigo, podendo posteriormente ajuizar ação regressiva em face do causador do perigo inicial. [34]

Inaplicável, também, a excludente do exercício regular de direito ao homicídio praticado por policial, haja vista que a lei não confere a quem quer que seja o direito de matar. Como explana Damásio de Jesus: "A ele (homicídio) é inaplicável a excludente do exercício regular de direto: ‘inexiste qualquer direito cujo exercício importa a faculdade de matar’". [35]

O conceito das excludentes de ilicitude é o mesmo do direito penal. Passa-se, agora, a análise individual das excludentes da responsabilidade civil no crime de homicídio, quais sejam: estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa.

3.3.1 Estrito cumprimento de dever legal

Como já visto, há previsão implícita na lei civil a respeito do estrito cumprimento do dever legal como causa de exclusão de responsabilidade (art. 188, I).

Trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude, deixando o fato praticado de ser antijurídico. Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ato ilícito, uma vez que a lei não contém contradições. [36]

Aquele que age limitando-se a cumprir um dever que lhe é imposto por lei

penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento desse dever não ingressa no campo da ilicitude. Nesse raciocínio, estão amparados pela excludente o policial que cumpre um mandado de prisão, o meirinho que executa o despejo e o fiscal sanitário que são obrigados à violação de domicílio, o soldado que elimina o inimigo no campo de batalha. Também "agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo [...])." [37]

Celso Delmanto, a respeito desta excludente, anota o seguinte julgado: "Agem

em estrito cumprimento de dever legal os policiais que eliminam homicida que faz uso de arma ao receber voz de prisão (TJMT, RT 519/409)." [38]

Nesse sentido, a jurisprudência é pacífica: "Indenização – Fazenda Pública –

Responsabilidade civil – Delito praticado por policial militar no estrito cumprimento do dever legal – Exclusão da criminalidade – Indenização indevida – Ação improcedente". [39]

Assim, mesmo no crime de homicídio poderá ser reconhecida a excludente do estrito cumprimento do dever legal, com a exclusão da obrigação de indenizar a vítima na forma do art. 188, I, do Código Civil, já comentado.

Necessário esclarecer, que esta excludente só ocorrerá quando houver um dever legal imposto pelo direito objetivo (que pode ser lei, decreto, etc.), excluindo-se as obrigações de natureza social, moral ou religiosa, não previstas em lei. Não se admite a excludente nos crimes culposos. [40]

3.3.2 Legítima defesa

A legítima defesa constitui justificativa para a conduta, e é regulada pelo art. 25, do Código Penal: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."

São requisitos para a existência da legítima defesa:

a) a reação a uma agressão atual ou iminente e injusta;

b) a defesa de um direito próprio ou alheio;

c) a moderação nos meios necessários à repulsa; e

d) o elemento subjetivo. [41]

O direito não admite a justiça de mão própria, mas reconhece situações nas quais o indivíduo pode usar dos meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra si ou contra outras pessoas ou seus bens. Assim, quem age em legítima defesa não pratica ato ilícito, não havendo dever de indenizar.

É da jurisprudência:

Indenização – Responsabilidade civil – Ato ilícito – Danos decorrentes da morte de menor que faleceu por disparo de arma de fogo, de investigador de polícia – Inadmissibilidade – Evento que ocorreu por culpa exclusiva da vítima – Réu que foi absolvido em processo crime no Júri – Legítima defesa que exclui a responsabilidade civil – Art. 160 do Código Civil – Recursos providos. Não constituem ato ilícito, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. [42]

E ainda:

Indenização – Fazenda pública – Danos Físicos, estéticos e materiais causados por policial militar – Ilicitude do fato afastada por legítima defesa – Culpa grave na conduta do ofendido caracterizada – Ação improcedente.

Os atos praticados em legítima defesa só obrigam a reparação em relação a terceiro, e não participante do ato que motiva a repulsa legalmente autorizada. Essa condição de terceiro não pode ser reconhecida à vítima, que tinha liderança do grupo de agressores. [43]

No uso dos meios necessários para defender-se, deve o agente utilizá-los

moderadamente. Entende-se por meios necessários os que causam o menor dano indispensável à defesa do direito, já que, em princípio, a necessidade se determina com a força real da agressão. Todavia, como ressalta Júlio Fabbrini Mirabete, meio necessário é aquele de que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição no momento. [44] No mesmo entendimento, Celso Delmanto afirma que os meios necessários "podem ser desproporcionais caso não haja outros à disposição no momento da reação". [45]

Assim, caso um policial militar, na execução do policiamento ostensivo, venha a ser atacado por um assaltante armado de faca, e para defender-se faz uso de pistola e atira contra o agressor, configurada estará a excludente da legítima defesa.

Da mesma forma, age em legítima defesa o policial militar que, usa arma de fogo para repelir agressão de um grupo de três ou mais pessoas.

Somente a repulsa praticada em legítima defesa real e contra o próprio agressor isenta o agente de responsabilidade civil pelos danos provocados. Se o policial, para defender a própria vida ou a vida de terceiro, mata o agressor, restará configurada a legítima defesa, não havendo ato ilícito e, tampouco, obrigação de indenizar.

Entretanto, se por engano ou erro de pontaria, vem a atingir uma terceira pessoa que não participara do evento, tem esta direito à reparação. Mas poderá ser ajuizada ação regressiva contra o causador da agressão inicial. É o chamado erro de execução (aberratio ictus). Nesse caso, mesmo que o policial tenha agido em legítima defesa, o Estado deve indenizar a vítima, haja vista não ter havido culpa desta para a ocorrência do ato danoso. Haverá a responsabilidade civil do Estado para com a vítima, conforme a regra geral do art. 37, § 6º, da CRFB, ainda que o policial militar tenha sido absolvido no juízo criminal. Mas, não poderá a Administração Pública propor ação regressiva em face do policial, já que sua ação foi legítima.

Sobre o tema, traz-se a lição de Rui Stoco:

Cumpre acrescentar que se o autor do fato danoso for preposto do Estado, a ação daquele, ainda que praticada em legítima defesa, não retira a obrigação deste de indenizar, por força do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva. Significa que o Estado, por força da responsabilidade objetiva, responde civilmente pelo ato danoso, impondo-se-lhe indenizar a vítima ou as pessoas legitimadas, independentemente da existência de culpa lato sensu, mas não terá direito de regresso contra o agente público, se absolvido no crime ou comprovado no cível ter agido em legítima defesa real. [46]

Nesse sentido, recente decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal:

O fato de o agente público ter sido absolvido em processo criminal em razão do reconhecimento de legítima defesa de terceiro não exclui a responsabilidade do Estado em indenizar os familiares da vítima, morta em virtude da ação do servidor público, mormente se o de cujus não praticou qualquer ato ilícito, ou, por qualquer outra forma, deu causa ao evento. [47]

Da mesma forma, a legítima defesa putativa não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato. [48]

Sobre o significado desta excludente, ensina Julio Fabbrini Mirabete:

Legítima defesa putativa existe quando o agente, supondo por erro que está sendo agredido, repele a suposta agressão. Não está excluída a antijuridicidade do fato porque inexiste um dos seus requisitos (agressão real, atual ou iminente), ocorrendo na hipótese uma excludente da culpabilidade nos termos do art. 20, § 1º. [49]

A jurisprudência é pacifica no sentido de que a legítima defesa putativa não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados a família da vítima, em caso de homicídio, conforme o julgado adiante transcrito a título ilustrativo:

Ação contra o Estado por homicídio praticado por escrivão civil atuando simultaneamente como escrivão policial – Réu que alega legítima defesa putativa – Suspensão do processo com base no art. 265, IV, letra a do CPC – Inadmissibilidade na espécie (art. 65, do Código de Processo Penal) – Agravo provido – O reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do ofendido, até porque mesmo a culpa levíssima impõe o dever de indenizar. [50]

3.4 O excesso punível no homicídio praticado pelo policial militar em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal

O Código Penal, em seu art. 23, já citado, menciona as causas de exclusão da antijuridicidade, que, se estiverem presentes na realização de um fato típico, afastam o requisito da ilicitude do fato (antijuricidade), tornando-o atípico. Dessas excludentes, nos interessam no momento, a legítima defesa e o estrito cumprimento de dever legal, por serem as únicas justificativas que poderão ser configuradas, na prática, no homicídio praticado por policial militar em serviço, sendo também excludentes da responsabilidade civil daquele profissional da segurança do Estado.

A lei penal, após expor estas excludentes, dispõe em seu parágrafo único, que o agente, em qualquer dessas hipóteses, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Nas causas legais de exclusão da antijuridicidade, é necessário que o agente não exceda os limites traçados pela lei. Na legítima defesa, não deve o agente ir além da utilização do meio necessário para rechaçar a agressão. Exemplo: o policial militar, agindo em legítima defesa, fere gravemente seu agressor e o derruba; mas, após estar este deitado não apresentando mais perigo, excede-se e ainda o fere levemente. Não haverá crime pela lesão corporal grave praticada em legítima defesa, mas o agente será responsabilizado pelo seu excesso, ou seja, a lesão leve posterior à defesa.

No estrito cumprimento de dever legal, é indispensável que o agente atue de

acordo com o ordenamento jurídico. Se desnecessariamente causa dano maior que o permitido, não ficam preenchidos os requisitos desta descriminante. Em decisões anotadas por Celso Delmanto, encontra-se o ensinamento: "Se o agente excede os limites de seu dever, há excesso ilícito de poder (TACrSP, RT 587/340). Impõe-se que a ação fique limitada ao estrito cumprimento do dever legal (TJSP, RT 572/299, 486/277; TJSC, RT 561/405)." [51]

O excesso pode ser doloso ou culposo. No excesso doloso o agente quer um resultado deliberadamente além do necessário. Responderá pelo excesso, como crime doloso.

Como ensina Julio Fabbrini Mirabete:

O excesso pode ser doloso, hipótese em que o sujeito, após iniciar sua conduta conforme o direito, extrapola seus limites na conduta, querendo um resultado antijurídico desnecessário ou não autorizado legalmente. Excluída a descriminante quanto a esse resultado, responderá o agente por crime doloso pelo evento causado no excesso. Assim, aquele que, podendo apenas ferir, mata a vítima, responderá por homicídio; o que podia evitar a agressão através de vias de fato e causou lesão responderá por esta etc. [52]

No excesso culposo, embora não o desejando, o agente, por não tomar o cuidado objetivo devido, causa um resultado além daquele que era necessário. Responderá pelo excesso, a título de culpa, se o resultado excessivo for previsto como crime culposo.

Novamente a lição de Julio Fabbrini Mirabete:

É culposo o excesso quando o agente queria um resultado necessário, proporcional, autorizado e não o excessivo, que é proveniente de sua indesculpável precipitação, desatenção etc. Na realidade, há uma conduta dolosa, mas, por medida de política criminal, a lei determina que seja fixada a pena do crime culposo, se previsto em lei, já que o sujeito atuou por um erro vencível na sua ação ou reação, diante do temor, aturdimento ou emoção que o levou ao excesso. Também nesta hipótese o agente responderá apenas pelo resultado ocorrido em decorrência do excesso. [53]

Há ainda, o excesso por erro ou involuntário, onde serão aplicadas as regras do erro de tipo (art. 20) ou erro de proibição (art. 21). [54]

Feitas estas considerações a respeito do excesso punível, verificar-se-ão os seus efeitos no âmbito da responsabilidade civil.

Assim como no direito penal, a doutrina civilista entende que o agente deve

responder pelo excesso na legítima defesa, isto é, quando sua conduta ultrapassa os limites da ponderação. Segundo Silvio de Salvo Venosa "deverá responsabilizar-se, proporcionalmente, pelo excesso cometido, pois subsiste a ilicitude em parte da conduta". [55]

Não discrepa dessa idéia Carlos Roberto Gonçalves:

Preleciona Pontes de Miranda que, se o ato praticado em legítima defesa for excessivo, no que ele é excesso torna-se contrário ao direito. Entretanto, mesmo assim pode o agente alegar e provar que o excesso resultou do terror, do medo, ou de algum distúrbio ocasional, para se livrar da aplicação da lei penal. Na esfera civil, a extrapolação da legítima defesa, por negligência ou imprudência, configura a situação do art. 186 do Código Civil. [56]

Portanto, mesmo presentes a legítima defesa ou o estrito cumprimento de dever legal, havendo excesso doloso ou culposo por parte do policial num ato ilícito, haverá responsabilização do Estado pelo ato danoso, mas tão-somente no que corresponde ao excesso cometido.

No atendimento de um assalto à mão armada, caso o criminoso receba a polícia "à bala", pode o policial reagir e efetuar disparos contra o assaltante, continuando a atirar enquanto não cessado o perigo. Mas, se o criminoso for atingido e vier a cair, não apresentando mais perigo ao policial, este, por sua vez, não pode continuar a acionar o gatilho contra o agente ferido, uma vez que não mais presente a excludente da legítima defesa.

Se o policial vier a atirar no criminoso que encontra-se já ferido e fora de ação, matando-o, haverá responsabilidade civil do mesmo referente a este homicídio.

Nesse sentido, a jurisprudência:

Recurso "ex offício" e apelações cíveis. Responsabilidade civil. Morte de menor que exercia atividade remunerada por policiais militares. Ação civil "ex delicto" promovida pelos pais. Pretensão à indenização por danos material e moral, com fixação de pensão mensal. Vítima que acabara de participar de assalto à mão armada. Tiros disparados contra os policiais. Revide. Excesso dos policiais na legítima defesa, executando a vítima quando já ferida e caída ao solo. Sentença de procedência parcial mantida. Fixação de pensão mensal em 2/3 do salário mínimo vigente, até quando completasse 25 anos de idade. Dano moral negado. Recurso dos autores provido em parte, negado provimento aos demais.

‘Ainda que a reação inicial do agente policial tenha sido esboçada em legítima defesa, defendendo-se de agressão armada de pessoa que acabara de praticar ilícito penal, o excesso na reação, ou seja, o excesso na legítima defesa, afasta a causa excludente de responsabilidade e impõe que o Estado indenize os familiares da vítima’. [57]

Frisa-se que deverá haver muita prudência do julgador na análise do caso concreto, para que não reinem as fraudes e as injustiças.

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Sobre o autor
Diego Schwartz

policial militar em Santa Catarina, Pós-graduado em Direito pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC e Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHWARTZ, Diego. A responsabilidade civil do policial militar no crime de homicídio praticado em serviço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1632, 20 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10782. Acesso em: 23 dez. 2024.

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